O Globo
A ausência de jornalismo torna mais difícil
distinguir o que separa extremistas de moderados
Existe uma correlação direta entre o
declínio de jornais locais em cidades pequenas e médias, a entrada da internet
e a polarização política. É a conclusão que dá para tirar de uma série de
estudos que vêm sendo publicados desde 2018 pelo economista Gregory Martin,
professor da Universidade Stanford. São números referentes ao mercado
americano. Mas, ainda assim, não é difícil perceber por ali possíveis
correlações com o que vem acontecendo no Brasil.
Seu paper mais recente, de abril último, mostra o impacto do site Craigslist ao longo das últimas duas décadas. Não tivemos nada como ele no Brasil — num momento ainda anterior às redes sociais, Craigslist ofereceu espaço com anúncios locais, quase sempre de graça, em todos os Estados Unidos. O impacto econômico nos jornais locais, em que os cadernos de classificados pagavam um bom naco da conta, foi imenso. O mesmo se deu no Brasil um tico depois, com o baixo custo de publicidade on-line oferecida por Google e Facebook. Aqui teve a mesma consequência: secou uma das principais fontes de renda de todos os jornais, levando principalmente em cidades pequenas ao desaparecimento de muitos títulos.
Os títulos que sobreviveram tiveram de
secar sua produção. Repórteres, redatores e editores foram demitidos em massa,
e o resultado foi que a cobertura local de noticiário diminuiu. Há menos gente
atenta ao que ocorre nas Câmaras Municipais, nas prefeituras, as histórias da
vizinhança vão aos poucos desaparecendo, pois não há quem as conte. Mas essa é
a parte para a qual a literatura acadêmica já tinha muitos indícios. O efeito
político do desaparecimento do noticiário local é que é pouco compreendido. E
ele existe.
Com menos informação a respeito de
políticos locais, melhorou a performance daqueles políticos com discursos mais
extremados quando comparados aos moderados. É possível perceber esse padrão,
pois, nas cidades onde os jornais locais aguentaram mais o tranco, o fenômeno não
se repetiu. A existência de uma imprensa que pressiona candidatos a respeito de
suas posições faz, concretamente, diferença. A ausência de jornalismo, por
outro lado, torna mais difícil distinguir o que separa extremistas de
moderados. A hipótese levantada pelo estudo é que se trata, inicialmente, de um
jogo de probabilidade. As chances de candidatos extremistas se lançarem e
sobreviverem às agruras da campanha aumentam conforme há menos informação
circulando.
Não é só. Com o tempo, os eleitores também
se radicalizaram. Se antes era comum quem votasse tanto no Partido Republicano
quanto no Democrata, variando na escolha dos candidatos de acordo com o cargo,
isso foi desaparecendo. O voto num candidato à Presidência começou a se
aproximar cada vez mais do voto em políticos locais. Ou seja, a política se
radicalizou e, simultaneamente, se nacionalizou. Os temas locais desapareceram,
e as grandes disputas ideológicas sobre temas relacionados a comportamento e
organização social se impuseram. E dominaram o debate político.
Por aqui, não há estudo similar. Seria
difícil repeti-lo, embora não impossível. Mas temos o fenômeno: a internet
mudou de tal forma o mercado de anúncios que desestruturou economicamente
jornais grandes e pequenos. No caso dos pequenos, quando não os matou, feriu de
morte. Somos perfeitamente capazes de enxergar, também, a consequência. Nossa
política se radicalizou, se nacionalizou, e grandes temas locais sumiram.
Não é absurdo imaginar que cá, como lá, o
fenômeno e o resultado possam ter relação de causa e consequência.
Verdade.
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