Folha de S. Paulo
Perigo hoje é uma fração do que já foi, de
maneira que STF deve voltar a operar com autocontenção
A democracia brasileira correu riscos,
tanto de erosão como de ruptura. O primeiro tipo é o mais perigoso. E ele teria
chegado bem perto de materializa-se se Jair
Bolsonaro tivesse sido reeleito.
Com mais quatro anos no cargo, o capitão reformado teria imposto ao país uma inédita carga de desgaste institucional. Augusto Aras quase certamente teria sido reconduzido ao posto de PGR, e Bolsonaro teria escolhido mais dois juízes para o STF. O êxodo de servidores de carreira em órgãos vitais como Ibama e IBGE teria seguido de vento em popa, assim como a devastação florestal e o garimpo ilegal. E o ex-presidente perdeu a eleição por um triz.
Quanto à ruptura, Bolsonaro tinha e ainda
tem a lealdade de um bom pedaço da caserna. Se, ao longo de seu mandato, seus
apoiadores tivessem fabricado uma crise, que levasse à decretação de um estado
de defesa ou de sítio, sabe-se lá o que aconteceria. A chance de sucesso de uma
empreitada dessas era baixa. Golpes clássicos saíram de moda e, exceto talvez
pela Hungria,
nenhum país reconheceria a investida como legítima. O fato de os bolsonaristas
só terem tentado algo concreto em 8 de janeiro, quando já era Lula quem
empunhava a caneta presidencial, e não dez dias antes, diz muito sobre a
capacidade intelectual do grupo.
Não dá para afirmar que a democracia esteja
assegurada. Ela nunca está. Mas os riscos hoje são uma fração do que já foram.
Isso significa que o STF, que teve papel importante na defesa do Estado de
Direito, já pode voltar a atuar em modo normalidade, exercendo muito mais
autocontenção e sem inquéritos excepcionais e operações espalhafatosas. Os
ataques que o ministro Alexandre de Moraes sofreu em Roma são lamentáveis e
devem produzir consequências jurídicas, mas estamos falando de injúria e outros
delitos menores, não de tentativa de golpe de Estado.
A democracia liberal, nunca é demais
lembrar, nasce da ideia de tolerância.
Sei.
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