O Estado de S. Paulo
É hora de se afastar dos radicais que espalham mentiras e instigam brasileiros contra brasileiros
O slogan daquela funerária do interior –
“Você não sabe quando, mas você sabe onde” – assombrou o ex-presidente Jair
Bolsonaro nas últimas semanas. O “onde” era o Tribunal Superior Eleitoral, que
fatalmente decretaria a inelegibilidade do ex-presidente. Só não se sabia
“quando” – acabou sendo ontem. A perda de protagonismo de Bolsonaro é uma boa
notícia para a direita brasileira, ao menos aquela que se apresenta como
“liberal” ou “conservadora”.
Conservadores, por definição, defendem as instituições. Os que são verdadeiramente conservadores ficaram chocados com o vandalismo golpista no 8 de Janeiro. Liberais, como o nome diz, defendem a liberdade, coletiva e individual –, o que leva os liberais autênticos a repudiar a agenda retrógrada do bolsonarismo. Não à toa, uma pesquisa recente mostrou que a maioria dos eleitores não vê mais Bolsonaro como o líder da direita. Prefere outro nome.
Se Bolsonaro mente ao dizer que defende as
tradições conservadora e liberal, o que ele representa então? O jornalista e
consultor político Thomas Traumann responde a essa pergunta na tese de mestrado
que acaba de defender na UERJ. “No mundo inteiro, a direita radical populista
defende ideias nacionalistas e, em minha dissertação, mostro como isso se
aplica a Bolsonaro”, diz Traumann, entrevistado no minipodcast da semana.
Para Traumann, o suposto nacionalismo de
Bolsonaro é principalmente uma ferramenta para desqualificar inimigos. “Ele falava
mal da China para atacar o governador paulista
João Doria, e da Venezuela para atingir o
PT e a esquerda”, diz Traumann. “No fundo, é um populista, ou seja, alguém que
pretende instigar divisões na sociedade.”
Na dissertação, Traumann usa a melhor
literatura disponível para mostrar como Bolsonaro abraçou a tríade da direita
radical: populismo, autoritarismo – no caso dele, de cunho militarista – e sua
versão torta de nacionalismo. No vácuo de Bolsonaro, que novas lideranças
surgirão à direita?
“Acho difícil que o debate volte a girar
apenas em torno de questões econômicas. A agenda de valores veio para ficar”,
diz Traumann. Ele acha, no entanto, que o fantasma do 8 de Janeiro afastará
políticos com veleidades autoritárias ou militaristas.
O liberalismo e o conservadorismo, ao lado
do socialismo e da social-democracia, são as quatro tradições nobres da
política ocidental. Livre de Bolsonaro – a quem abraçou em 2018 por razões
pragmáticas –, a direita brasileira tem a chance de resgatar seus valores. É
hora de se afastar dos radicais que espalham mentiras, destroem palácios e
instigam brasileiros contra brasileiros.
*ESCRITOR, PESQUISADOR DO OBSERVATÓRIO DA
QUALIDADE DA DEMOCRACIA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA E PROFESSOR DA FAAP
Concordo.
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