Lula deveria zelar por seu próprio decreto sobre armas
O Globo
É um exagero defender o fechamento de
clubes de tiro, o que a nova legislação não prevê
O governo precisa calibrar seu discurso
antiarmamentista. Na última terça-feira, numa transmissão ao vivo, o presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva disse ter pedido ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino,
para fechar “quase todos” os clubes de tiro do país, deixando abertos apenas
“aqueles que são da Polícia Militar, do Exército e da Polícia Civil”. Para
Lula, é a polícia que necessita de lugar para treinar tiro, não a sociedade.
“Não estamos preparando uma revolução”, justificou.
A declaração pegou de surpresa até o
próprio ministro da Justiça, que vinha dialogando com representantes do setor e
garantindo que o objetivo do governo não era acabar com os clubes de tiro. Às
vésperas da publicação do novo decreto sobre armas, Dino reiterou a meta: “A
orientação do presidente foi de que não é para fechar o negócio. Tanto que os
clubes de tiro e as lojas de armas vão continuar existindo”, disse.
É sabido que os clubes de tiro tiveram forte expansão durante o governo Jair Bolsonaro, acompanhando os inúmeros decretos que ampliaram o acesso a armas e munições, inclusive algumas de uso restrito. Entre 2019 e 2022, o Exército autorizou 1.483 clubes de tiro, o que representa em média um por dia. Em 2018, último ano do governo Michel Temer, haviam sido concedidas 165 licenças. Em 2022, foram 475. Aumentar a fiscalização sobre as autorizações é dever do governo. Decretar o cancelamento de todas é um exagero.
A cúpula petista politizou uma discussão
que deveria ser técnica. Sem evidências, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann,
já disse no Twitter que os clubes de tiro estimulam a violência e
defendeu o fim da categoria de Colecionadores, Atiradores Desportivos e
Caçadores, os chamados CACs. Os petistas veem os clubes de tiro como redutos
inexpugnáveis de Bolsonaro. Mesmo que fosse verdade, o fechamento seria
condenável, por configurar perseguição.
A fala de Lula se torna ainda mais
incoerente porque o decreto publicado na semana passada já cria normas para
disciplinar os clubes de tiro. A nova legislação permite que eles funcionem
apenas das 6h às 22h — como a anterior não tinha restrição de horário, em tese
eles poderiam ficar abertos 24 horas. A partir de agora, eles também não poderão
se situar a menos de 1 quilômetro de escolas públicas ou privadas. Basta que o
governo fiscalize para ver se esses estabelecimentos estão cumprindo a lei.
De modo geral, a nova política de armas
implantada pelo atual governo é sensata, na medida em que dificulta o acesso a
armamentos, restabelecendo normas que vigoravam antes do governo Bolsonaro. É
acertada a redução da quantidade de armas permitida para defesa pessoal (eram
quatro, agora são duas) e para os CACs (passaram de 30 para seis), assim como a
proibição de que atiradores façam deslocamentos com as armas municiadas.
Mas a artilharia retórica de Lula ao
defender o fechamento de clubes de tiro pode pôr a perder as decisões corretas
já tomadas. Esse tipo de medida autoritária só contribui para acirrar os ânimos
e aumentar a oposição ao decreto. No Congresso, as bancadas da bala e ruralista
já se movimentam para tentar derrubar as novas normas. Em vez de disparar
bravatas que contrariam seu próprio decreto, Lula deveria se preocupar em
convencer os brasileiros sobre a necessidade de reduzir o arsenal em mãos de
civis.
Bloqueio russo às vendas de grãos da
Ucrânia exige resposta imediata
O Globo
Proposta da União Europeia de ampliar o
escoamento por rodovias e ferrovias é cara, mas viável
A decisão de Vladimir
Putin de voltar a transformar comida em arma nunca deixou de
ser uma possibilidade. Muitos analistas debatiam quando ele a tomaria, sem
colocar em dúvida se optaria de novo por essa estratégia. O anúncio se tornou
realidade na semana passada, quando o ditador russo declarou que todos os
navios em direção à Ucrânia no
Mar Negro seriam considerados alvos militares. De imediato, portos ucranianos
passaram a ser bombardeados. Foi dessa forma que Putin colocou abaixo a
esperança de manter vivo o acordo mediado em 2022 pela ONU e pela Turquia e que
permitiu a exportação de 33 milhões de toneladas de grãos.
Para combater o perigo de desabastecimento,
evitar a alta da inflação de alimentos e fazer frente ao plano russo de
aniquilar a economia ucraniana, a comunidade internacional precisa encontrar
alternativas. Putin certamente seguirá adiante com seu plano de usar a fome
como forma de pressão. A esvaziada cúpula com líderes africanos em São
Petersburgo é mera encenação.
O comissário para a agricultura da União
Europeia (UE), Janusz Wojciechowski, é um dos que tentam encontrar uma solução.
Ele lembra que a UE já gerencia os chamados “corredores da solidariedade”, uma
rede de ferrovias e rodovias usada para escoar as vendas externas do país
invadido pela Rússia.
Antes da última decisão de Putin, eles transportavam 60% das exportações de
grãos. Os restantes 40% saíam pelo Mar Negro. Wojciechowski defende agora que
os corredores sejam expandidos para absorver tudo. A saída é cara, mas viável.
Antes do início do conflito, a Ucrânia era
responsável por 50% das exportações globais de óleo de girassol, 15% de milho e
10% de trigo. Logo nos primeiros meses, as vendas foram bloqueadas. Para piorar
a situação, a Rússia, com fatia de 20% no comércio de óleo de girassol e 24% no
de trigo, decidiu interromper seus carregamentos.
O impacto do desabastecimento e da inflação
não demorou. O índice da ONU que monitora os preços de óleos vegetais saiu de
188 em 2021 para 211 em julho de 2022. O dos cereais, de 155 para 166. As
maiores vítimas foram as populações mais pobres de todo o mundo. Após o acordo
mediado por ONU e Turquia, os preços dessas commodities caíram, mas ficaram em
níveis historicamente altos. Foi a partir desse patamar que eles dispararam com
o bombardeio de Odessa e outros portos desde a semana passada.
O chefe de gabinete do governo ucraniano,
Andriy Yermak, entende que os ataques aos portos e o bloqueio naval à Ucrânia
provam que o Kremlin “precisa de fome e de problemas no Sul Global”. Para
Yermak, Putin quer ampliar a crise de refugiados que já existe no Ocidente,
causada em parte pelo esfacelamento de países no Norte da África. Seja qual for
o principal objetivo russo, o mundo precisa reagir a mais essa chantagem de
Putin.
Ganha velocidade a corrida pelos minerais
estratégicos
Valor Econômico
As informações disponíveis indicam
potencial do Brasil em cobre, lítio, níquel, cobalto, minerais de terras raras
e grafita
Uma nova corrida do ouro está acontecendo
no mundo todo. Só que o alvo cobiçado são os minerais críticos ou estratégicos,
como são chamados o lítio, cobalto, cobre, grafita, terras raras e níquel,
usados em baterias de carros elétricos, painéis solares, turbinas eólicas e
processos ligados à transição energética. Ao mesmo tempo em que fazem parte da
tecnologia de ponta na produção de celulares e computadores, também são
necessários nos esforços para conter o aquecimento global na produção de carros
e ônibus elétricos e no armazenamento de energia, por exemplo.
China e Estados Unidos já disputam há algum
tempo os minerais críticos, escreveu Geoberto Espírito Santo, da GES
Consultoria, Engenharia e Serviços (Valor 21/7).
A briga ganhou relevo quando a China restringiu as exportações de gálio e
germânio, matérias-primas para a fabricação de chips, em resposta à decisão dos
Estados Unidos de limitar a exportação de semicondutores. E o governo americano
prepara medidas para rever as cadeias mundiais de suprimento de minerais
estratégicos, em um pacote de quase US$ 370 bilhões.
Com essa briga entre as duas potências e a
escalada da produção dos automóveis elétricos, a demanda por lítio aumentou
300%, a do cobalto, 70% e a de níquel, 40% nos últimos cinco anos. Enquanto um
laptop usa 30 gramas de carbonato de lítio, uma bicicleta elétrica precisa de
300 gramas, um carro elétrico de 50 quilos e um ônibus elétrico, de 200 quilos,
escreveu Geoberto Espírito Santo. A Agência Internacional de Energia (AIE)
estima que a demanda por minerais críticos mais do que dobrará até 2030,
colocando o mercado sob pressão uma vez que os projetos de mineração podem
levar até 20 anos para passar pelas fases de pesquisa, obtenção de licenças,
lavra e refino.
A China parece na frente. O país possui 60%
das reservas de grafite e de outros minerais estratégicos como o lítio,
alumínio, cobre, cobalto, ferro, níquel, ouro e terras raras. Mas em alguns
casos sua capacidade de refino e o consumo de unidades industriais pode superar
a produção. Por isso, os chineses já se movimentam para prospectar os minerais
em outros países, como a África, América Latina e até no solo marinho.
A China tem sido um dos países que mais
pressionam a pouco conhecida Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, que
reúne 168 estados-membros, a liberar a mineração comercial em larga escala em águas
profundas.
Os Estados Unidos não ficam atrás, têm uma
ligeira vantagem em reservas, mas também têm feito investidas em outros países,
buscando matéria-prima para abastecer suas unidades de produção.
Essa corrida fica mais tensa uma vez que os
maiores refinadores nem sempre são os donos das maiores reservas. No caso do
lítio, por exemplo, um dos mais cobiçados e valiosos, a Austrália é responsável
por 52% da produção, mas tem 8% das reservas. A China, com 7% das reservas, tem
13% da produção. As maiores reservas estão na América do Sul, no Triângulo do
Lítio, com 21,5% na Bolívia, no Salar de Uyuni, 20,4% na Argentina, em Salinas
Grandes, Salar Hombre Muerto e Salinas Arizaro, e mais 20,4% no Chile, no Salar
Atacama. Mas apenas Chile e Argentina refinam com 25% e 6%, respectivamente. Os
Estados Unidos têm pouco mais de 12% das reservas e apenas 1% da produção. O
Brasil, com 1% das reservas, produz 1%. São ainda produtores relativamente
relevantes Portugal e Zimbábue, com 1% cada um.
Apesar de concentrar cerca de 60% das
reservas globais de lítio, a América do Sul não refina um terço do mineral.
Essa contradição alimenta um debate sobre a sina dos países com as maiores
reservas terem que se resignar em serem exportadores da commodity bruta para os
países industrializados.
Com algumas exceções como o Chile e o
Brasil, a região não atrai investimentos para projetos de produção de baterias,
veículos elétricos e outras tecnologias de transição verde. Infraestrutura
deficiente e insegurança jurídica desestimulam o capital estrangeiro. Nem têm
recursos para subsidiar iniciativas tecnológicas nessas áreas.
O Brasil tem se saído melhor. Atraiu US$ 5
bilhões em investimentos da chinesa BYD, que instalará na Bahia uma planta para
produzir carros elétricos e baterias. A WEG vai ampliar sua fábrica de baterias
à base de lítio, e investir em infraestrutura de recarga de carros na região
Sudeste. Duas empresas canadenses, uma americana e uma australiana devem operar
no “Projeto Vale do Lítio” no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. A Sigma
Lithium, companhia brasileira com capital aberto em Toronto e na Nasdaq,
anunciou investimentos de US$ 3 bilhões em uma planta de alta tecnologia, que
permite a obtenção de um produto de alto grau de pureza para a produção de
baterias. Outros dois projetos, da Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e da AMG
Brasil, também já estão em produção nessa região.
As informações disponíveis indicam
potencial do Brasil em cobre, lítio, níquel, cobalto, minerais de terras raras e
grafita. No entanto, acredita-se que ele está subdimensionado pela falta de
conhecimento geológico detalhado do território nacional. Além da falta de
pesquisas, há dificuldades de financiamento e de um projeto abrangente para a
área.
Atrás do mandante
Folha de S. Paulo
Delação abre nova frente na investigação
para solucionar assassinato de Marielle
Há cinco anos a sociedade brasileira
pergunta: "Quem mandou matar Marielle Franco?". No dia 14 de março de
2018, a vereadora carioca e o motorista Anderson Gomes foram brutalmente
assassinados. Um ano depois, os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz
foram presos e aguardam julgamento.
Até hoje, as forças de segurança não
conseguiram descobrir de onde partiu a ordem para a execução do crime. Nas
últimas semanas, contudo, a investigação avançou.
Queiroz fez um acordo de delação premiada,
confessou sua participação, deu detalhes sobre os homicídios e implicou
terceiros. Apesar de não apontar o mandante, o depoimento
abre caminhos promissores para solucionar o caso.
Em uma série de depoimentos prestados desde
junho à Polícia Federal e ao Ministério Público do Rio de Janeiro, o acusado
disse que, no dia do crime, foi chamado por Lessa para fazer um trabalho como
motorista e que não sabia que se tratava de um assassinato.
Ambos fizeram campana na Casa das Pretas,
no bairro da Lapa, onde Marielle participava de um evento. Na saída, seguiram o
carro da vereadora, emparelharam e Lessa disparou os tiros.
Queiroz também apontou novos nomes. O
ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa teria sido responsável pela organização do
crime e por obstruções nas investigações.
A delação
deflagrou, na segunda (24), a primeira fase da operação Élpis, com a prisão de
Corrêa, o cumprimento de sete mandados de busca e apreensão e a
intimação de seis pessoas para depoimento.
Outro nome implicado foi o de Edimilson
Oliveira da Silva, conhecido como Macalé. Segundo Queiroz, o policial militar
teria acionado Lessa para executar o crime e estado presente em todas as ações
de vigilância da rotina de Marielle.
Macalé, assassinado em 2021, já havia sido
citado na CPI das milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, cujo
relatório final, de 2008, pediu o indiciamento de 266 pessoas, sendo 7
políticos.
Pesquisa da Universidade Federal Fluminense
mostra que, entre 2006 e 2021, a zona de
atuação das milícias na capital do RJ cresceu quase 400%, chegando a
cerca de 256 km² e superando a área do Comando Vermelho (206 km²).
Marielle era uma voz ativa contra a
atividade de milícias e do crime organizado em comunidades pobres da sua
cidade, e pode ter pagado com a vida por isso.
O assassinato de uma vereadora eleita pelo
voto popular é não apenas um crime contra a vida, mas, simbolicamente, também
um atentado contra a democracia.
É imperativo, portanto, que o Estado
solucione o caso. A sociedade brasileira merece saber quem mandou matar
Marielle Franco.
Nota em alta
Folha de S. Paulo
Agência sobe avaliação do Brasil; cita
reformas que o PT criticou e regra fiscal
Depois da agência de classificação de risco
S&P ter elevado a perspectiva para a economia brasileira em junho, sem
alteração na nota de crédito, foi a vez da
congênere Fitch dar um passo mais firme e melhorar a posição do país.
Ainda dois patamares abaixo do almejado
grau de investimento, que foi perdido em 2015 e designa locais seguros na
métrica internacional, a nova nota (BB) reconhece que as condições do Brasil,
embora difíceis, não são intratáveis se houver seriedade e persistência na
realização de reformas e controle das contas públicas.
Essas razões, aliás, foram elencadas pela
Fitch. Melhorias regulatórias desde 2015-2016, incluindo as reformas
trabalhista e da Previdência, além da
autonomia do Banco Central, tão criticadas pelo PT, fazem parte do
rol de avanços que precisam ser preservados.
A agência
cita ainda como promissor o novo marco fiscal apresentado pelo atual governo.
Embora com desafios, é esperada gradual restauração do superávit nas contas e
crescimento menor da dívida. Esse é o ponto crítico de fragilidade, dado que o
endividamento brasileiro é superior ao padrão de outras economias de nota
similar (73,6%, ante mediana de 56%).
Outro destaque é a mudança na cobrança de
impostos sobre bens e serviços, prioridade atual do Legislativo, com potencial
de impulsionar o crescimento e o emprego.
Também é reconhecida melhor perspectiva
para a atividade econômica. A agência aumentou sua projeção para a alta do PIB
neste ano de 0,7% para 2,3%, com tendência estrutural de 2% a partir de 2025.
Se confirmados, serão resultados relativamente positivos.
Há boas expectativas em relação à agenda
ambiental e climática, ponto em que o Brasil pode se destacar e atrair capitais
em montantes elevados depois do longo isolamento ocasionado pela pauta
destrutiva de Jair Bolsonaro (PL).
Por fim, o balanço entre Poderes, com
limitação de uma agenda mais intervencionista e potencialmente danosa ao
crescimento é uma aposta da agência, que pode se mostrar realista ou prematura.
Cumpre ao governo receber a melhora da nota como um sinal de confiança e resultado de esforços passados, que devem ser vistos como agenda de Estado. Seria erro crasso tratar a medida como endosso ao retorno de políticas irresponsáveis que tantos prejuízos trouxeram ao país nos anos finais dos mandatos petistas anteriores.
Paternalismo inconstitucional
O Estado de S. Paulo
A pretexto de proteger direitos, o ministro Alexandre de Moraes atropela competências constitucionais e define de cima para baixo políticas públicas sobre pessoas em situação de rua
No Estado Democrático de Direito, não
existe poder ilimitado. Todos os Poderes estão sujeitos a regras de
competência. No entanto, é cada vez mais difícil que se respeitem esses
limites. Parece sempre haver um bom motivo para justificar a exceção.
Recentemente, o ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que União, Estados e
municípios adotem uma série de medidas em relação à população em situação de
rua. O diagnóstico que levou à decisão é razoável: depois da pandemia, por
vários fatores, cresceu muito o número de pessoas em situação de rua nas
cidades brasileiras, e o poder público, em suas diferentes esferas, tem sido
incapaz – e mesmo omisso – no cuidado dessas pessoas e no respeito a seus
direitos.
Também não há como discordar de Alexandre
de Moraes quando diz que “a atenção à população em situação de rua deve ser
realizada a partir da observância de três eixos: evitar a entrada nas ruas;
garantir direitos enquanto o indivíduo está em situação de rua; e promover
condições para a saída das ruas”. O problema surge quando o ministro entende
que ele sozinho tem poderes para fixar obrigações concretas sobre o tema para a
União, os Estados e os municípios.
Por exemplo, Alexandre de Moraes determinou
que todos os Estados e municípios cumpram imediatamente as diretrizes do
Decreto Federal 7.053/2009, que instituiu a Política Nacional para a População
em Situação de Rua. Com isso, a liminar do magistrado transformou uma política
de livre adesão dos entes federativos em uma obrigação, distorcendo a concepção
do próprio decreto da União.
Para justificar a medida, o ministro do STF
alegou que, até 2020, apenas 5 Estados e 15 municípios haviam aderido a essa
política do governo federal. Ora, a baixa adesão dos entes federativos, com
resistência mesmo daqueles cujos governadores eram então alinhados
politicamente ao governo federal, diz muito sobre o decreto. E não é, de forma
nenhuma, fundamento para tornar a tal política obrigatória. O princípio
federativo não é um adereço que se pode ignorar quando convém.
Entre outras ordens, o ministro Alexandre
de Moraes fixou prazo de 120 dias para que a União elabore um plano de ação e
monitoramento para a implementação da Política Nacional para a População em
Situação de Rua. À primeira vista, parece uma medida boa e razoável, com o
Judiciário obrigando o Executivo federal a agir. No entanto, ela distorce o
funcionamento do regime democrático. Em vez de uma lei aprovada pelos
representantes eleitos, é a decisão de um único juiz que fixa os parâmetros de
atuação do Executivo.
A bem da verdade, esse tipo de medida
judicial é ingênuo e disfuncional. A canetada de um ministro do STF não resolve
nem reduz o drama da população em situação de rua, que tem inúmeras
particularidades. Não é por capricho que a Constituição encarregou a
administração municipal de cuidar das questões locais. Quando o Judiciário
avança sobre a esfera alheia, o resultado é a irresponsabilidade política do
poder público e da própria população, que se vê autorizada a ficar indiferente
ao problema. Já existe um juiz em Brasília determinando o que se deve fazer.
Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes
menciona “a violação maciça de direitos humanos, a indicar um potencial estado
de coisas inconstitucional”. É preciso cuidado com o tema. De outra forma, a
Constituição de 1988 deixará de ser cidadã para se tornar paternalista. A
rigor, todos os dramas sociais são inconstitucionais, uma vez que contradizem
valores e direitos previstos na Constituição. Mas isso não autoriza que o
Judiciário substitua, menos ainda por decisão liminar, o Executivo e o
Legislativo.
O descuido com os limites constitucionais
pode ser visto num ponto aparentemente pequeno, mas significativo, da decisão.
Juntamente com o PSOL e a Rede, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) é
um dos autores da Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional. Apesar de
o MTST não ter legitimidade para ajuizar essa ação, Alexandre de Moraes não se
manifestou sobre o assunto.
O ministro dos sindicatos
O Estado de S. Paulo
Marinho informa que o governo prepara
projeto para ‘revisar pontos’ da reforma trabalhista, justo os que modernizaram
as relações de trabalho e acabaram com a boquinha sindical
O governo Lula da Silva, na prática, não
tem um ministro do Trabalho, mas uma espécie de “ministro dos sindicatos”. O
histórico do sr. Luiz Marinho é conhecido. Mas, se ainda havia alguma dúvida
sobre os reais interesses que ele representa no primeiro escalão da
administração federal, uma recente entrevista concedida ao portal Jota serviu
para escancarar que, entre a genuína defesa dos interesses dos trabalhadores e
o resgate dos privilégios das guildas, o sr. Marinho não vacilará nem por um
instante. Caso prosperem suas propostas, perderão os trabalhadores, em
particular a esmagadora maioria não sindicalizada.
Entre barbaridades e distorções da
realidade factual ditas sobre a atual legislação trabalhista, durante a
entrevista o sr. Marinho ainda encontrou espaço para ameaçar o País com um
rematado retrocesso. No Ministério do Trabalho, disse ele ao Jota, está em
preparação um projeto de lei a ser apresentado ao Congresso com o objetivo de
“revisar alguns pontos” da Lei 13.467/2017, a chamada reforma trabalhista. O
marco legal, aprovado pelo Congresso durante o governo de Michel Temer,
reformulou com absoluto sucesso a anacrônica Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT).
O ministro do Trabalho, a bem da verdade,
sabe que não tem a mínima força para propor e, menos ainda, ver prosperar um
“revogaço” da reforma trabalhista, como manifestamente ele e outros petistas
desejavam. Diante da realidade implacável, o sr. Marinho sinalizou, então, que
se daria por satisfeito com as tais alterações pontuais. Seriam elas: a volta
do chamado “imposto sindical”, ainda que dissimulado; o aumento das restrições
para a terceirização de serviços, que o ministro comparou à escravidão, nada
menos; e o fim do primado do negociado sobre o legislado, instituído pela Lei
13.467/2017, entre outras.
Ora, como se vê, por “pontuais” o sr.
Marinho entende mudanças que feririam de morte a essência de uma reforma que,
entre muitos acertos, trouxe uma legislação trabalhista que remontava à década
de 1940 para a realidade laboral do século 21.
É próxima de zero a chance de aprovação
pelo Congresso de um projeto de lei com o escopo de alterar uma reforma
modernizadora como foi a trabalhista. Pouco importa, no entanto, que um projeto
desse jaez jamais venha a ver a luz do dia. Mais preocupante é a sinalização de
que há no seio do governo federal essa mentalidade orientada para o atraso, a
sanha vã de destruir todo o bom arcabouço jurídico-normativo que foi
implementado no País durante o tempo em que o PT esteve fora do poder central.
A menos que o sr. Marinho seja desautorizado pelo presidente Lula da Silva,
pode-se considerar que a intenção de revogar a reforma trabalhista tal como ela
foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo expresidente Michel Temer é a
posição oficial do governo federal.
“A reforma que o Temer fez é devastadora do
ponto de vista de direitos”, afirmou o sr. Marinho, sem esconder que sua
preocupação maior é dar sobrevida a um discurso político que foi superado pela
transformação do mundo do trabalho e pela própria obsolescência de sua ideia de
“direitos”. Não importa para o sr. Marinho que, no mundo dos fatos, com a
promulgação da reforma trabalhista, se deu exatamente o oposto: uma massa de
trabalhadores que não tinham seus direitos assegurados por lei passou a tê-los,
como atesta um sem-número de evidências colhidas por instituições insuspeitas,
como, por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Portando-se menos como um ministro de
Estado e mais como líder sindical, o sr. Marinho finge ignorar que a aprovação
da reforma trabalhista pelo Congresso reflete, antes de tudo, um desejo da
sociedade brasileira. Não foi Temer quem “fez” a reforma; o Executivo a propôs,
o Legislativo a aprovou e, quando provocado, o Judiciário atestou sua
constitucionalidade. Logo, o palavrório do ministro sindicalista, que fala em
nome de Lula até prova em contrário, é só esperneio de quem tem saudade da
legislação trabalhista que atravancava o País e ensejava a boquinha sindical.
O desafio de taxar os super-ricos
O Estado de S. Paulo
Governo deve tratar o tema com cautela para não perder uma importante fonte de arrecadação
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
decidiu apresentar um novo projeto de lei para tributar fundos de investimento
exclusivos. A proposta será enviada ao Congresso em agosto, junto com o
Orçamento. Embora não haja uma previsão sobre o quanto poderá ser arrecadado
com a medida, o governo a considera fundamental para cumprir a meta de zerar o
déficit primário em 2024.
Os fundos de investimento exclusivos
pertencem a poucos cotistas e detêm um expressivo volume de ativos, superior a
R$ 10 milhões. São instrumentos costumeiramente adotados pelos “super-ricos”
para preservar o patrimônio e transmiti-lo aos herdeiros. Ao contrário dos
fundos abertos, em que há incidência de impostos sobre o rendimento a cada seis
meses – o chamado “come-cotas” –, eles ficam livres de tributação até o momento
do resgate do dinheiro, o que pode levar anos para ocorrer.
Não é a primeira vez que o governo federal
tenta tributar os fundos de investimento exclusivos. A administração Michel
Temer quis fazê-lo por uma medida provisória, que acabou por caducar; depois,
por um projeto de lei, que tampouco avançou no Congresso. À época, como haveria
incidência de impostos sobre os rendimentos acumulados desde a criação dos
fundos, a previsão de arrecadação era de R$ 10,75 bilhões, divididos entre
União, Estados e municípios. No governo Bolsonaro, o projeto de reforma do
Imposto de Renda (IR) – que incluía a taxação desses fundos – chegou a ser
aprovado na Câmara, mas travou no Senado.
Ao segregar o tema dos fundos de
investimento em um projeto de lei específico, a estratégia do ministro Haddad
parece ser isolar os “super-ricos”. Afinal, a segunda etapa da reforma
tributária já deverá enfrentar muita resistência, sobretudo entre a classe
média – que pode perder benefícios como a dedução de despesas em saúde e
educação e a tributação menor para profissionais liberais que atuam como
empresas.
“Você acha normal? Ele lega as cotas do
fundo aos descendentes e não paga Imposto de Renda nunca”, disse Haddad à
Folha. “Como é que um país com tanta desigualdade isenta de IR o 1% mais rico
da população?”, questionou. Taxar os fundos exclusivos, de fato, vai ao
encontro de uma carga tributária mais justa e progressiva, mas isso nem de
longe significa que o projeto não enfrentará dificuldades.
Na dúvida, os investidores já começaram a
reagir. Segundo informações da plataforma de investimentos Trademap, os fundos
exclusivos com um único cotista detêm um patrimônio de R$ 756 bilhões, ou 12,3%
do total da indústria de fundos. No ano passado, eles registraram uma captação
líquida positiva de R$ 6,15 bilhões. De janeiro a julho deste ano, porém, o
resultado está negativo em R$ 27,2 bilhões, o que sugere, segundo a Trademap,
um movimento de resgates em antecipação à possibilidade de a tributação vir a
ser majorada.
O tema é tão relevante quanto delicado, e cabe ao governo tratá-lo com cautela e responsabilidade para não perder uma importante fonte de arrecadação – seja pela rejeição que o tema desperta no Congresso, seja pela fuga de investimentos.
Educação contra a gravidez precoce
Correio Braziliense
Ministério da Saúde anuncia a retomada do
programa Saúde nas Escolas, que abordará educação sexual, prevenção de
violência e acidentes, saúde mental e promoção da cultura de paz e direitos
humanos
A cada uma hora, nascem 44 bebês de meninas
adolescentes no Brasil — sendo que, entre elas, pelo menos duas mães têm entre
10 e 14 anos. A taxa nacional é de 68,4 nascimentos para cada mil jovens entre
15 e 19 anos. A estimativa é de que mais de 400 mil se tornam mães por ano no
país, segundo os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS).
A maternidade precoce é arriscada às jovens
mais novas, quando o organismo está em processo de formação e amadurecimento.
Além disso, por falta de precaução e de informação, elas podem contrair
infecções sexualmente transmissíveis (IST). Hoje, no país, há uma baixa adesão
aos programas de vacinação — um dos graves danos colaterais das fake news. Não
à toa, a maioria dos mais de 700 mil mortos pela covid-19 era de pessoas que
rejeitaram a vacina.
Igual situação se repete nas campanhas de
imunização contra doenças preveníveis, que inclui as infecções sexualmente
transmissíveis (IST), como HPV e hepatites virais B e C. Para as outras
enfermidades — herpes genital, sífilis, gonorreia, tricomoníase, infecção pelo
HIV —, há tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A recomendação básica,
para evitar infecção, é o uso de preservativo interno e externo.
As adolescentes, entre 10 e 13 anos, são a
maioria das vítimas de estupros. Em 2021, foram registrados 66.020 casos de
violência sexual — aumento de 4,2% em relação a 2020 —, sendo que 75,5% eram
vulneráveis e sem capacidade de consentir o abuso, e 61,3% tinham até 13 anos.
Não faltam casos de crianças que engravidaram após a violência sexual.
Embora seja um problema de saúde pública, a
maternidade precoce faz interface com a educação. Meninos e meninas não são, em
maioria, orientados e educados sobre sexualidade. Em muitos lares, o tema é um
tabu, ainda que se tenha um quadro alarmante, que coloca o Brasil na segunda
posição no ranking mundial de gravidez na adolescência, atrás da Venezuela.
Para tentar romper esse círculo
desvirtuoso, o Ministério da Saúde anunciou que será retomado o programa Saúde
nas Escolas, que abordará educação sexual, prevenção de violências e acidentes,
saúde mental, promoção da cultura de paz e direitos humanos. A meta do governo
é atingir 25 milhões de estudantes. De acordo com o governo, 99% das cidades
brasileiras estão habilitadas a receber os recursos. No total, são 90,3 milhões
aos municípios que aderiram ao programa. Cada prefeitura receberá R$ 1 mil a
mais a cada grupo de 800 estudantes de escolas e creches públicas, em que haja
alunos em medida socioeducativa ou que tenha 50% de alunos do Bolsa Família.
A iniciativa do Ministério da Saúde se
revela indispensável, sobretudo para as camadas mais pobres da sociedade.
Nesses grupos, a adolescente grávida nem sempre tem apoio da família — muitas
são expulsas de casa, os pais biológicos também as rejeitam. Jogada nas ruas, a
jovem abandona ou é forçada a deixar a escola. E assim começa uma trajetória que,
quase sempre, leva a um desfecho trágico. Impõe-se agregar ao programa
atividade de esclarecimento e orientação aos pais e responsáveis sobre a
importância da educação, como medida preventiva das gestações indesejadas.
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