Correio Braziliense
Empenhado na aprovação de sua agenda
econômica pelo Congresso, o governo puxou o freio de mão na comissão de
inquérito. A radicalização atrapalha a aliança com o Centrão
Há um jargão no Congresso sobre as comissões de inquérito, sem exceção à regra: todos sabem como começa, mas ninguém sabe como vai acabar. Há casos de CPI que tiveram grande repercussão política, inclusive com cassação de mandatos de parlamentares, como a dos Correios, que revelou o chamado mensalão; há outras que viraram pizza, como a do Banestado, que não aprovou seu relatório e pretendia indiciar 91 pessoas que fizeram transferências de recursos para o exterior por aquele banco estadual. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas de 8 de janeiro está no limbo das incertezas quanto ao seu final, mas não deve ser subestimada. Há muita água para passar sob a ponte.
As contradições da CPMI têm origem
germinal: foi proposta pela oposição, por iniciativa de um deputado de perfil
golpista. O governo tentou por todos os meios evitar que fosse instalada, mas
havia um requerimento com número suficiente de assinaturas, e o presidente do
Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), instalou a CPMI. Diante do fato
consumado, o Palácio do Planalto finalmente se mobilizou para formar maioria na
comissão, que é um instrumento de oposição das minorias. Conseguiu.
Na formação da Comissão, o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), indicou um aliado do Centrão respeitado pela
capacidade de diálogo e elegância na forma de atuar: o deputado Arthur Maia
(União-BA), que vem se pautando pela neutralidade. Se não joga pesado com a
oposição, também não atrapalha a atuação da relatora da CPMI, senadora Eliziane
Gama (PSD-MA), indicada pelos governistas do Senado, após a desistência do
senador Renan Calheiros (MDB-AL), que não quis se desgastar com o Palácio do
Planalto caso lhe faltasse o apoio do governo que julgasse necessário.
Maia chegou a ter uma conversa, em 14 de
junho, com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes —
responsável pelo inquérito que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro —
para solicitar o compartilhamento de dados das investigações da Polícia Federal
com a CPMI. “Tive uma longa reunião com o ministro, e ele se comprometeu a
compartilhar dados assim que chegar a nossa requisição, para que os membros da
CPMI tenham acesso para inquirir esses presos”, anunciou na ocasião.
Não rolou até agora. Na terça-feira, a
relatora Eliziane Gama queixou-se de que estava trabalhando apenas com as
“notícias de jornal”, porque ainda não havia recebido os dados nem do STF nem
da Polícia Federal. Na oitiva do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal
(PRF) Silvinei Vasques, por exemplo, logo no início da CPMI, ficou evidente que
a relatora não tinha informações suficientes para pôr em xeque o seu depoente,
que falou pelos cotovelos, enquanto a oposição exultava.
Já no seu depoimento, o tenente-coronel
Mauro César Barbosa Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair
Bolsonaro, suspeito de articular uma intervenção militar contra o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) após as eleições do ano passado, teve comportamento
radicalmente contrário: não disse uma palavra, exceto que permaneceria em
silêncio, por responder a oito inquéritos no STF. Eliziane só não estava de
mãos vazias porque havia recebido a lista dos 72 amigos de Mauro Cid, a maioria
militares, que o haviam visitado na prisão.
Falta de apoio
Como se sabe, uma perícia da Polícia
Federal (PF) no telefone celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro revelou
trocas de mensagens com outros militares, tratando de ações que configurariam
um golpe de Estado. As mensagens foram vazadas para a imprensa quando tudo
parecia que a CPMI viraria pizza e, depois, tornadas públicas pela Justiça. Um
dos seus interlocutores, o coronel Jean Lawand Junior, já depôs à CPMI. Ele
negou as alegações, mas teve sua versão contestada pelos parlamentares e pode
ser indiciado por falso testemunho.
Mauro Cid fora obrigado a depor na CPMI
pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), porém
acompanhado por advogados e com o direito de ficar em silêncio para não
responder perguntas que o incriminassem. Como está sob custódia da Justiça,
também recebeu escolta policial. Compareceu fardado, com o cordão de ajudante
de ordens, o que não havia ocorrido com Lawand. Mauro Cid também teve conversas
com outro auxiliar do ex-presidente, Ailton Barros, advogado e ex-major do
Exército, nas quais fica evidente a trama golpista. Numa das conversas, o
ex-militar disse saber quem mandou matar a vereadora carioca Marielle Franco
(PSol).
Dois fatos relevantes podem ter
desdobramentos futuros. O primeiro é a romaria ao quartel onde Mauro Cid está
preso, por vários oficiais de sua corporação, entre os quais o general
ex-comandante do Exército Júlio César de Arruda, demitido pelo presidente Lula
após o 8 de janeiro. Outro, a quebra de sigilo fiscal de quase 70 envolvidos
nos acontecimentos, entre os quais bolsonaristas-raiz, além de algumas empresas
suspeitas de financiar os atos golpistas. Seguindo o dinheiro, sempre se chega
ao núcleo principal da conspiração.
A expectativa de Eliziane Gama é de que
esses requerimentos subsidiem a atuação da equipe que a assessora, que reúne
técnicos do Senado, da Receita e dois delegados federais, durante o recesso.
Entretanto, os dados dos inquéritos sob sigilo não serão fornecidos pela
Polícia Federal. O ministro do STF Alexandre de Moraes, que poderia fazê-lo,
tem sido muito cauteloso. Empenhado na aprovação de sua agenda econômica pelo
Congresso, o governo também puxou o freio de mão na CPMI. A radicalização
atrapalha a aliança com o Centrão.
Pois é.
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