O Globo
Lobby no Congresso a favor da permanência
da autorização para acesso a determinadas armas por civis é gigante e tem
patronos de peso
O pacote de projetos e decretos na área de
Segurança e Justiça lançado pelo governo na semana passada mira duas das mais
nefastas heranças do bolsonarismo: o armamentismo sem freios promovido pelo
ex-presidente e as ameaças à democracia por ele incentivadas e que levaram a
atos como os do 8 de Janeiro. Nos dois casos, será necessário um encontro de
contas nada simples entre o governo eleito com a promessa de literalmente
desarmar essas bombas e um Congresso cuja disposição para tal agenda ainda não
está clara.
A reação aos dois Projetos de Lei que mexem em penas para crimes contra agentes públicos e o próprio Estado Democrático de Direito e ao decreto que estabelece regras mais duras para o porte e a posse de armas, o funcionamento dos clubes de tiros e as normas para colecionadores, atiradores desportivos e caçadores ainda está sendo construída nos bastidores, dado o período de recesso parlamentar.
Esse poder de contraposição à necessária e
bem-vinda regulação proposta pelo governo era infinitamente maior no início do
ano. Fatores como o avanço rápido das investigações contra os perpetradores e
os financiadores e incentivadores dos atos terroristas do 8 de Janeiro, a
condenação de Bolsonaro, a aproximação do Centrão ao governo e a melhora do
ambiente econômico tiraram munição das bancadas da bala e ruralista para tentar
derrubar o decreto — entre todos, a peça mais controversa anunciada por Lula e
Flávio Dino.
Mas o lobby a favor da permanência da
autorização para acesso a determinadas armas por civis, sobretudo aquele em
torno das pistolas 9mm, é gigante e tem patronos de peso na Câmara e no Senado.
A dificuldade é que, agora que está mais
próximo do governo e colhendo frutos da aproximação com o PIB pelo avanço da
pauta econômica na Casa que preside, Arthur Lira (PP-AL) não está disposto a
bancar uma ofensiva para derrubar o decreto de Lula. Daí por que teve a ideia
de enrolar a bancada da bala dizendo que só topa colocar um Projeto de Decreto
Legislativo para derrubar trechos do decreto de Lula e Dino se a coisa começar
pelo Senado.
O pulo do gato é que ele sabe que Rodrigo
Pacheco (PSD-MG) tem segurado essas agendas com potencial de dividir a
sociedade. Então, que segure na largada, sem que fique para ele, Lira, a pecha
de atuar para manter a polarização política. O presidente da Câmara não quer
marola com esses assuntos quando pretende concluir a discussão do arcabouço fiscal
e viabilizar o ingresso do Centrão no governo com postos mais vistosos.
Ainda assim, não será possível, com esse
pacote de projetos anunciado neste mês, praticamente fechar todos os clubes de
tiro, como defendeu Lula na sua live semanal. O próprio decreto é parcimonioso
ao propor uma volta gradual aos parâmetros que vigoravam até 2018, antes de
Bolsonaro promover um vale-tudo que permitia acesso indiscriminado a armas,
inclusive às que antes eram de uso restrito das forças de segurança, e
munições, sem qualquer fiscalização mais séria por parte do Exército, que,
justamente por isso, perderá essa atribuição para a Polícia Federal.
Dino foi alertado no início do ano de que
uma tentativa de sustar de vez tudo que Bolsonaro franqueou nessa matéria
encontraria um Congresso (principalmente a Câmara) disposto a fazer com esses
decretos o mesmo que fez com o do saneamento: derrubar. Por isso a construção
mais lenta que a prevista e a opção por uma reversão gradual e cuidadosa do
estado de barbárie armamentista levado a cabo pelo ex-presidente.
Esse cuidado necessário se inscreve na
constatação feita pelo próprio Lula: de que venceu Bolsonaro, mas não a forma
como rapidamente o ex-presidente convenceu uma boa parcela da sociedade a
empunhar bandeiras extremistas, entre elas essa defesa cega de um armamentismo
sem limites.
Cruzes!
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