O Globo
Palestras e participações em congressos no
exterior, como fez Moraes em Siena, são ridículas e têm aspecto tóxico
A Corte Suprema dos Estados Unidos tem mais
de 200 anos e um só caso de juiz que renunciou com a reputação tisnada. Abe
Fortas entrou para a Corte em 1965, depois de ter sido advogado pessoal do
presidente Lyndon Johnson. Três anos depois, abriu-se a vaga da presidência do
tribunal (lá esse cargo é vitalício) e o amigo resolveu promovê-lo. Os
senadores republicanos obstruíram a escolha e balearam Fortas mostrando que ele
havia recebido US$ 15 mil por palestras numa universidade. O dinheiro vinha de
um fundo irrigado por empresas que tinham processos na Corte. Fortas pediu que
a nomeação fosse retirada e continuou no tribunal, até que apareceu outro caso,
pior, e ele renunciou.
Se a primeira etapa do caso de Fortas for copiada no Brasil, serão centenas as vagas abertas no Judiciário.
No início da semana, Moraes havia sido
hostilizado e um de seus familiares foi agredido fisicamente no aeroporto de
Roma. O ministro voltava de uma palestra na Universidade de Siena, cuja
Faculdade de Direito completará mil anos em 2040. Dias depois, o caso ganhou um
outro aspecto. O repórter Eduardo Oinegue mostrou que o Fórum Internacional de
Direito, ao qual Moraes compareceu, era um evento patrocinado pela UniAlfa, que
tem uma faculdade de Direito em Goiânia. O Fórum começou em Valladolid, na
Espanha, e continuou em Siena. Dos 31 conferencistas, 20 eram brasileiros e 11
eram da UniAlfa. Essa universidade, por sua vez, pertence ao Grupo José Alves,
que tem várias atividades, entre elas, a venda de remédios, com a Vitamedic.
Uma de suas marcas é a Ivermectina, prima da cloroquina. Quinze dias antes do
Fórum Internacional de Direito, a Vitamedic e a UniAlfa foram condenadas pela
Justiça do Rio Grande do Sul por causa do apoio que deram ao curandeirismo
bolsonarista.
Alexandre de
Moraes foi hostilizado em Roma, Luís Roberto
Barroso foi ofendido em Nova York e Gilmar Mendes (patrono
de fóruns em Portugal) foi maltratado em Lisboa. Em todos os casos havia
palestras e, em alguns casos, elas coincidiam com feriadões. Em Nova York,
chegaram a reclamar do consulado por não lhes ter dado a desejada segurança.
A indústria das palestras é ampla, geral e restrita.
Mimoseia governadores, ministros, parlamentares e também jornalistas. Quem não
se lembra do balcão de palestras de baronetes da Lava-Jato? O nicho das
palestras em eventos no exterior (jamais na África) é coisa para figuras
ilustres.
Trata-se de um negócio que leva maganos
brasileiros a falar para brasileiros em Lisboa, Nova York e, como se viu, até
em Siena.
Faz tempo, quando havia um imposto para
viajantes ao exterior, aqueles que seguiam para congressos e simpósios, podiam
pedir isenção. Eis que um deputado conseguiu a isenção porque iria a Paris,
como professor visitante da Sorbonne. Apanhado na patranha, pois ele apenas
faria uma palestra numa sala alugada pela Sorbonne, explicou-se: era professor
e, indo à Sorbonne, seria um professor visitante.
Essas revoadas de magistrados, ministros e
maganos em geral são ridículas e já foram apelidadas de “farofas”.
É provável que Alexandre de Moraes não
soubesse das minúcias reveladas por Oinegue. Atrás de dinheiro, universidades e
instituições prestigiosas negociam seus logotipos com organizadores de eventos
da espécie. Dê-se o desconto que se queira, todos aqueles que vão às “farofas”
sabem o que estão fazendo.
Ir a esses eventos tinha um toque de
ridículo, mas o caso de Alexandre de Moraes expôs um aspecto tóxico que
ministros e maganos bem que poderiam evitar. Moraes, assim como Abe Fortas, é
maior que sua maldita passagem por Siena e Roma.
A originalidade de Oppenheimer
Quem for ao cinema ver o filme
“Oppenheimer”, conhecerá um grande personagem. O físico dirigiu a equipe de
cientistas e engenheiros que fizeram as bombas de Alamogordo (a do teste),
Hiroshima e Nagasaki. Era um tipo inesquecível pelo eterno chapéu amarrotado,
pelo cigarro ou o cachimbo, e pelos penetrantes olhos azuis. Isso para não se falar
da erudição, da gentileza, do rigor e também da astúcia.
Quem decifrou o personagem foi o físico
Robert Wilson que, aos 29 anos, trabalhou com ele em Los Alamos:
“Ele era meio excêntrico, quase um
excêntrico profissional.”
Durante sua passagem pelo Brasil, em 1953,
um fotógrafo retratou-o soltando uma baforada que ficou parecida com o cogumelo
de uma explosão nuclear.
Tendo ajudado a fazer as bombas,
Oppenheimer aborreceu-se com a fotografia da fumaça.
23 de julho de 1945
No dia de hoje, há 78 anos, o secretário da
Guerra dos EUA Henry Stimson recebeu a lista dos alvos: Hiroshima, Kokura ou
Niigata.
Na quinta-feira a bomba chegará à base de
Tinian, no Pacífico.
Ministério capenga
Às vésperas de uma mudança cosmética no
Ministério, o comissariado deixou circular a notícia de que a verdadeira
reforma virá no fim do ano ou no início de 2025.
Assim consegue-se multiplicar o número de
interessados nas cadeiras e dividir o empenho de quem está nas cadeiras.
Lula e
a escravidão
É difícil que Lula passe uma semana sem
dizer uma impropriedade.
Numa parada em Cabo Verde ele disse que
“temos profunda gratidão ao continente africano por tudo que foi produzido
durante 350 anos de escravidão no nosso país.”
Os céus caíram. Parecia que Bernardo
Pereira de Vasconcelos havia ressuscitado. Em 1843, ele disse que “a África tem
civilizado a América”. Bernardo não era apenas um defensor da escravidão, ele
defendia o contrabando de africanos e combatia o projeto de uma ferrovia do Rio
a Resende.
Foi-se com muita sede ao pote. Eis a frase
e o raciocínio de Lula, ao seu modo palanqueiro:
“Nós, brasileiros, somos formados pelo povo
africano. A nossa cultura, a nossa cor, o nosso tamanho é resultado da
miscigenação de índios, negros e europeus. (...) Temos profunda gratidão ao
continente africano por tudo que foi produzido durante 350 anos de escravidão
no nosso país. (...) Achamos que a forma de pagamento que um país como o Brasil
pode fazer (está em) tecnologia, a possibilidade de formação de gente para que
tenha especialização para as várias áreas que o continente africano precisa,
industrialização e agricultura.”
A fala merecia uma penteada, mas seu
sentido é inequívoco.
Tarcísio e o voo da ITA
O governador Tarcísio de Freitas deu-se
conta da tolice que era mudar a Cracolândia de bairro e recuou.
Fez isso na semana em que a Justiça
decretou a falência da companhia aérea ITA. Ela saiu do ar na véspera do Natal
de 2021. Ficaram a pé cerca de 400 tripulantes, com R$ 25 milhões a receber. A
ITA deve algo como R$ 180 milhões, não tem patrimônio e era controlada pelo
empresário Sidnei Piva. Do final de 2021 até agora, sua história é a de uma
quebra.
Em outubro de 2020 o doutor Tarcísio
participou de uma live com Bolsonaro na qual ambos comemoraram a entrada da
companhia de ônibus Itapemirim no transporte aéreo.
Quem entende de aviões garantia que o desastre era pedra cantada, porque o mercado da aviação é mais sério que o dos ônibus.
Pois é.
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