Folha de S. Paulo
Nada de novo na existência de um número de
brasileiros indiferentes quanto ao tipo de regime político
Com o sombrio título "A recessão
democrática na América Latina", o Latinobarómetro acaba de publicar seu
informe de 2023. A cada ano, desde 1995, o instituto chileno, dirigido pela
economista Marta Lagos, toma o pulso político da opinião pública em 18 países
da região. A ideia é aferir as atitudes em relação à democracia, suas instituições e aos
governos que dão ou deixam de dar vida a seus princípios e regras.
Trata-se de um acervo precioso que proporciona uma visão comparada de como
evoluíram as percepções dos cidadãos de cada país nas três décadas do
grande experimento democrático fora dos Estados Unidos, Canadá e Europa
Ocidental.
A pesquisa confirma esperadas variações por países. Mas, na média, aponta declínio do apreço pela democracia, em quaisquer circunstâncias; insatisfação com seu funcionamento no país do entrevistado; aumento da indiferença pela forma do regime. Também mostra a percepção de que os partidos funcionam mal, podendo ser dispensados sem grande prejuízo para o sistema.
Nada de novo na existência de um número
expressivo de brasileiros relativamente indiferentes quanto ao tipo de regime
político, descontentes com seu funcionamento e descrentes dos partidos:
repete-se com pouca variação ao longo das três décadas em que o Latinobarómetro
faz essa medição. Mudou para melhor no auge do otimismo com relação ao governo
do PT, em 2010-2011, e despencou sob o governo Temer e o desastre que se lhe
seguiu nas urnas de 2018. É notável que a disputa política renhida, a
polarização ideológica e a agitação febril das redes dos tempos de Bolsonaro
tenham mexido apenas circunstancialmente com aquelas atitudes básicas que
parecem enraizadas nas mentes e corações dos brasileiros.
Como ontem, a democracia há de funcionar no país com poucos democratas
convictos e muitos cidadãos indiferentes e desconfiados de suas instituições.
Grande é, assim, a responsabilidade das lideranças.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Num país em que 90% acreditam em ES e 80% em Virgem Maria, poderíamos esperar o quê?
ResponderExcluirMAM
Eu acabei por cimentar a ideia de que no Brasil pós-monárquico subsistiu e tem subsistido sempre, camuflado sob o exercício político partidário regular de uma democracia, uma corrida para ver quem consegue estabelecer hegemonia no processo social, consumar um golpe institucional, assumir e se conservar no poder.
ResponderExcluirEm alguns momentos da história, um ou outro lado fundamentalista, nem sempre disfarçado de democrata, conseguiu assumir controle. Felizmente, como nenhum destes polos deteve força suficiente para prevalecer, até aqui sempre foi retirado do poder e a democracia restabelecida.
Nos dois setores de sabores mais fundamentalistas do espectro ideológico há núcleos reunidos em partidos que se constituem como frente política. Isso é mais nítido à esquerda, por terem construído seus próprios partidos, o PSOL e o PT, e muito menos nítido à direita, por os seguimentos fundamentalistas à direita serem parte de um fenômeno ainda resurgindo no Brasil e que têm preferido se aglutinar em partidos já estabelecidos, no PP, no PL, no Republicanos e no PL principalmente, sem tentarem a construção de partidos próprios ; e há núcleos fundamentalistas à esquerda e à direita em outros partidos, com maior ou menor expressão, e em vários segmentos sociais para além dos partidos politicos:: em sindicatos, em setores policiais, em igrejas, em movimentos culturais...
A sociedade brasileira ainda manifesta em bom grau a opção por democracia, mas a democracia tem sido instrumentalizada e usada como argumento e declaração de intenção por ambos os grupos fundamentalistas, embora com a democracia estes grupos polarizantes não tenham nenhum compromisso ; eles falam muito em democracia apenas para se desmarcarem um do outro e assim conseguirem envolver em suas trilhas atores políticos e culturais avulsos e dos quais os dois fundamentalismos precisam para acumular força para a tomada de poder.
O maior fermento polarizador empregado por ambos os lados dicotômicos é a cultura e prática maniqueistas, que ambos difundem ao fazerem pregação com objetivo de fidelizar apoiadores e/ou assediar e constranger quem os desagrada, mesmo e por vezes especialmente se quem os desagrada for um democrata, criando eles assim o ambiente de guerra de que precisam::
" ou nós ou eles ! " ; " quem não é de esquerda é fascista, é direita ! " ; " Quem não é direita é comunista, é esquerda ! "
Os dois fundamentalismos estão conseguindo sucesso na cooptação de atores importantes de setores verdadeiramente democráticos. Por exemplo:: Simone Tebet e Fernando Haddad, estão ligados ao PT ; Tarcisio de Freitas e Romeu Zema, estão ligados ao bolsonarismo.
Com as forças políticas mais ao centro sendo esvaziadas, eu passei a ter maior temor de que nossa ainda declarada opção por democracia seja cada vez maus rareada no Brasil.
Talvez o medo de ser carimbado como fascista seja o que tem levado certos atores democratas à adesão ao lulopetismo e, pelo outro lado, o medo de ser carimbado como comunista leve pessoas democráticas a se aproximarem do bolsonarismo.
Mas a cada Haddad, a cada Simone, a cada Tarciso e a cada Romeu Zema que se associam aos dois populismos nós vemos perder um pouco da capacidade de a democracia resistir.
Viva a democracia,que as vezes elegem Bolsonaro e Trump,rs.
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