quinta-feira, 27 de julho de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Lula deveria zelar por seu próprio decreto sobre armas

O Globo

É um exagero defender o fechamento de clubes de tiro, o que a nova legislação não prevê

O governo precisa calibrar seu discurso antiarmamentista. Na última terça-feira, numa transmissão ao vivo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ter pedido ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para fechar “quase todos” os clubes de tiro do país, deixando abertos apenas “aqueles que são da Polícia Militar, do Exército e da Polícia Civil”. Para Lula, é a polícia que necessita de lugar para treinar tiro, não a sociedade. “Não estamos preparando uma revolução”, justificou.

A declaração pegou de surpresa até o próprio ministro da Justiça, que vinha dialogando com representantes do setor e garantindo que o objetivo do governo não era acabar com os clubes de tiro. Às vésperas da publicação do novo decreto sobre armas, Dino reiterou a meta: “A orientação do presidente foi de que não é para fechar o negócio. Tanto que os clubes de tiro e as lojas de armas vão continuar existindo”, disse.

É sabido que os clubes de tiro tiveram forte expansão durante o governo Jair Bolsonaro, acompanhando os inúmeros decretos que ampliaram o acesso a armas e munições, inclusive algumas de uso restrito. Entre 2019 e 2022, o Exército autorizou 1.483 clubes de tiro, o que representa em média um por dia. Em 2018, último ano do governo Michel Temer, haviam sido concedidas 165 licenças. Em 2022, foram 475. Aumentar a fiscalização sobre as autorizações é dever do governo. Decretar o cancelamento de todas é um exagero.

A cúpula petista politizou uma discussão que deveria ser técnica. Sem evidências, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, já disse no Twitter que os clubes de tiro estimulam a violência e defendeu o fim da categoria de Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores, os chamados CACs. Os petistas veem os clubes de tiro como redutos inexpugnáveis de Bolsonaro. Mesmo que fosse verdade, o fechamento seria condenável, por configurar perseguição.

A fala de Lula se torna ainda mais incoerente porque o decreto publicado na semana passada já cria normas para disciplinar os clubes de tiro. A nova legislação permite que eles funcionem apenas das 6h às 22h — como a anterior não tinha restrição de horário, em tese eles poderiam ficar abertos 24 horas. A partir de agora, eles também não poderão se situar a menos de 1 quilômetro de escolas públicas ou privadas. Basta que o governo fiscalize para ver se esses estabelecimentos estão cumprindo a lei.

De modo geral, a nova política de armas implantada pelo atual governo é sensata, na medida em que dificulta o acesso a armamentos, restabelecendo normas que vigoravam antes do governo Bolsonaro. É acertada a redução da quantidade de armas permitida para defesa pessoal (eram quatro, agora são duas) e para os CACs (passaram de 30 para seis), assim como a proibição de que atiradores façam deslocamentos com as armas municiadas.

Mas a artilharia retórica de Lula ao defender o fechamento de clubes de tiro pode pôr a perder as decisões corretas já tomadas. Esse tipo de medida autoritária só contribui para acirrar os ânimos e aumentar a oposição ao decreto. No Congresso, as bancadas da bala e ruralista já se movimentam para tentar derrubar as novas normas. Em vez de disparar bravatas que contrariam seu próprio decreto, Lula deveria se preocupar em convencer os brasileiros sobre a necessidade de reduzir o arsenal em mãos de civis.

Bloqueio russo às vendas de grãos da Ucrânia exige resposta imediata

O Globo

Proposta da União Europeia de ampliar o escoamento por rodovias e ferrovias é cara, mas viável

A decisão de Vladimir Putin de voltar a transformar comida em arma nunca deixou de ser uma possibilidade. Muitos analistas debatiam quando ele a tomaria, sem colocar em dúvida se optaria de novo por essa estratégia. O anúncio se tornou realidade na semana passada, quando o ditador russo declarou que todos os navios em direção à Ucrânia no Mar Negro seriam considerados alvos militares. De imediato, portos ucranianos passaram a ser bombardeados. Foi dessa forma que Putin colocou abaixo a esperança de manter vivo o acordo mediado em 2022 pela ONU e pela Turquia e que permitiu a exportação de 33 milhões de toneladas de grãos.

Para combater o perigo de desabastecimento, evitar a alta da inflação de alimentos e fazer frente ao plano russo de aniquilar a economia ucraniana, a comunidade internacional precisa encontrar alternativas. Putin certamente seguirá adiante com seu plano de usar a fome como forma de pressão. A esvaziada cúpula com líderes africanos em São Petersburgo é mera encenação.

O comissário para a agricultura da União Europeia (UE), Janusz Wojciechowski, é um dos que tentam encontrar uma solução. Ele lembra que a UE já gerencia os chamados “corredores da solidariedade”, uma rede de ferrovias e rodovias usada para escoar as vendas externas do país invadido pela Rússia. Antes da última decisão de Putin, eles transportavam 60% das exportações de grãos. Os restantes 40% saíam pelo Mar Negro. Wojciechowski defende agora que os corredores sejam expandidos para absorver tudo. A saída é cara, mas viável.

Antes do início do conflito, a Ucrânia era responsável por 50% das exportações globais de óleo de girassol, 15% de milho e 10% de trigo. Logo nos primeiros meses, as vendas foram bloqueadas. Para piorar a situação, a Rússia, com fatia de 20% no comércio de óleo de girassol e 24% no de trigo, decidiu interromper seus carregamentos.

O impacto do desabastecimento e da inflação não demorou. O índice da ONU que monitora os preços de óleos vegetais saiu de 188 em 2021 para 211 em julho de 2022. O dos cereais, de 155 para 166. As maiores vítimas foram as populações mais pobres de todo o mundo. Após o acordo mediado por ONU e Turquia, os preços dessas commodities caíram, mas ficaram em níveis historicamente altos. Foi a partir desse patamar que eles dispararam com o bombardeio de Odessa e outros portos desde a semana passada.

O chefe de gabinete do governo ucraniano, Andriy Yermak, entende que os ataques aos portos e o bloqueio naval à Ucrânia provam que o Kremlin “precisa de fome e de problemas no Sul Global”. Para Yermak, Putin quer ampliar a crise de refugiados que já existe no Ocidente, causada em parte pelo esfacelamento de países no Norte da África. Seja qual for o principal objetivo russo, o mundo precisa reagir a mais essa chantagem de Putin.

Ganha velocidade a corrida pelos minerais estratégicos

Valor Econômico

As informações disponíveis indicam potencial do Brasil em cobre, lítio, níquel, cobalto, minerais de terras raras e grafita

Uma nova corrida do ouro está acontecendo no mundo todo. Só que o alvo cobiçado são os minerais críticos ou estratégicos, como são chamados o lítio, cobalto, cobre, grafita, terras raras e níquel, usados em baterias de carros elétricos, painéis solares, turbinas eólicas e processos ligados à transição energética. Ao mesmo tempo em que fazem parte da tecnologia de ponta na produção de celulares e computadores, também são necessários nos esforços para conter o aquecimento global na produção de carros e ônibus elétricos e no armazenamento de energia, por exemplo.

China e Estados Unidos já disputam há algum tempo os minerais críticos, escreveu Geoberto Espírito Santo, da GES Consultoria, Engenharia e Serviços (Valor 21/7). A briga ganhou relevo quando a China restringiu as exportações de gálio e germânio, matérias-primas para a fabricação de chips, em resposta à decisão dos Estados Unidos de limitar a exportação de semicondutores. E o governo americano prepara medidas para rever as cadeias mundiais de suprimento de minerais estratégicos, em um pacote de quase US$ 370 bilhões.

Com essa briga entre as duas potências e a escalada da produção dos automóveis elétricos, a demanda por lítio aumentou 300%, a do cobalto, 70% e a de níquel, 40% nos últimos cinco anos. Enquanto um laptop usa 30 gramas de carbonato de lítio, uma bicicleta elétrica precisa de 300 gramas, um carro elétrico de 50 quilos e um ônibus elétrico, de 200 quilos, escreveu Geoberto Espírito Santo. A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a demanda por minerais críticos mais do que dobrará até 2030, colocando o mercado sob pressão uma vez que os projetos de mineração podem levar até 20 anos para passar pelas fases de pesquisa, obtenção de licenças, lavra e refino.

A China parece na frente. O país possui 60% das reservas de grafite e de outros minerais estratégicos como o lítio, alumínio, cobre, cobalto, ferro, níquel, ouro e terras raras. Mas em alguns casos sua capacidade de refino e o consumo de unidades industriais pode superar a produção. Por isso, os chineses já se movimentam para prospectar os minerais em outros países, como a África, América Latina e até no solo marinho.

A China tem sido um dos países que mais pressionam a pouco conhecida Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, que reúne 168 estados-membros, a liberar a mineração comercial em larga escala em águas profundas.

Os Estados Unidos não ficam atrás, têm uma ligeira vantagem em reservas, mas também têm feito investidas em outros países, buscando matéria-prima para abastecer suas unidades de produção.

Essa corrida fica mais tensa uma vez que os maiores refinadores nem sempre são os donos das maiores reservas. No caso do lítio, por exemplo, um dos mais cobiçados e valiosos, a Austrália é responsável por 52% da produção, mas tem 8% das reservas. A China, com 7% das reservas, tem 13% da produção. As maiores reservas estão na América do Sul, no Triângulo do Lítio, com 21,5% na Bolívia, no Salar de Uyuni, 20,4% na Argentina, em Salinas Grandes, Salar Hombre Muerto e Salinas Arizaro, e mais 20,4% no Chile, no Salar Atacama. Mas apenas Chile e Argentina refinam com 25% e 6%, respectivamente. Os Estados Unidos têm pouco mais de 12% das reservas e apenas 1% da produção. O Brasil, com 1% das reservas, produz 1%. São ainda produtores relativamente relevantes Portugal e Zimbábue, com 1% cada um.

Apesar de concentrar cerca de 60% das reservas globais de lítio, a América do Sul não refina um terço do mineral. Essa contradição alimenta um debate sobre a sina dos países com as maiores reservas terem que se resignar em serem exportadores da commodity bruta para os países industrializados.

Com algumas exceções como o Chile e o Brasil, a região não atrai investimentos para projetos de produção de baterias, veículos elétricos e outras tecnologias de transição verde. Infraestrutura deficiente e insegurança jurídica desestimulam o capital estrangeiro. Nem têm recursos para subsidiar iniciativas tecnológicas nessas áreas.

O Brasil tem se saído melhor. Atraiu US$ 5 bilhões em investimentos da chinesa BYD, que instalará na Bahia uma planta para produzir carros elétricos e baterias. A WEG vai ampliar sua fábrica de baterias à base de lítio, e investir em infraestrutura de recarga de carros na região Sudeste. Duas empresas canadenses, uma americana e uma australiana devem operar no “Projeto Vale do Lítio” no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. A Sigma Lithium, companhia brasileira com capital aberto em Toronto e na Nasdaq, anunciou investimentos de US$ 3 bilhões em uma planta de alta tecnologia, que permite a obtenção de um produto de alto grau de pureza para a produção de baterias. Outros dois projetos, da Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e da AMG Brasil, também já estão em produção nessa região.

As informações disponíveis indicam potencial do Brasil em cobre, lítio, níquel, cobalto, minerais de terras raras e grafita. No entanto, acredita-se que ele está subdimensionado pela falta de conhecimento geológico detalhado do território nacional. Além da falta de pesquisas, há dificuldades de financiamento e de um projeto abrangente para a área.

Atrás do mandante

Folha de S. Paulo

Delação abre nova frente na investigação para solucionar assassinato de Marielle

Há cinco anos a sociedade brasileira pergunta: "Quem mandou matar Marielle Franco?". No dia 14 de março de 2018, a vereadora carioca e o motorista Anderson Gomes foram brutalmente assassinados. Um ano depois, os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram presos e aguardam julgamento.

Até hoje, as forças de segurança não conseguiram descobrir de onde partiu a ordem para a execução do crime. Nas últimas semanas, contudo, a investigação avançou.

Queiroz fez um acordo de delação premiada, confessou sua participação, deu detalhes sobre os homicídios e implicou terceiros. Apesar de não apontar o mandante, o depoimento abre caminhos promissores para solucionar o caso.

Em uma série de depoimentos prestados desde junho à Polícia Federal e ao Ministério Público do Rio de Janeiro, o acusado disse que, no dia do crime, foi chamado por Lessa para fazer um trabalho como motorista e que não sabia que se tratava de um assassinato.

Ambos fizeram campana na Casa das Pretas, no bairro da Lapa, onde Marielle participava de um evento. Na saída, seguiram o carro da vereadora, emparelharam e Lessa disparou os tiros.

Queiroz também apontou novos nomes. O ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa teria sido responsável pela organização do crime e por obstruções nas investigações.

A delação deflagrou, na segunda (24), a primeira fase da operação Élpis, com a prisão de Corrêa, o cumprimento de sete mandados de busca e apreensão e a intimação de seis pessoas para depoimento.

Outro nome implicado foi o de Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé. Segundo Queiroz, o policial militar teria acionado Lessa para executar o crime e estado presente em todas as ações de vigilância da rotina de Marielle.

Macalé, assassinado em 2021, já havia sido citado na CPI das milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, cujo relatório final, de 2008, pediu o indiciamento de 266 pessoas, sendo 7 políticos.

Pesquisa da Universidade Federal Fluminense mostra que, entre 2006 e 2021, a zona de atuação das milícias na capital do RJ cresceu quase 400%, chegando a cerca de 256 km² e superando a área do Comando Vermelho (206 km²).

Marielle era uma voz ativa contra a atividade de milícias e do crime organizado em comunidades pobres da sua cidade, e pode ter pagado com a vida por isso.

O assassinato de uma vereadora eleita pelo voto popular é não apenas um crime contra a vida, mas, simbolicamente, também um atentado contra a democracia.

É imperativo, portanto, que o Estado solucione o caso. A sociedade brasileira merece saber quem mandou matar Marielle Franco.

Nota em alta

Folha de S. Paulo

Agência sobe avaliação do Brasil; cita reformas que o PT criticou e regra fiscal

Depois da agência de classificação de risco S&P ter elevado a perspectiva para a economia brasileira em junho, sem alteração na nota de crédito, foi a vez da congênere Fitch dar um passo mais firme e melhorar a posição do país.

Ainda dois patamares abaixo do almejado grau de investimento, que foi perdido em 2015 e designa locais seguros na métrica internacional, a nova nota (BB) reconhece que as condições do Brasil, embora difíceis, não são intratáveis se houver seriedade e persistência na realização de reformas e controle das contas públicas.

Essas razões, aliás, foram elencadas pela Fitch. Melhorias regulatórias desde 2015-2016, incluindo as reformas trabalhista e da Previdência, além da autonomia do Banco Central, tão criticadas pelo PT, fazem parte do rol de avanços que precisam ser preservados.

A agência cita ainda como promissor o novo marco fiscal apresentado pelo atual governo. Embora com desafios, é esperada gradual restauração do superávit nas contas e crescimento menor da dívida. Esse é o ponto crítico de fragilidade, dado que o endividamento brasileiro é superior ao padrão de outras economias de nota similar (73,6%, ante mediana de 56%).

Outro destaque é a mudança na cobrança de impostos sobre bens e serviços, prioridade atual do Legislativo, com potencial de impulsionar o crescimento e o emprego.

Também é reconhecida melhor perspectiva para a atividade econômica. A agência aumentou sua projeção para a alta do PIB neste ano de 0,7% para 2,3%, com tendência estrutural de 2% a partir de 2025. Se confirmados, serão resultados relativamente positivos.

Há boas expectativas em relação à agenda ambiental e climática, ponto em que o Brasil pode se destacar e atrair capitais em montantes elevados depois do longo isolamento ocasionado pela pauta destrutiva de Jair Bolsonaro (PL).

Por fim, o balanço entre Poderes, com limitação de uma agenda mais intervencionista e potencialmente danosa ao crescimento é uma aposta da agência, que pode se mostrar realista ou prematura.

Cumpre ao governo receber a melhora da nota como um sinal de confiança e resultado de esforços passados, que devem ser vistos como agenda de Estado. Seria erro crasso tratar a medida como endosso ao retorno de políticas irresponsáveis que tantos prejuízos trouxeram ao país nos anos finais dos mandatos petistas anteriores.

Paternalismo inconstitucional

O Estado de S. Paulo

A pretexto de proteger direitos, o ministro Alexandre de Moraes atropela competências constitucionais e define de cima para baixo políticas públicas sobre pessoas em situação de rua

No Estado Democrático de Direito, não existe poder ilimitado. Todos os Poderes estão sujeitos a regras de competência. No entanto, é cada vez mais difícil que se respeitem esses limites. Parece sempre haver um bom motivo para justificar a exceção.

Recentemente, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que União, Estados e municípios adotem uma série de medidas em relação à população em situação de rua. O diagnóstico que levou à decisão é razoável: depois da pandemia, por vários fatores, cresceu muito o número de pessoas em situação de rua nas cidades brasileiras, e o poder público, em suas diferentes esferas, tem sido incapaz – e mesmo omisso – no cuidado dessas pessoas e no respeito a seus direitos.

Também não há como discordar de Alexandre de Moraes quando diz que “a atenção à população em situação de rua deve ser realizada a partir da observância de três eixos: evitar a entrada nas ruas; garantir direitos enquanto o indivíduo está em situação de rua; e promover condições para a saída das ruas”. O problema surge quando o ministro entende que ele sozinho tem poderes para fixar obrigações concretas sobre o tema para a União, os Estados e os municípios.

Por exemplo, Alexandre de Moraes determinou que todos os Estados e municípios cumpram imediatamente as diretrizes do Decreto Federal 7.053/2009, que instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Com isso, a liminar do magistrado transformou uma política de livre adesão dos entes federativos em uma obrigação, distorcendo a concepção do próprio decreto da União.

Para justificar a medida, o ministro do STF alegou que, até 2020, apenas 5 Estados e 15 municípios haviam aderido a essa política do governo federal. Ora, a baixa adesão dos entes federativos, com resistência mesmo daqueles cujos governadores eram então alinhados politicamente ao governo federal, diz muito sobre o decreto. E não é, de forma nenhuma, fundamento para tornar a tal política obrigatória. O princípio federativo não é um adereço que se pode ignorar quando convém.

Entre outras ordens, o ministro Alexandre de Moraes fixou prazo de 120 dias para que a União elabore um plano de ação e monitoramento para a implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua. À primeira vista, parece uma medida boa e razoável, com o Judiciário obrigando o Executivo federal a agir. No entanto, ela distorce o funcionamento do regime democrático. Em vez de uma lei aprovada pelos representantes eleitos, é a decisão de um único juiz que fixa os parâmetros de atuação do Executivo.

A bem da verdade, esse tipo de medida judicial é ingênuo e disfuncional. A canetada de um ministro do STF não resolve nem reduz o drama da população em situação de rua, que tem inúmeras particularidades. Não é por capricho que a Constituição encarregou a administração municipal de cuidar das questões locais. Quando o Judiciário avança sobre a esfera alheia, o resultado é a irresponsabilidade política do poder público e da própria população, que se vê autorizada a ficar indiferente ao problema. Já existe um juiz em Brasília determinando o que se deve fazer.

Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes menciona “a violação maciça de direitos humanos, a indicar um potencial estado de coisas inconstitucional”. É preciso cuidado com o tema. De outra forma, a Constituição de 1988 deixará de ser cidadã para se tornar paternalista. A rigor, todos os dramas sociais são inconstitucionais, uma vez que contradizem valores e direitos previstos na Constituição. Mas isso não autoriza que o Judiciário substitua, menos ainda por decisão liminar, o Executivo e o Legislativo.

O descuido com os limites constitucionais pode ser visto num ponto aparentemente pequeno, mas significativo, da decisão. Juntamente com o PSOL e a Rede, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) é um dos autores da Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional. Apesar de o MTST não ter legitimidade para ajuizar essa ação, Alexandre de Moraes não se manifestou sobre o assunto.

O ministro dos sindicatos

O Estado de S. Paulo

Marinho informa que o governo prepara projeto para ‘revisar pontos’ da reforma trabalhista, justo os que modernizaram as relações de trabalho e acabaram com a boquinha sindical

O governo Lula da Silva, na prática, não tem um ministro do Trabalho, mas uma espécie de “ministro dos sindicatos”. O histórico do sr. Luiz Marinho é conhecido. Mas, se ainda havia alguma dúvida sobre os reais interesses que ele representa no primeiro escalão da administração federal, uma recente entrevista concedida ao portal Jota serviu para escancarar que, entre a genuína defesa dos interesses dos trabalhadores e o resgate dos privilégios das guildas, o sr. Marinho não vacilará nem por um instante. Caso prosperem suas propostas, perderão os trabalhadores, em particular a esmagadora maioria não sindicalizada.

Entre barbaridades e distorções da realidade factual ditas sobre a atual legislação trabalhista, durante a entrevista o sr. Marinho ainda encontrou espaço para ameaçar o País com um rematado retrocesso. No Ministério do Trabalho, disse ele ao Jota, está em preparação um projeto de lei a ser apresentado ao Congresso com o objetivo de “revisar alguns pontos” da Lei 13.467/2017, a chamada reforma trabalhista. O marco legal, aprovado pelo Congresso durante o governo de Michel Temer, reformulou com absoluto sucesso a anacrônica Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

O ministro do Trabalho, a bem da verdade, sabe que não tem a mínima força para propor e, menos ainda, ver prosperar um “revogaço” da reforma trabalhista, como manifestamente ele e outros petistas desejavam. Diante da realidade implacável, o sr. Marinho sinalizou, então, que se daria por satisfeito com as tais alterações pontuais. Seriam elas: a volta do chamado “imposto sindical”, ainda que dissimulado; o aumento das restrições para a terceirização de serviços, que o ministro comparou à escravidão, nada menos; e o fim do primado do negociado sobre o legislado, instituído pela Lei 13.467/2017, entre outras.

Ora, como se vê, por “pontuais” o sr. Marinho entende mudanças que feririam de morte a essência de uma reforma que, entre muitos acertos, trouxe uma legislação trabalhista que remontava à década de 1940 para a realidade laboral do século 21.

É próxima de zero a chance de aprovação pelo Congresso de um projeto de lei com o escopo de alterar uma reforma modernizadora como foi a trabalhista. Pouco importa, no entanto, que um projeto desse jaez jamais venha a ver a luz do dia. Mais preocupante é a sinalização de que há no seio do governo federal essa mentalidade orientada para o atraso, a sanha vã de destruir todo o bom arcabouço jurídico-normativo que foi implementado no País durante o tempo em que o PT esteve fora do poder central. A menos que o sr. Marinho seja desautorizado pelo presidente Lula da Silva, pode-se considerar que a intenção de revogar a reforma trabalhista tal como ela foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo expresidente Michel Temer é a posição oficial do governo federal.

“A reforma que o Temer fez é devastadora do ponto de vista de direitos”, afirmou o sr. Marinho, sem esconder que sua preocupação maior é dar sobrevida a um discurso político que foi superado pela transformação do mundo do trabalho e pela própria obsolescência de sua ideia de “direitos”. Não importa para o sr. Marinho que, no mundo dos fatos, com a promulgação da reforma trabalhista, se deu exatamente o oposto: uma massa de trabalhadores que não tinham seus direitos assegurados por lei passou a tê-los, como atesta um sem-número de evidências colhidas por instituições insuspeitas, como, por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Portando-se menos como um ministro de Estado e mais como líder sindical, o sr. Marinho finge ignorar que a aprovação da reforma trabalhista pelo Congresso reflete, antes de tudo, um desejo da sociedade brasileira. Não foi Temer quem “fez” a reforma; o Executivo a propôs, o Legislativo a aprovou e, quando provocado, o Judiciário atestou sua constitucionalidade. Logo, o palavrório do ministro sindicalista, que fala em nome de Lula até prova em contrário, é só esperneio de quem tem saudade da legislação trabalhista que atravancava o País e ensejava a boquinha sindical.

O desafio de taxar os super-ricos

O Estado de S. Paulo

Governo deve tratar o tema com cautela para não perder uma importante fonte de arrecadação

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, decidiu apresentar um novo projeto de lei para tributar fundos de investimento exclusivos. A proposta será enviada ao Congresso em agosto, junto com o Orçamento. Embora não haja uma previsão sobre o quanto poderá ser arrecadado com a medida, o governo a considera fundamental para cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024.

Os fundos de investimento exclusivos pertencem a poucos cotistas e detêm um expressivo volume de ativos, superior a R$ 10 milhões. São instrumentos costumeiramente adotados pelos “super-ricos” para preservar o patrimônio e transmiti-lo aos herdeiros. Ao contrário dos fundos abertos, em que há incidência de impostos sobre o rendimento a cada seis meses – o chamado “come-cotas” –, eles ficam livres de tributação até o momento do resgate do dinheiro, o que pode levar anos para ocorrer.

Não é a primeira vez que o governo federal tenta tributar os fundos de investimento exclusivos. A administração Michel Temer quis fazê-lo por uma medida provisória, que acabou por caducar; depois, por um projeto de lei, que tampouco avançou no Congresso. À época, como haveria incidência de impostos sobre os rendimentos acumulados desde a criação dos fundos, a previsão de arrecadação era de R$ 10,75 bilhões, divididos entre União, Estados e municípios. No governo Bolsonaro, o projeto de reforma do Imposto de Renda (IR) – que incluía a taxação desses fundos – chegou a ser aprovado na Câmara, mas travou no Senado.

Ao segregar o tema dos fundos de investimento em um projeto de lei específico, a estratégia do ministro Haddad parece ser isolar os “super-ricos”. Afinal, a segunda etapa da reforma tributária já deverá enfrentar muita resistência, sobretudo entre a classe média – que pode perder benefícios como a dedução de despesas em saúde e educação e a tributação menor para profissionais liberais que atuam como empresas.

“Você acha normal? Ele lega as cotas do fundo aos descendentes e não paga Imposto de Renda nunca”, disse Haddad à Folha. “Como é que um país com tanta desigualdade isenta de IR o 1% mais rico da população?”, questionou. Taxar os fundos exclusivos, de fato, vai ao encontro de uma carga tributária mais justa e progressiva, mas isso nem de longe significa que o projeto não enfrentará dificuldades.

Na dúvida, os investidores já começaram a reagir. Segundo informações da plataforma de investimentos Trademap, os fundos exclusivos com um único cotista detêm um patrimônio de R$ 756 bilhões, ou 12,3% do total da indústria de fundos. No ano passado, eles registraram uma captação líquida positiva de R$ 6,15 bilhões. De janeiro a julho deste ano, porém, o resultado está negativo em R$ 27,2 bilhões, o que sugere, segundo a Trademap, um movimento de resgates em antecipação à possibilidade de a tributação vir a ser majorada.

O tema é tão relevante quanto delicado, e cabe ao governo tratá-lo com cautela e responsabilidade para não perder uma importante fonte de arrecadação – seja pela rejeição que o tema desperta no Congresso, seja pela fuga de investimentos.

Educação contra a gravidez precoce

Correio Braziliense

Ministério da Saúde anuncia a retomada do programa Saúde nas Escolas, que abordará educação sexual, prevenção de violência e acidentes, saúde mental e promoção da cultura de paz e direitos humanos

A cada uma hora, nascem 44 bebês de meninas adolescentes no Brasil — sendo que, entre elas, pelo menos duas mães têm entre 10 e 14 anos. A taxa nacional é de 68,4 nascimentos para cada mil jovens entre 15 e 19 anos. A estimativa é de que mais de 400 mil se tornam mães por ano no país, segundo os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

A maternidade precoce é arriscada às jovens mais novas, quando o organismo está em processo de formação e amadurecimento. Além disso, por falta de precaução e de informação, elas podem contrair infecções sexualmente transmissíveis (IST). Hoje, no país, há uma baixa adesão aos programas de vacinação — um dos graves danos colaterais das fake news. Não à toa, a maioria dos mais de 700 mil mortos pela covid-19 era de pessoas que rejeitaram a vacina.

Igual situação se repete nas campanhas de imunização contra doenças preveníveis, que inclui as infecções sexualmente transmissíveis (IST), como HPV e hepatites virais B e C. Para as outras enfermidades — herpes genital, sífilis, gonorreia, tricomoníase, infecção pelo HIV —, há tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A recomendação básica, para evitar infecção, é o uso de preservativo interno e externo.

As adolescentes, entre 10 e 13 anos, são a maioria das vítimas de estupros. Em 2021, foram registrados 66.020 casos de violência sexual — aumento de 4,2% em relação a 2020 —, sendo que 75,5% eram vulneráveis e sem capacidade de consentir o abuso, e 61,3% tinham até 13 anos. Não faltam casos de crianças que engravidaram após a violência sexual.

Embora seja um problema de saúde pública, a maternidade precoce faz interface com a educação. Meninos e meninas não são, em maioria, orientados e educados sobre sexualidade. Em muitos lares, o tema é um tabu, ainda que se tenha um quadro alarmante, que coloca o Brasil na segunda posição no ranking mundial de gravidez na adolescência, atrás da Venezuela.

Para tentar romper esse círculo desvirtuoso, o Ministério da Saúde anunciou que será retomado o programa Saúde nas Escolas, que abordará educação sexual, prevenção de violências e acidentes, saúde mental, promoção da cultura de paz e direitos humanos. A meta do governo é atingir 25 milhões de estudantes. De acordo com o governo, 99% das cidades brasileiras estão habilitadas a receber os recursos. No total, são 90,3 milhões aos municípios que aderiram ao programa. Cada prefeitura receberá R$ 1 mil a mais a cada grupo de 800 estudantes de escolas e creches públicas, em que haja alunos em medida socioeducativa ou que tenha 50% de alunos do Bolsa Família.

A iniciativa do Ministério da Saúde se revela indispensável, sobretudo para as camadas mais pobres da sociedade. Nesses grupos, a adolescente grávida nem sempre tem apoio da família — muitas são expulsas de casa, os pais biológicos também as rejeitam. Jogada nas ruas, a jovem abandona ou é forçada a deixar a escola. E assim começa uma trajetória que, quase sempre, leva a um desfecho trágico. Impõe-se agregar ao programa atividade de esclarecimento e orientação aos pais e responsáveis sobre a importância da educação, como medida preventiva das gestações indesejadas.

 

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