O Globo
Os últimos acontecimentos no interior do PL
mostram que o bolsonarismo não tarda muito a virar a mesa
Um dos problemas de estudar a História da
extrema direita é que, às vezes, durmo no sofá e tenho curtos pesadelos.
Supremacia branca, antissemitismo, homofobia, raiva de mulheres — cada grupo
tem seu gosto, e juntos formam a chamada direita alternativa — alt-right.
Uma coisa que aprendi nas horas de estudo e
vigília é que a extrema direita tem uma tática de escandalizar para emergir no
chamado mainstream. Foi assim quando Hillary Clinton, nas eleições de 2016,
mencionou a alt-right. Muitos grupos celebraram por terem sido citados.
— Conseguimos entrar na cabeça dela —
postaram nas suas redes.
Sou pai de professora e tenho tudo para
estar indignado com o deputado Eduardo
Bolsonaro, que comparou os mestres brasileiros a traficantes de
drogas.
No entanto não posso deixar de colocar sua
fala no contexto, como dizíamos antigamente. O pai foi derrotado na votação da
reforma tributária.
Nesse quadro de isolamento, uma tábua de
salvação é precisamente dizer algo bombástico. Os adversários comentam e movem
processos, o próprio governo manda investigar.
Um encontro insignificante de pessoas que defendem armas acaba tendo uma divulgação que o salvou de passar completamente em branco, ou em cinza, dependendo de como se avalia o anonimato.
Sempre se pode questionar a racionalidade
política de quem escolhe frases bombásticas para marcar posição. Mas a análise
básica é que existe um sistema opressor, e quem se levanta contra ele, não
importa como, acaba ganhando adeptos. Em outras palavras, vivemos na matrix e
precisamos distribuir pílulas vermelhas da rebeldia. Isso pode ter acontecido
num certo momento. Mas é conjuntural.
A extrema direita personificada por
Bolsonaro caminha para anos difíceis. Assim como Trump, com o Partido
Republicano, Bolsonaro também se abriga em partidos que não criou. Ambos são
uma espécie de hóspedes barulhentos que exigem seus direitos com base nos votos
que atraem.
Bolsonaro não pode ser candidato, sua
tarefa se limita à de um cabo eleitoral. Mas os últimos acontecimentos no
interior do PL mostram que o bolsonarismo não tarda muito a virar a mesa. O
grupo de zap do partido foi interrompido por causa da troca de insultos entre
seus membros.
O bolsonarismo já implodiu um partido, o
PSL. A bancada eleita em 2018, na esteira do líder carismático, se liquidou em
lutas fratricidas. É previsível que se destruam. Foram formados num contexto de
redes sociais, guiados pela lógica algorítmica, confrontos, trolagem e
indignação.
No período pré-digital, os quadros se
formavam com reuniões presenciais, assembleias, formação de correntes, trocas e
discussão de documentos. O processo de se iniciar na política implicava um
certo aprendizado em negociação, num nível de tolerância com as ideias
diferentes.
As novas lideranças formadas pela direita
privilegiam as redes e usam seus smartphones, como crianças egocêntricas. Sua
sobrevivência depende do confronto, do atrito e da sensação.
De uma certa maneira, é fácil prever que
não se acomodam num partido de direita tradicional e que vão fustigá-lo como a
alt-right fustiga os republicanos.
Há uma diferença talvez no tratamento do
adversário mais próximo. Como a luta racial e também sexual tem um peso
marcante nos Estados Unidos, os conservadores moderados são tidos como machos
beta pela alt-right. Aqui no Brasil, como o perigo do comunismo ainda é um
grande tema, são tratados como melancias, verdes por fora, vermelhos por
dentro.
Mas o fato nacional, diferente dos Estados
Unidos e da própria Europa, é o que o principal nome da extrema direita não
pode concorrer. Isso dá fôlego, mas, se não houver uma tática correta para
isolá-la e se o mundo político ficar de costas para a sociedade, tudo pode acontecer.
Bolsonaro foi produto de um momento, novos momentos trazem consigo novas
produções.
Excelente
ResponderExcluirSI, PERO TERRIBLE!
ResponderExcluirGabeira, curtos pesadelos são problemas pequenos e naturais. O grande problema são pesadelos longos, até quase intermináveis, como os 4 anos do DESgoverno Bolsonaro, que quase se prorrogaram por mais 4!
ResponderExcluirNão é fácil.
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