O Globo
A imagem conta uma história de tempos
estranhos
Lula recolocou em seu gabinete a imagem do
Cristo Crucificado de 1,50m com a qual conviveu por oito anos. A história da
peça fala dos tempos estranhos que o Brasil viveu.
Ela foi presenteada a Lula pelo empresário
José Alberto de Camargo, que a havia comprado por R$ 60 mil ao bispo de Caxias
(RJ), Dom Mauro Morelli. Estava bastante maltratada e em 2003 foi para os
cuidados de Antonio Fernando Batista, do Iphan mineiro, coautor do catálogo da
obra do Aleijadinho. Durante três meses, as peritas Lucienne Elias e Alessandra
Riosado devolveram-lhe a beleza e estabeleceram sua origem ibérica, do final do
século XVI.
Foi a primeira vez que uma imagem de Cristo entrou no gabinete presidencial. Fernando Collor havia levado uma Virgem Maria, e José Sarney um São José. (Getúlio Vargas e Ernesto Geisel eram agnósticos.) À época, a imagem valia cerca de US$ 30 mil. Lula havia prometido doá-la à Arquidiocese de Brasília.
Em 2011, começou o calvário da peça. Ela
acabou num cofre do Banco do
Brasil, onde ficou com outros presentes recebidos por Lula. De lá,
foi mandada para o Museu da República.
O cofre do Banco do Brasil, onde estavam os
presentes recebidos por Lula, foi exposto com algum espetáculo em 2016. Era
parte da Operação Aletheia, durante a qual o juiz Sergio Moro determinou
buscas e apreensões “para colheita de provas em relação a possíveis ilícitos
criminais relacionados ao ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva
e a pessoas associadas”. O Crucificado estava junto a mais de uma centena de
peças, foi apresentado à imprensa e retido com outros 21 objetos. O acervo
pertencia à Presidência da República. Nada a ver com episódios posteriores.
Numa trapaça da História, no mesmo dia de
atividade frenética em que a turma da Lava-Jato tratava do grampo de Lula (9 de
março de 2016, às 17h16), o procurador Deltan
Dallagnol conversava com um colega e informava:
— Operação de hoje no cofre do BB em nome
do Lulinha e da Marisa, (...) Lá está a cruz do Aleijadinho que estava desde
Itamar no Planalto… prova de valor inestimável (...)
— Peculato com lavagem… coisa pouca kkkk
— (...) Isso, pode sorrir (...)
— Pode agora começar a pular (...) Segura
tudo que aguardamos confirmação de 100% kkkk.
Santas palavras as de Dallagnol decidindo
esperar a confirmação. O Cristo não era do Aleijadinho, nem de seu século, e
nunca esteve no gabinete do presidente Itamar Franco. Nesse dia, pelo menos
sete telefonemas de Lula foram grampeados.
O retorno da imagem ao gabinete
presidencial é uma expressiva mudança. Felizmente, Lula não reativou o pequeno
museu de peças que o autoglorificavam. Seu antecessor expunha a roupa que
vestiu ao assumir o cargo.
Serviço: as mensagens de Dallagnol tratando
do Cristo do Aleijadinho que estava no gabinete de Itamar Franco e foi levado
por Lula estão no livro “Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram
o Brasil”, de Letícia Duarte e do The Intercept Brasil.
Deltan e suas diatribes!
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