Folha de S. Paulo
Paradoxo
da tolerância, proposto por Karl Popper, costuma ser citado fora de contexto
Terminei a coluna anterior enaltecendo a tolerância, e alguns leitores me recriminaram por não ter levado em conta o paradoxo da tolerância. A referência aqui é ao filósofo Karl Popper, que escreveu: "Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto com eles".
A passagem é
muito citada, mas raramente em seu devido contexto. Uma boa providência é
conferir a frase seguinte à supramencionada, que reza: "Com essa
formulação, eu não insinuo, por exemplo, que devemos sempre suprimir o
enunciado de filosofias intolerantes; contanto que possamos combatê-las por
meio de argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública, a
supressão seria certamente insensata".
Mais importante,
os dois trechos constam de uma nota de rodapé de "A Sociedade Aberta e
Seus Inimigos", obra que pode ser descrita como um louvor à democracia
liberal e, portanto, à tolerância e à liberdade de expressão.
No fundo, Popper
diz o óbvio. Afirma que a democracia precisa defender-se, recorrendo até à
força, se necessário, daqueles que tentam suprimi-la. A questão difícil, para a
qual não há solução sem considerar a situação política do momento, é quando se
torna necessário adotar a força ou a censura, que devem ser sempre a
"ultima ratio", nunca a primeira opção.
A democracia brasileira esteve sob risco no governo
anterior, o que, a meu ver, justificou decisões menos ortodoxas
do STF. Mas o perigo é cadente. E não dá para
viver uma exceção eterna. Numa daquelas reviravoltas bem ao gosto dos
filósofos, acho que dá até para dizer que são os intolerantes que vencem se
conseguem fazer com que a democracia abra mão da tolerância e das liberdades.
Carácoles!
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