quinta-feira, 27 de julho de 2023

José Serra* - A sombra da estagnação

O Estado de S. Paulo

Para inserirmos de forma positiva nossa economia nas transformações mundiais, precisamos reinventar o Estado brasileiro

O Banco Central do Brasil apresentou, na semana passada, sua projeção do PIB para maio deste ano com a divulgação do IBC-Br, que é considerado a prévia para o Produto Interno Bruto. A estimativa foi uma queda de 2% ante o mês anterior. O pior resultado para maio registrado nos últimos cinco anos – atrás apenas de 2018, quando caiu 3,08%. Trata-se também do pior desempenho mensal desde março de 2021, quando a prévia do PIB despencou 3,5%.

Os comentários lacônicos da instituição monetária nacional caíram como um balde de água fria sobre o otimismo acerca do desempenho da economia brasileira, embora o mercado esperasse uma certa queda nos resultados. As explicações apontaram como razão o fim da supersafra de grãos e seus efeitos sobre a renda e o consumo da economia. Mas o varejo também registrou resultado negativo.

Neste cenário, o governo federal retomou sua contenda com a diretoria do Banco Central, que estaria extrapolando os limites do seu mandato e maculando o estatuto da sua autonomia institucional. Foi o que disseram o presidente Lula e o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Por outro lado, é importante notar que por trás do declínio de 2% está a retração do agronegócio, depois do exponencial crescimento no passado recente. Nada contra o setor, o agronegócio tem sido um fator determinante na sustentação da economia brasileira, graças tanto às suas vendas para o resto do mundo quanto aos seus efeitos sobre a atividade econômica doméstica.

A questão é outra: a economia do agronegócio tornou-se determinante para a evolução do nosso Produto Interno Bruto em razão da regressão econômica que experimentamos nas últimas décadas. Vejam só: comparando o primeiro trimestre de 2023 com o mesmo período de 2013, o PIB cresceu pífios 8,3% e, no total, o valor agregado da indústria de transformação caiu 14,1%. Essa queda refletiu uma acentuada desorganização do setor e ampliou fortemente sua dependência em relação aos insumos importados, mesmo que o produto final ainda seja chamado de nacional.

Segundo o Banco Mundial, o Brasil tem o oitavo ou nono PIB per capita da América Latina (US$ 8.917, a preços correntes), a depender dos critérios de ajuste cambial. Nos últimos dez anos, avançamos entre 30% e 35%, ocupando as mesmas posições no ranking de expansão do PIB per capita. Para ficar apenas entre os maiores, Chile, Peru, Colômbia, México e Argentina cresceram muito mais.

Fica a sensação de que o nosso país perdeu o rumo. O crescimento no estilo “voo de galinha” das últimas décadas embala esse sentimento. E, em matéria de justificativas e argumentos para o ocorrido, é preciso ir além da taxa de juros, porque ela não dá conta de toda a análise a respeito. Tampouco podemos atribuir toda a culpa à fragilidade da nossa infraestrutura, especialmente porque as diversas estratégias de parceria entre governo e iniciativa privada, na forma de PPPs e concessões, foram aspectos renovadores no contexto da crise das finanças públicas.

A questão é que a dinâmica da economia mundial mudou. O Brasil do crescimento por substituição de importações, onde o tamanho do mercado consumidor nacional era o principal ativo, já não existe mais. Fizemos um primeiro movimento para superar a economia autárquica com a abertura do nosso comércio exterior. Ou seja, mais importação de bens finais e componentes produzidos externamente nos produtos brasileiros.

O segundo passo, o da integração à produção mundial, não aconteceu. Nem na produção dos bens mais modernos da eletrônica e da informática, nem na integração das nossas cadeias produtivas às cadeias globais de valor.

Há anos, o remédio tem sido, por exemplo, proporcionar incentivos fiscais à automobilística por seu poder de encadeamento na estrutura produtiva – como a demanda de autopeças, por exemplo –, mas ela não demonstra grande poder de alavancagem da produção e da renda, em razão do vazamento do impulso produtivo para importações, especialmente as relativas à informática embarcada nos veículos e à automação das plantas.

Teria sido muito mais útil (e barato) avaliar os elos da cadeia produtiva e incentivar os seus pontos críticos. Isso seria fazer política industrial, como muitos países fazem, até mesmo os mais liberais.

O crescimento da economia brasileira depende cada vez mais de uma nova abordagem sobre o desenvolvimento. É necessário olhar o mundo e a forma como ele vem se transformando, tanto na tecnologia da produção de bens e serviços como na forma de organização empresarial desta produção.

É evidente que já não se trata de um Estado produtor, mas que seja decisivo na articulação das teias de relações econômicas. Do mesmo modo, a coesão social, num mundo onde as relações trabalhistas são tão fluidas, tem no Estado um agente essencial.

É verdade que temos de resolver o problema dos juros, mas para inserirmos de forma positiva nossa economia nas transformações mundiais precisamos reinventar o Estado brasileiro, aos poucos, mas de forma confiante e determinada.

*Economista

Um comentário:

  1. Tem economistas desenvolvimentistas e economistas desenvolvimentistas.

    Chamam a Dilma de desenvolvimentista ; chamam a Porchmann de desenvolvimentista. Nós vimos o que foi o desenvolvimento que essa galera ligada ao PT promoveu entre 2007 e 2016. Os resultados ---maior recessão da nossa história--- e as consequências econômicas daquilo (disto, corrijo:: estamos vivendo as consequências até hoje) seriam suficientes para eles, os que promoveram o drama econômico em que o país foi jogado com as medidas fiscais e monetárias entre 2007 e 2016, a desistirem de se assumirem como economistas, quanto mais a se dizerem desenvolvimentistas.

    Pois bem! Há desenvolvimentistas e desenvolvimentistas. José Serra é tido como o maior dos economistas brasileiros dentre os que são definidos (não dentre os que se autodefinem) como desenvolvimentistas. É este desenvolvimentista, José Serra, que assina as reflexões deste artigo publicado acima.

    Serra foi Ministro do Planejamento, desistiu, e entregou o ministério exatamente por ser um economista desenvolvimentista e naquele momento o que o Brasil precisava era sanear um país com a economia completamente desestruturada como estava quando foi entregue pela ditadura de 1964 e não havia muito espaço fiscal para planejar desenvolvimento. O Brasil teve a sua economia saneada nos governos Fernando Henrique1e2 e no governo Lula1. Infelizmente, por erros cometidos nos últimos vários anos, voltamos à situação econômica parecida com aquela dos anos 90.

    As divergências à época entre José Serra, então ministro do planejamento e Pedro Malan, então ministro da fazenda, durante o governo Fernando Henrique foram as mesmas divergências de hoje entre economistas liberais e desenvolvimentistas e levaram Serra a renunciar e entregar o ministério do planejamento (Serra aceitaria voltar como ministro da saúde, depois de aceitas as condições que ele definiu, e foi um ministro da saude formidável, apesar de não ser médico).

    Sendo um economista desenvolvimentista de fato, com formação consistente, um profissional sem ideologismos e experiência bem testada e aprovada, eu queria que José Serra detalhasse sua visão de retomada para a nossa economia, queria que Serra externasse aquilo que ele pensou em implementar como política econômica em um governo que ele liderasse como presidente da república, cargo a que tentou chegar por mais de duas vezes, mas a que não chegou por não ter sido enxergado por um número suficiente de seus pares politicos e por eleitores.

    Penso que Serra está descartando neste artigo o que aqueles economistas ligados ao PT e que se dizem desenvimentistas propõem como solução para a retomada da economia e da industrialização e que já deu completamente errado antes, com Lula2 e Dilma1e2. Penso que Serra aponta no sentido de se estudar os gargalos que impedem uma retomada e que o governo se ocupe em saná-los, como por exemplo planejar o aumento da oferta e diminuição do custo de insumos para a produção industrial, e não em intervir diretamente na economia tendo uma dívida pública tão alta e apresentando déficit como apresenta.

    Ficarei na expectativa de que Serra detalhe o programa econômico que aplicaria se o Brasil houvesse dado a sorte de tê-lo como presidente e não o azar de ver na presidência Lula, Lula, Dilma, Dilma, Temer, Bolsonaro e, agora, novamente Lula. Tem sido azar demais para um país só!

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