O Estado de S. Paulo
Para inserirmos de forma positiva nossa economia nas transformações mundiais, precisamos reinventar o Estado brasileiro
O Banco Central do Brasil apresentou, na
semana passada, sua projeção do PIB para maio deste ano com a divulgação do
IBC-Br, que é considerado a prévia para o Produto Interno Bruto. A estimativa
foi uma queda de 2% ante o mês anterior. O pior resultado para maio registrado
nos últimos cinco anos – atrás apenas de 2018, quando caiu 3,08%. Trata-se
também do pior desempenho mensal desde março de 2021, quando a prévia do PIB
despencou 3,5%.
Os comentários lacônicos da instituição monetária nacional caíram como um balde de água fria sobre o otimismo acerca do desempenho da economia brasileira, embora o mercado esperasse uma certa queda nos resultados. As explicações apontaram como razão o fim da supersafra de grãos e seus efeitos sobre a renda e o consumo da economia. Mas o varejo também registrou resultado negativo.
Neste cenário, o governo federal retomou
sua contenda com a diretoria do Banco Central, que estaria extrapolando os
limites do seu mandato e maculando o estatuto da sua autonomia institucional.
Foi o que disseram o presidente Lula e o próprio ministro da Fazenda, Fernando
Haddad.
Por outro lado, é importante notar que por
trás do declínio de 2% está a retração do agronegócio, depois do exponencial
crescimento no passado recente. Nada contra o setor, o agronegócio tem sido um
fator determinante na sustentação da economia brasileira, graças tanto às suas
vendas para o resto do mundo quanto aos seus efeitos sobre a atividade
econômica doméstica.
A questão é outra: a economia do
agronegócio tornou-se determinante para a evolução do nosso Produto Interno
Bruto em razão da regressão econômica que experimentamos nas últimas décadas.
Vejam só: comparando o primeiro trimestre de 2023 com o mesmo período de 2013,
o PIB cresceu pífios 8,3% e, no total, o valor agregado da indústria de
transformação caiu 14,1%. Essa queda refletiu uma acentuada desorganização do
setor e ampliou fortemente sua dependência em relação aos insumos importados,
mesmo que o produto final ainda seja chamado de nacional.
Segundo o Banco Mundial, o Brasil tem o
oitavo ou nono PIB per capita da América Latina (US$ 8.917, a preços
correntes), a depender dos critérios de ajuste cambial. Nos últimos dez anos,
avançamos entre 30% e 35%, ocupando as mesmas posições no ranking de expansão
do PIB per capita. Para ficar apenas entre os maiores, Chile, Peru, Colômbia,
México e Argentina cresceram muito mais.
Fica a sensação de que o nosso país perdeu
o rumo. O crescimento no estilo “voo de galinha” das últimas décadas embala
esse sentimento. E, em matéria de justificativas e argumentos para o ocorrido,
é preciso ir além da taxa de juros, porque ela não dá conta de toda a análise a
respeito. Tampouco podemos atribuir toda a culpa à fragilidade da nossa
infraestrutura, especialmente porque as diversas estratégias de parceria entre
governo e iniciativa privada, na forma de PPPs e concessões, foram aspectos
renovadores no contexto da crise das finanças públicas.
A questão é que a dinâmica da economia
mundial mudou. O Brasil do crescimento por substituição de importações, onde o
tamanho do mercado consumidor nacional era o principal ativo, já não existe
mais. Fizemos um primeiro movimento para superar a economia autárquica com a
abertura do nosso comércio exterior. Ou seja, mais importação de bens finais e
componentes produzidos externamente nos produtos brasileiros.
O segundo passo, o da integração à produção
mundial, não aconteceu. Nem na produção dos bens mais modernos da eletrônica e
da informática, nem na integração das nossas cadeias produtivas às cadeias
globais de valor.
Há anos, o remédio tem sido, por exemplo,
proporcionar incentivos fiscais à automobilística por seu poder de encadeamento
na estrutura produtiva – como a demanda de autopeças, por exemplo –, mas ela
não demonstra grande poder de alavancagem da produção e da renda, em razão do
vazamento do impulso produtivo para importações, especialmente as relativas à
informática embarcada nos veículos e à automação das plantas.
Teria sido muito mais útil (e barato)
avaliar os elos da cadeia produtiva e incentivar os seus pontos críticos. Isso
seria fazer política industrial, como muitos países fazem, até mesmo os mais
liberais.
O crescimento da economia brasileira
depende cada vez mais de uma nova abordagem sobre o desenvolvimento. É
necessário olhar o mundo e a forma como ele vem se transformando, tanto na
tecnologia da produção de bens e serviços como na forma de organização
empresarial desta produção.
É evidente que já não se trata de um Estado
produtor, mas que seja decisivo na articulação das teias de relações
econômicas. Do mesmo modo, a coesão social, num mundo onde as relações
trabalhistas são tão fluidas, tem no Estado um agente essencial.
É verdade que temos de resolver o problema
dos juros, mas para inserirmos de forma positiva nossa economia nas
transformações mundiais precisamos reinventar o Estado brasileiro, aos poucos,
mas de forma confiante e determinada.
*Economista
Tem economistas desenvolvimentistas e economistas desenvolvimentistas.
ResponderExcluirChamam a Dilma de desenvolvimentista ; chamam a Porchmann de desenvolvimentista. Nós vimos o que foi o desenvolvimento que essa galera ligada ao PT promoveu entre 2007 e 2016. Os resultados ---maior recessão da nossa história--- e as consequências econômicas daquilo (disto, corrijo:: estamos vivendo as consequências até hoje) seriam suficientes para eles, os que promoveram o drama econômico em que o país foi jogado com as medidas fiscais e monetárias entre 2007 e 2016, a desistirem de se assumirem como economistas, quanto mais a se dizerem desenvolvimentistas.
Pois bem! Há desenvolvimentistas e desenvolvimentistas. José Serra é tido como o maior dos economistas brasileiros dentre os que são definidos (não dentre os que se autodefinem) como desenvolvimentistas. É este desenvolvimentista, José Serra, que assina as reflexões deste artigo publicado acima.
Serra foi Ministro do Planejamento, desistiu, e entregou o ministério exatamente por ser um economista desenvolvimentista e naquele momento o que o Brasil precisava era sanear um país com a economia completamente desestruturada como estava quando foi entregue pela ditadura de 1964 e não havia muito espaço fiscal para planejar desenvolvimento. O Brasil teve a sua economia saneada nos governos Fernando Henrique1e2 e no governo Lula1. Infelizmente, por erros cometidos nos últimos vários anos, voltamos à situação econômica parecida com aquela dos anos 90.
As divergências à época entre José Serra, então ministro do planejamento e Pedro Malan, então ministro da fazenda, durante o governo Fernando Henrique foram as mesmas divergências de hoje entre economistas liberais e desenvolvimentistas e levaram Serra a renunciar e entregar o ministério do planejamento (Serra aceitaria voltar como ministro da saúde, depois de aceitas as condições que ele definiu, e foi um ministro da saude formidável, apesar de não ser médico).
Sendo um economista desenvolvimentista de fato, com formação consistente, um profissional sem ideologismos e experiência bem testada e aprovada, eu queria que José Serra detalhasse sua visão de retomada para a nossa economia, queria que Serra externasse aquilo que ele pensou em implementar como política econômica em um governo que ele liderasse como presidente da república, cargo a que tentou chegar por mais de duas vezes, mas a que não chegou por não ter sido enxergado por um número suficiente de seus pares politicos e por eleitores.
Penso que Serra está descartando neste artigo o que aqueles economistas ligados ao PT e que se dizem desenvimentistas propõem como solução para a retomada da economia e da industrialização e que já deu completamente errado antes, com Lula2 e Dilma1e2. Penso que Serra aponta no sentido de se estudar os gargalos que impedem uma retomada e que o governo se ocupe em saná-los, como por exemplo planejar o aumento da oferta e diminuição do custo de insumos para a produção industrial, e não em intervir diretamente na economia tendo uma dívida pública tão alta e apresentando déficit como apresenta.
Ficarei na expectativa de que Serra detalhe o programa econômico que aplicaria se o Brasil houvesse dado a sorte de tê-lo como presidente e não o azar de ver na presidência Lula, Lula, Dilma, Dilma, Temer, Bolsonaro e, agora, novamente Lula. Tem sido azar demais para um país só!