O Estado de S. Paulo
O que se vê sobre a Mesa da Câmara é um
conjunto de aberrações técnicas, econômicas e políticas reunidas num texto
inconstitucional. Monstrengo precisa ser fulminado
Sou favorável aos princípios do destino, da
não cumulatividade e da simplificação. Defendo-os há bastante tempo. Quando fui
secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, apresentei proposta de
reforma tributária que começava pelo ICMS. Já o que se vê sobre a Mesa da
Câmara é um conjunto de aberrações técnicas, econômicas e políticas reunidas
num texto inconstitucional. O monstrengo, como tenho chamado, precisa ser
fulminado enquanto há tempo.
Estão brincando com a sociedade, colocada à margem do debate pelos bastiões da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45. Negam-se a divulgar números e detalhes básicos. É como se dissessem àqueles que ousam discutir: “parem de falar, pois estão atrapalhando; temos pressa!” Só aceitam manifestação do tipo vestir a camisa do time, soltar rojão e jogar confete e serpentina sobre a proposta. Sempre fugi do adesismo tosco, sobretudo depois de 16 anos estudando e trabalhando com contas públicas.
A reforma tributária precisa acontecer, mas
não pela PEC 45. São vários os seus defeitos. Propõe-se um modelo de gestão
para o Imposto de Bens e Serviços (IBS) que é inconstitucional e gera
incentivos econômicos perversos. O chamado Conselho Federativo terá mais poder
que qualquer governador de Estado. Vai arrecadar, normatizar, regulamentar,
mandar lei complementar para tratar do novo tributo, partilhar as receitas e
devolver créditos aos contribuintes. E não se trata apenas de uma questão
federativa (para quem acha pouco). É preciso dizer que a criação de uma
estrutura como essa para garantir a devolução de créditos aos contribuintes
estimulará a fraude, erodindo o erário.
Se o crédito vai ser pago de modo
automático, sem fiscalização ex-ante, então cabe perguntar: o que impedirá
empresas de emitirem notas frias para fabricar direito a crédito? Só a atuação
intensa dos Fiscos para evitar esse risco. Mas, se o conselho os substituirá,
na prática, comandando todas as administrações tributárias estaduais, então,
por favor, apaguem a luz antes de sair. A crítica ao Conselho Federativo é
política, jurídica e econômica. Há tempo para corrigir essa sandice.
Minha alternativa é que cada Estado cuide
de sua arrecadação, transferindo obrigatoriamente receitas de IBS para o
destino e pagando seus respectivos contribuintes.
Exemplo: suponha que um produtor rural do
Acre produziu um insumo e o vendeu a R$ 100 para a indústria n.º 1, em São
Paulo. Com alíquota de 30% para o IBS, o imposto recolhido foi de R$ 30,
repassado para São Paulo pelo Acre. A indústria n.º 1, por sua vez, usou o
insumo para produzir um segundo produto, vendido por R$ 200 para a indústria
n.º 2, no Ceará. São Paulo recolheu R$ 60 de imposto, que repassou para o
Ceará, além de ter devolvido à indústria n.º 1 o crédito de R$ 30 (consumo
intermediário). A indústria n.º 2, por fim, vendeu por R$ 300 o bem final para
um consumidor cearense, de modo que recolheu R$ 90 de imposto, mas recebeu um
crédito de R$ 60 do Fisco do Ceará. No fim das contas, os dois contribuintes
receberam dos respectivos Estados os créditos a que tinham direito e o Estado
de destino arrecadou o IBS (30% sobre o preço final).
Não tem necessidade alguma de conselho ou
agência, como se vê pelo exemplo, a não ser para vender o terreno na lua de que
o crédito, “só dessa forma”, poderia ser devolvido devidamente aos
contribuintes. Aliás, a tal agência, como era inicialmente chamada, foi
apresentada a mim, na Sefaz-SP, há mais de um ano, por Bernard Appy. Desde
aquele momento, mostramos que a ideia era uma loucura e, pior, desnecessária.
Se há desconfiança dos Estados, principalmente de São Paulo, como especialista
ligada ao grupo técnico do governo chegou a verbalizar ao Estadão, então que se
preveja um sistema de incentivos adequado, com prazo para fiscalizar, liberar o
crédito e repassar as receitas de IBS ao destino. O Conselho Nacional de
Política Fazendária (Confaz) deveria ser o locus para essa sistemática. Desde
logo, “desconfiar” do Estado que sustenta a produção nacional de maior valor
agregado e transfere liquidamente centenas de bilhões de reais para o resto do
País parece mais uma grande piada, sendo educado. Como paulista, refugo esse
disparate.
Os problemas do monstrengo não param por
aí. O IBS nascerá sem alíquota, sujeita a estimativas, isto é, cálculos
estatísticos, com base em parâmetros a serem escolhidos. Outro grave pecado
desse arrazoado que chamam de PEC 45 é o tratamento aos famigerados incentivos
do ICMS. Eles serão mantidos por uma década, alimentando as esperanças de quem
vive disso e para isso. Vamo-nos entender: a própria Constituição conterá
estruturas e mecanismos baseados na Lei Complementar 160/2017 para garantir
recursos a sustentar a nefanda guerra fiscal. Está lá o fundo dos incentivos,
na PEC, com custo impeditivo para a economia, agora via subsídios cavalares
pagos diretamente aos contribuintes pela viúva, a União. Pior, sem limitação
(ver parágrafo 8.º do artigo 11 do substitutivo).
Se essa reforma avançar, o escangalhado
sistema atual vai piorar. Minha esperança está no Senado. Não à PEC 45!
*ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN, FOI
SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO
■São bem razoáveis as ponderações sobre a proposta de Reforma Tributária manifestadas neste artigo por Felipe Salto,
ResponderExcluirex-diretor executivo da IFI - Instituição Fiscal Independente, órgão mantido pelo Senado Federal, e ex-secretário da fazenda do Estado de São Paulo.
Agora, faço eu uma ponderação::
▪São tão pertinentes várias destas reflexões feitas por Felipe Salto, que deveriam ser refeitas por ele, sem a beligerãncia e istrionia que contaminaram este artigo.
Suas ponderações sobre esta que é a maior e mais importante reformulação em nossa economia depois do Plano Real são muito oportunas e será uma pena se não forem consideradas, devido a irritação com que foram feitas pelo maravilhoso economista que é Felipe Salto.
Felipe:: eu pediria que você refizesse o artigo, mas dele retirasse ao menos os adjetivos.