O Globo
Presidente já reinseriu o Brasil no mundo,
mas brigou sem razão com Boric e erra nas posições sobre Venezuela, Nicarágua e
Rússia
O presidente Lula já reinseriu o Brasil no
mundo, com ações que começaram antes mesmo da posse. Mas, ao mesmo tempo,
coleciona arestas, erros de avaliação e gafes. Na briga da semana passada com o
presidente do Chile, Gabriel Boric, Lula não tinha razão alguma. Foi uma
agressão gratuita, em que afirmou que Boric era “sequioso”, “apressado” e que
não tinha experiência em reuniões internacionais. A resposta do presidente
chileno foi elegante. Disse que tinha “respeito infinito” e “muito carinho” por
Lula.
Por que divergiram os dois líderes da
esquerda latino-americana? Desta vez foi por causa da Rússia. Na mesma semana,
a Rússia suspendeu o acordo de exportação de grãos e bombardeou portos
ucranianos, numa ação contra o comércio de alimentos que afeta mais diretamente
países pobres da África, importadores de milho e trigo da Ucrânia.
Mais uma vez o governo de Vladimir Putin mostra o mal que tem produzido por sua decisão de invadir a Ucrânia e começar esse flagelo. A paz é o sonho de todos, mas quem condena a Rússia, como faz Gabriel Boric, tem mais razão do que quem tem uma atitude ambígua, como a diplomacia brasileira.
Na relação com os vizinhos próximos, Lula
fez elogios a Nicolás Maduro e críticas a Gabriel Boric, o que é escolher o
lado totalmente errado. Boric é da esquerda democrática, campo político no qual
Lula se insere. Maduro comanda um governo que se definiu como de esquerda mas
realizou um projeto autoritário. O chavismo tem mais identidade de métodos e
propósitos com o bolsonarismo. A diferença é que na Venezuela o coronel Chavez,
defensor de golpes de estado, conseguiu realizar seu plano de demolição das
instituições.
A política externa de Lula tem se
caracterizado por uma oscilação de posições. Na semana passada mesmo, a
declaração assinada sobre a Venezuela com a França, Colômbia e Argentina é
bastante diferente da posição que Lula havia defendido antes. Depois de dizer
que a democracia é relativa e ter apoiado abertamente Nicolás Maduro, o
presidente brasileiro corrigiu a rota.
Agora, junto a outros países, pede eleições
livres, transparentes, em que todos possam participar e acompanhadas pela
comunidade internacional. Isso como parte do processo para suspender o embargo
à Venezuela.
Agora, refeita, a posição do Brasil ficou
aceitável. O que a Venezuela precisa é de eleições livres e, nesse contexto, o
levantamento das sanções é importante e desejável. A cassação da candidatura de
Maria Corina Machado faz parte de um padrão de comportamento do governo
chavista, que só aceita candidatos que não o ameace, só aceita o resultado de
eleições e plebiscito que o chavismo ganha.
As críticas à União Europeia por mudanças
feitas no acordo com o Mercosul precisam ser mais bem qualificadas e
entendidas. É natural a União Europeia exigir que a exportação brasileira não
seja de área de desmatamento. O parlamento europeu e vários países aprovaram
leis nesse sentido, depois que a primeira versão do acordo foi fechada em 2019.
Nos últimos quatro anos, o desmatamento
aumentou estimulado pelo governo Bolsonaro e foi isto que impediu que o acordo
se transformasse em realidade. As barreiras ambientais não são protecionismo,
nem exigências novas, como têm sido apresentadas. São a tendência do comércio
global daqui para diante.
Como o governo Lula tem compromisso com a
queda do desmatamento, o que precisa ser negociado é a maneira mais eficiente
de atender ao objetivo dos dois lados, que é a rastreabilidade da produção na
Amazônia. O consumidor europeu não quer — e o consumidor brasileiro também não
quer — comprar alimentos produzidos ao preço da destruição da Amazônia. As
críticas a essa exigência da União Europeia são contraditórias com o plano de
governo de Lula para a questão ambiental e climática.
O presidente Lula já teve que recuar de declarações ou posições em relação à Venezuela, Nicarágua, Rússia, e sobre a posição da Europa e Estados Unidos em relação à guerra da Rússia contra a Ucrânia. Lula hesita em condenar Putin, é condescendente com a Venezuela e criou arestas com declarações que precisou corrigir depois. O presidente Lula fez um enorme trabalho para tirar o Brasil do ostracismo diplomático e está usando errado a nova inserção brasileira que ele mesmo conquistou.
Verdade.
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