terça-feira, 4 de julho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula é incoerente ao julgar democracia ‘conceito relativo’

O Globo

Declaração é inaceitável depois de campanha eleitoral em que ele lutou contra ameaça antidemocrática

A condescendência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as barbaridades da ditadura venezuelana chegou ao absurdo. Ao tentar justificar seu apoio ao ditador Nicolás Maduro, Lula afirmou em entrevista à Rádio Gaúcha que a Venezuela tem mais eleições do que o Brasil e que “o conceito de democracia é relativo”.

A declaração é ainda mais inaceitável depois de uma campanha eleitoral em que a promessa de defender a democracia, ameaçada por Jair Bolsonaro, atraiu para Lula o apoio de diversas tendências ideológicas. Lula venceu, e felizmente as instituições brasileiras têm se encarregado de punir Bolsonaro pelos arroubos golpistas — o TSE já o tornou inelegível por oito anos. Permanece no ar, porém, a pergunta: Lula teria reunido frente tão ampla se as declarações sobre a democracia “relativa” tivessem vindo à tona na época?

O regime chavista comandado por Maduro não passa nem perto de ser democrático. Nem um dia depois da declaração estapafúrdia de Lula, a ex-deputada venezuelana María Corina Machado, principal nome da oposição ao chavismo, foi inabilitada politicamente. Com mais de 50% das intenções de voto nas primárias, ficou inelegível por 15 anos sem ter feito nada que justificasse a punição. A Controladoria de Justiça, aparelhada pelo governo, tem se incumbido de abrir caminho à “democracia” de Maduro determinando a cassação de uma extensa lista de opositores, que inclui, além dela, Henrique Capriles e o ex-deputado Juan Guaidó.

É ridículo dizer que na Venezuela há mais eleições que no Brasil para justificar o injustificável. Primeiro, número de eleições não é termômetro de democracia. Segundo, todo mundo sabe como são as eleições venezuelanas, organizadas para dar aparência de democracia a um jogo de cartas marcadas. Ou alguém duvida que o chavismo só faz eleição para se perpetuar no poder?

Lula ascendeu politicamente no período pós-ditadura, elegeu-se deputado constituinte e três vezes presidente pelo voto direto. Deveria saber que democracia não é conceito relativo ou elástico. Ou é ou não é. Não pode ser considerado democracia um país que mantém presos políticos, persegue opositores, sufoca a imprensa livre, despreza a independência dos Poderes e aparelha as instituições para eliminar qualquer foco de resistência.

Uma coisa é manter relações diplomáticas e comerciais com a Venezuela. Outra, bem diferente, é a bajulação inexplicável ao ditador de um regime cujas violações de direitos humanos estão fartamente documentadas. A recepção a Maduro em Brasília durante reunião de chefes de Estado em maio foi vergonhosa. Nenhum outro presidente foi tratado com tamanha deferência. Pior: num discurso repleto de equívocos, criticado até por líderes de esquerda, Lula referiu-se ao encontro como “momento histórico” e chamou de “narrativa” a constatação de que a Venezuela não vive sob regime democrático.

É conhecida a benevolência com que o PT trata as ditaduras amigas de Venezuela, Cuba e Nicarágua. Lula precisa mudar o tom, especialmente à luz dos últimos eventos na Venezuela. É incoerente quem foi eleito empunhando a bandeira democrática chamar de democracia um regime cujo retrocesso autoritário é repudiado no mundo todo.

Voltar a investir na refinaria Abreu e Lima é repetir erros já cometidos

O Globo

Descalabro desvendado pela Lava-Jato mostra como interferência política gera prejuízos bilionários

É como se o simples fato de Luiz Inácio Lula da Silva estar de novo no Planalto de repente transformasse a realidade econômica e fosse capaz de tornar viáveis ideias péssimas que já fracassaram. Eis que estão de volta a intervenção no preço de combustíveis, os subsídios para automóveis, para a indústria naval e agora, como se tudo isso não bastasse, a Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco.

A Rnest ficou conhecida por duas características. Primeiro, foi um dos maiores focos da corrupção desmascarada na Petrobras pela Operação Lava-Jato. Segundo, foi uma das obras que mais atrasaram — até hoje não está pronta — e um dos maiores ralos de dinheiro de que se tem notícia. Orçada inicialmente em US$ 2 bilhões, consumiu US$ 22 bilhões até que, no governo Michel Temer, a Petrobras teve o bom senso de excluí-la de seu plano de investimentos. Agora, sob o pretexto de reduzir as importações de diesel, voltou a incluir.

Em abril de 2022, a Petrobras decidiu fazer uma última rodada de investimentos para tornar a Rnest mais atraente aos compradores. Ela estava à venda, com outros ativos da estatal, para ajudar a reduzir o endividamento e permitir apostar em negócios mais promissores no futuro. Mas, uma vez no poder, o PT desistiu de privatizar as refinarias, para apostar num negócio que já deu errado no passado.

Entre 2007 e 2014, nas gestões petistas, a Petrobras investiu em refino quase 70% de todos os recursos que destinou à atividade desde que foi criada, em 1953, segundo documentou um estudo dos economistas Adriano Pires, Samuel Pessôa e Luana Furtado, publicado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas. O retorno desse investimento foi ridículo. Entre 1954 e 1999, a estatal investiu US$ 24,7 bilhões (em preços de 2012) para refinar 2,03 milhões de barris por dia. Entre 2003 e 2015, gastou mais que o quádruplo — US$ 100 bilhões — para ampliar o refino em menos de 20%, ou 400 mil barris diários.

Parte da história desse descalabro empresarial foi desvendada pela Lava-Jato, ao demonstrar como a interferência política na estatal, sob a influência das empreiteiras, acarretou desvios bilionários. Outra parte está na decisão de construir a Rnest em si. O projeto da refinaria em Pernambuco foi decidido numa conversa entre Lula e o caudilho venezuelano Hugo Chávez. Ficou acertado que se chamaria Abreu e Lima, em homenagem a um general brasileiro que lutou pela independência de vários países da América Latina, inclusive a Venezuela, e que o governo Chávez participaria do investimento.

A promessa jamais foi cumprida. Assim como jamais a Rnest foi capaz de dar sinais de que recuperaria os investimentos recebidos. Agora o novo Conselho de Administração da Petrobras acaba de considerar que a refinaria tem “atratividade econômica confirmada” e determinou novos investimentos, de acordo com a política de “reindustrialização” do governo. Sem maiores preocupações com custos, rentabilidade ou produtividade. Replay de uma história conhecida.

Complexidade do Desenrola desafia avanço do programa

Valor Econômico

Um grande esforço deverá ser feito para tornar a sistemática compreensível para os endividados

Saiu finalmente da gaveta o programa Desenrola Brasil, promessa de campanha do governo Lula para ajudar as pessoas a enfrentarem o elevado endividamento - e são muitas. Segundo dados recentes da Serasa Experian eram 71,9 milhões de pessoas inadimplentes em maio, pouco mais de 40% da população adulta. O número cresceu 8% em um ano, impulsionado pelo aumento dos juros, dos preços, da economia instável e do mercado de trabalho incerto.

Os números do Banco Central (BC) vão na mesma direção. O endividamento das famílias permaneceu em 48,5% em abril, estável no mês e com recuo de 1,4 ponto em doze meses. Mas o comprometimento de renda aumentou 0,3 ponto no mês e 1,7 ponto em doze meses, situando-se em 27,9%, o maior percentual da série histórica, iniciada em maio de 2011.

O levantamento da Serasa Experian mostra que os endividados acumulavam R$ 345,7 bilhões negativados, não pagos, o que dá R$ 4,8 mil para cada um. Nada menos do que 31,9% do total são dívidas contraídas junto a instituições financeiras e cartões de crédito. Serviços públicos representam 21,45% e há 11,3% em compromissos junto ao varejo.

As mulheres superam os homens em endividamento, com 50,3% em comparação com 49,7%. A faixa etária com as maiores fatias da população com nome restrito vai de 41 a 60 anos, representando 34,8%. As pessoas com 26 a 40 anos representam 34,7% do total de inadimplentes e a faixa etária acima de 60 anos fica com 18%.

Outro termômetro do endividamento é a inadimplência junto aos bancos. A inadimplência média das operações de crédito com recursos livres e direcionados foi de 3,6% em maio, com alta de 0,1 ponto em relação a abril. Mas, no caso do crédito livre para as famílias, aumentou 1,2 ponto em doze meses e atingiu 6,3%, o maior patamar desde junho de 2013.

A Serasa Experian avalia que o endividamento elevado contribui para reduzir a demanda por empréstimos - até porque com ficha negativa fica difícil levantar novos recursos. Os números do Banco Central confirmam a desaceleração. A própria projeção do BC embute um freio nos próximos meses uma vez que prevê para o ano aumento de 7,7% no estoque de crédito neste ano, praticamente metade do crescimento de 14,3% registrado em 2022.

Enquanto isso, as taxas de juros não dão trégua, especialmente para as pessoas físicas. Na faixa dos recursos livres, a taxa média variou de 45,1% em abril para 45,5% em maio na média, chegando a 59,9% para as pessoas físicas. Há linhas mais salgadas do que outras e estão na mira do Banco Central. Depois de ter disciplinado o cheque especial, o BC agora olha o cartão de crédito, especialmente o rotativo, cuja taxa saltou dos já exorbitantes 447,3% ao ano de abril para 455,1% em maio, o maior patamar desde 2017.

Assim como o cheque especial, o rotativo do cartão é uma modalidade para emergências, quando a pessoa não paga o valor total da fatura na data do vencimento do cartão de crédito. Mas representa 14% do total de R$ 504,9 bilhões do saldo dos recursos fornecido pelos cartões em maio. A taxa mensal pouco acima de 15% supera a própria Selic. A inadimplência nesse caso chega a quase um terço do saldo.

O mercado receia um tabelamento do rotativo e culpa a prática do parcelado. Fontes do Ministério da Fazenda vêm afastando essa possibilidade, mas admitem que podem insistir na transparência das informações para que o cliente visualize o impacto dos juros nas suas contas, e viabilizar a portabilidade das operações.

O governo está jogando todas suas fichas, porém, no Desenrola Brasil, programa dirigido aos endividados que já não conseguem manter as contas em dia. O programa terá duas faixas. A faixa 1 valerá para as dívidas de até R$ 5 mil para pessoas que recebem até dois salários mínimos ou que estejam inscritas no Cadastro Único, e o juro máximo será de 1,99% ao mês. A faixa 2 é para pessoas com rendas salariais mais altas, até R$ 20 mil, e envolve apenas dívidas bancárias. Mas nem todas as dívidas estão incluídas. Ficam de fora o crédito rural e o imobiliário. As dívidas até R$ 100 serão perdoadas dentro do programa, e essas pessoas poderão sair dos cadastros de inadimplentes.

O programa é bem-vindo, embora tenha regras complexas e não ataque de frente as origens do problema, entre as quais o juro alto e distorções do mercado financeiro. Um grande esforço deverá ser feito para tornar a sistemática compreensível para os endividados. É necessário, por exemplo, se cadastrar na plataforma de negociação que está sendo desenvolvida para viabilizar os leilões de crédito. Os créditos da faixa 1 serão negociados apenas por meio eletrônico.

O governo tenta atrair a participação dos bancos com o aval do Fundo de Garantia das Operações (FGO) do governo federal para a faixa 1. Já a negociação da faixa 2 dará direito a um “crédito presumido”. Os maiores já aderiram. Alguns passos operacionais prévios devem ser dados, e o programa só deve começar a funcionar em setembro. O otimismo com o sucesso do Desenrola Brasil deve ser moderado. A experiência da Serasa Experian em seus feirões de renegociação é ter aliviado a vida de 2,8 milhões de pessoas em 12 meses.

Ditadura absoluta

Folha de S. Paulo

Inelegibilidade de rival de Maduro expõe natureza do regime que Lula relativiza

A Controladoria-Geral da Venezuela estendeu a pena de inelegibilidade da ex-deputada María Corina Machado para 15 anos, tirando do páreo a principal adversária do ditador Nicolás Maduro do pleito presidencial do ano que vem.

A decisão, acerca de miudezas administrativas, somou-se ao impedimento de dois outros potenciais concorrentes oposicionistas, Henrique Capriles e Juan Guaidó, na disputa —que, ao que tudo indica, pode até ser suspensa.

O anúncio ocorreu na sexta-feira (30), em momento oportuno para expor a Luiz Inácio Lula da Silva e seus aliados da esquerda nacional a verdadeira natureza do regime que insistem em defender.

Na véspera, o presidente havia concedido uma entrevista na qual novamente desfiou a ideia tortuosa de que, por ter eleições, a Venezuela seria uma democracia. Ora, já nos governos de Hugo Chávez tal alegação era discutível, e Maduro opera em modo ditatorial pleno desde 2017, solapando instituições.

Não satisfeito, Lula ainda emulou uma declaração do general Ernesto Geisel, penúltimo governante da ditadura militar brasileira, ao afirmar que "o conceito de democracia é relativo".

A incapacidade do petista de formular pensamento crítico ante as ditaduras esquerdistas é histórica, como a defesa intransigente do regime comunista de Cuba prova.

Tal postura gera impacto na diplomacia brasileira: em março, o assessor lulista Celso Amorim visitou Maduro e voltou convencido de que o ambiente em favor das eleições era vibrante.

Ainda na fatídica quinta (29), Lula participou de uma reunião do Foro de São Paulo, que reúne vertentes da esquerda democrática e autoritarismos latino-americanos de vários graus no mesmo clube.

"Eles nos acusam de comunistas achando que nós ficamos ofendidos com isso. Isso nos orgulha muitas vezes", disse. Por evidente, Lula nunca foi comunista, mas certamente inábil na retórica tem sido.

A fala é prato cheio para o bolsonarismo, que explora sentimentos de alcance nada desprezível —como atestou o Datafolha ao apurar que 52% dos eleitores temem que o Brasil possa abraçar o comunismo.

A verborragia escancara o relativismo de Lula quanto a valores democráticos no campo externo, justo quando um adversário local das instituições, Jair Bolsonaro (PL), perdia direitos políticos pela campanha contra o sistema eleitoral.

No caso venezuelano, não se trata de imitar o ex-presidente e cortar relações. Se for do interesse nacional, é possível ter diálogo com ditaduras —quando não imperativo, como ocorre com a China. Daí a menosprezar o caos humanitário gerado pelo tirano de Caracas, contudo, há larga distância.

PAC que não é PAC

Folha de S. Paulo

Programa de infraestrutura precisa de realismo e amparo na participação privada

Com um misto de propaganda saudosista e necessidade real, o governo Luiz Inácio Lula da Silva rebatizou, relançou ou recauchutou programas que marcaram as administrações petistas, como Bolsa Família, Mais Médicos e Minha Casa, Minha Vida. Chegaria, obviamente, a vez do famigerado PAC.

Neste último caso, porém, o que se prepara parece algo diferente da experiência passada. A ministra Simone Tebet, do Planejamento, anunciou que haverá "um novo PAC, que não vai ser um PAC". Ou, mais precisamente, "uma política de investimentos, não só de investimentos públicos, mas também de parceria com a iniciativa privada".

Ainda que Tebet não tenha entrado em detalhes sobre a iniciativa, a história fornece boas pistas. Lançado em 2007, no segundo governo Lula, o Programa de Aceleração do Crescimento caracterizou uma fase de euforia econômica e aceleração, ainda maior, do gasto público —que anos depois levaria a um colapso orçamentário.

Tratava-se, basicamente, de uma lista de obras públicas de infraestrutura tidas como prioritárias e que poderiam ficar a salvo das regras de controle das despesas. O rol de empreendimentos, que aumentava a cada ano, serviu também para a campanha eleitoral de Dilma Rousseff (PT), "a mãe do PAC".

Num período de fartura de recursos, o programa contribuiu de fato para elevar o investimento público —aí considerados União, estados, municípios e empresas estatais— de 2,8% do PIB em 2007 para um pico de 4,7% em 2010.

Ficou muito longe, entretanto, das metas traçadas —e expôs ineficiências crônicas dessa modalidade de gasto do país, como burocracia, projetos falhos, atrasos e desvios. Sob Dilma, o prometido crescimento econômico minguou.

Hoje não há mais espaço no deficitário Orçamento federal para um programa grandioso de obras públicas.

A expansão do Bolsa Família, a valorização do salário mínimo, o reajuste dos vencimentos do funcionalismo e o avanço das emendas parlamentares reduziram ainda mais as verbas de livre uso.

As deficiências nacionais em infraestrutura, todavia, permanecem e demandam a ação do Estado.

Espuma publicitária à parte, o governo fará bem em definir investimentos prioritários, aperfeiçoar a gestão, estabelecer metas e divulgar periodicamente os resultados. Melhor, a declaração de Tebet indica o entendimento de que a participação privada será essencial.

A hora da reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Aprovação da reforma tributária pela Câmara não será uma vitória de Lira ou de Lula, mas de toda a sociedade brasileira. Que os deputados saibam a responsabilidade que têm em mãos

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), incluiu a reforma tributária na pauta de votações desta semana. Serão dias decisivos para que o País possa deixar para trás um sistema disfuncional, regressivo e complexo, que reúne tantos defeitos que seria impossível descrevêlos neste espaço, e finalmente figurar entre os países que aplicam um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) sobre bens e serviços, modelo conhecido por reduzir a burocracia, facilitar investimentos e estar alinhado às melhores práticas internacionais.

O texto apresentado pelo relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), prevê o IVA dual, com uma parcela administrada pela União e outra por Estados e municípios. Para dar fim à nefasta guerra fiscal, a cobrança não mais incidirá na origem, mas no destino. Haverá um período de transição até que o sistema possa ser integralmente implementado; nesse intervalo, os benefícios já concedidos serão mantidos, e o governo federal, tradicionalmente refratário a pagar parte da conta, aceitou dar sua parcela de contribuição a fundos que compensarão os entes federativos prejudicados.

O novo imposto terá uma alíquota única como regra geral. Alguns segmentos terão porcentuais reduzidos em 50%, outros ficarão isentos. Haverá também um imposto seletivo, aplicado sobre bens e serviços cuja compra o governo quer desestimular, como cigarros e bebidas alcoólicas. Regimes paralelos, como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus, serão mantidos. Muitos detalhes da reforma ficarão para etapas posteriores e serão tratados por meio de projetos de lei complementar – entre eles a alíquota geral, dependente de cálculos a serem realizados pela Receita Federal.

Na falta de argumentos contundentes contra a essência do parecer, os críticos têm tentado estender as discussões e adiar a apreciação da reforma até que suas demandas sejam contempladas. Intensivo em mão de obra, o setor de Serviços prevê milhões de demissões a depender da alíquota a ser definida e, por isso, defende a desoneração da folha de pagamento como forma de compensação – tema que não é tratado nesta etapa da reforma. Já a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) diz que a tributação sobre os itens da cesta básica vai aumentar, desconsiderando a redução de custos ao longo da cadeia do setor.

Governadores de Estados mais ricos, como São Paulo, se colocam contra o Conselho Federativo, pilar da reforma tributária, para manter o recolhimento de tributos que não mais lhes pertencerão. Todos esses pontos têm sido rebatidos pelo secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

O debate é obviamente indispensável, mas não é difícil perceber que por trás de muitas das críticas à reforma tributária não está a intenção de aperfeiçoar o texto, e sim obnubilar um inédito clima favorável à aprovação do projeto, deixando tudo como está. “Vamos ser honestos, não precisa de mais tempo. Ou a gente vota a reforma ou não vai votar a reforma. Não são mais 15 dias que vão resolver a questão”, resumiu, em entrevista ao Estadão, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), autor da proposta apresentada ao Legislativo em 2019.

Foram mais de 30 anos até que houvesse convergência entre o Legislativo e o Executivo sobre a reforma tributária, período no qual o crescimento econômico se caracterizou por voos de galinha – com picos cada vez mais baixos e vales cada vez mais profundos. Esse desempenho pífio não é fruto de azar, mas a consequência lógica de um modelo tributário que desestimula a produtividade e a inovação, privilegia setores que se sustentam à base de subsídios e provoca a guerra fiscal entre os Estados.

É evidente que ajustes ao texto são possíveis e desejáveis, como o que o relator pretende acatar para deixar mais claro que não haverá aumento da carga tributária. Mas é chegada a hora de o País fazer uma escolha. Espera-se, portanto, que os deputados saibam o tamanho da responsabilidade que está em suas mãos. A aprovação da reforma tributária não será uma vitória de Lira ou do presidente Lula, mas de toda a sociedade brasileira.

A distância segura entre juiz e seus parentes

O Estado de S. Paulo

Ação de associação de magistrados contra lei que tira juiz de casos cuja parte seja defendida por escritório de parente seu serve só aos interesses desses advogados; cabe ao STF rejeitá-la

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou há alguns dias a julgar uma ação que pode liberar magistrados de todo o País para julgar casos em que as partes sejam clientes de escritórios de cônjuges, parceiros e parentes. A ação, movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), pede que seja derrubado um trecho do Código de Processo Civil (CPC) que prevê impedimento nesses casos.

É peculiar que a AMB se insurja contra uma regra que protege a imparcialidade do juiz. Com a ação, essa entidade não está defendendo os juízes, e sim os interesses dos advogados que são parentes de juízes, de desembargadores e de ministros. Tudo isso em detrimento da autoridade e da isenção da magistratura.

O julgamento da ação da AMB foi suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Até o momento, há dois votos pela constitucionalidade do impedimento e um contrário. Segundo o ministro Gilmar Mendes, que votou pela procedência da ação, a imparcialidade do juiz já estaria resguardada por outras hipóteses de impedimento.

Não há como deixar de notar que, toda vez que o Congresso coloca de fato o dedo na ferida – no caso, identificando a causa da falta de isenção da magistratura e definindo um remédio para o problema –, surge a reação dizendo que a norma é desnecessária ou repetitiva. Na verdade, a ação da AMB só desvela o grande acerto da regra do CPC.

O CPC (Lei 13.105, de 2015) regulamenta o processo judicial civil e estabelece as regras de competência, os deveres de cada parte no processo, os procedimentos para a produção de provas e também as hipóteses de impedimento e de suspeição dos juízes. Sobre esse último tópico, o Congresso determinou que o juiz está impedido de julgar um processo “em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório” (art. 144, VIII).

Foi um avanço importante, que veio proteger a imparcialidade do juiz. Não é uma regra contra os magistrados nem faz uma presunção negativa sobre a atividade jurisdicional. Trata-se apenas do reconhecimento elementar de que, para preservar a isenção do juiz, ele não deve julgar uma causa cuja parte seja defendida por escritório de algum parente seu.

A rigor, mais do que uma completa inovação, a nova hipótese de impedimento é a concretização de um ponto fundamental do Estado Democrático de Direito: a Justiça deve ser imparcial. A Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, estabelece que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei”.

A Constituição de 1988 também protege a imparcialidade do magistrado, por exemplo, ao prever o princípio do juiz natural, ao proibir tribunais de exceção e ao fixar vedações aos magistrados – atividades que, se exercidas por um juiz, diminuiriam sua isenção. E, como estabelece a Lei 13.105/2015, “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição”. Não podia ser diferente. De que serviria um conjunto sofisticado de regras sobre o processo, se a Constituição não fosse respeitada? Se o juiz da causa estivesse numa situação de maior proximidade com alguma das partes?

Tudo isso é cristalino, mas não para a AMB. Na opinião da associação dos magistrados, seria impossível cumprir a norma, o que feriria o princípio da proporcionalidade. Eis aí como se expressa agora a resistência contra melhorias promovidas pelo Congresso. Sem argumentos e sem provas, alegase que não é possível implementar a norma aprovada. A mesma tática tem sido usada contra a figura do juiz de garantias.

Dito tudo isso, é preciso também respeitar as competências. Cabe ao Congresso, e não ao STF, legislar sobre as hipóteses de impedimento.

Repressão homenageada

O Estado de S. Paulo

Ao chancelar tributo ao infame Erasmo Dias, Tarcísio faz inexplicável concessão aos liberticidas

É difícil compreender o que levou o governador Tarcísio de Freitas a sancionar um projeto de lei que homenageia o infame coronel Erasmo Dias, um dos símbolos da linha dura da ditadura militar em São Paulo.

No final de maio, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) atribuiu o nome de Erasmo Dias a um viaduto que passa sobre a Rodovia Manílio Gobbi (SP-284) no trecho de Paraguaçu Paulista, terra natal do falecido militar e parlamentar – que foi secretário de Segurança Pública do Estado entre 1974 e 1979, um dos períodos mais brutais do regime de exceção. O endosso de Tarcísio à ignomínia patrocinada pelos deputados paulistas causa espanto e merece todas as críticas.

Um dos aspectos mais relevantes da transição da ditadura para a democracia foi o empenho dos atores políticos da época de buscar a via da pacificação. Nesse processo, a Lei da Anistia (1979) jogou papel crucial, ao livrar de punição todos os que, durante o regime militar, cometeram crimes políticos. O objetivo era o de seguir adiante sem atiçar ânimos nem ressentimentos. Pois é justamente com a intenção de atiçar ânimos e ressentimentos que os inconformados com a democracia articulam homenagens oficiais a gente do naipe do sr. Erasmo Dias.

Tarcísio nada ganha ao soprar as brasas do radicalismo que o País tanto precisa superar. Pois é isso que representa a distinção conferida a alguém como Erasmo Dias, cuja atuação durante a ditadura foi marcada por violações sistemáticas dos direitos humanos. Prestar tributo a um cidadão com esse histórico afronta os princípios democráticos e, principalmente, desrespeita as vítimas da brutalidade do militar.

O governador não está mais em campanha. Passou o tempo de prestar contas a seu padrinho político, Jair Bolsonaro, o mais notório enlutado pelo fim da ditadura no Brasil, ou de acenar para seus apoiadores radicais. Hoje, é seguro afirmar que Tarcísio não perderia um voto sequer, e tampouco veria seu bom índice de aprovação cair, caso vetasse a homenagem descabida ao coronel Erasmo Dias. A sanção ao projeto de lei tampouco se insere no contexto de formação de uma base de apoio ao governador no Legislativo estadual, um ativo do qual Tarcísio já dispõe desde o início do mandato.

Há poucos dias, a bancada do PT na Alesp apresentou um projeto de lei a fim de revogar a homenagem. Eis uma nova chance, imperdível, para que tanto os deputados estaduais como o governador reflitam sobre o enorme despropósito que é laurear uma figura tão indigna como o coronel Erasmo Dias.

Lideranças políticas, e não apenas em São Paulo, precisam compreender que homenagens públicas extrapolam a esfera privada dos homenageados e se descortinam, aos olhos da sociedade, como importantes gestos simbólicos dos agentes públicos que os exaltam. O exercício do poder exige de parlamentares e governantes a demonstração de inarredável compromisso com os pilares do Estado Democrático de Direito, sobretudo em sua dimensão simbólica.

Prioridade do Mercosul é acordo com União Europeia

Correio Braziliense

A conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia é uma das prioridades do Brasil. Estima-se que cerca de 95% de todos os bens industriais terão o imposto de importação zerado em até 10 anos ao entrarem na União Europeia

A conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia é uma das prioridades do Brasil. Estima-se que cerca de 95% de todos os bens industriais terão o imposto de importação zerado em até 10 anos ao entrarem na União Europeia. Quase três mil terão esse benefício já na entrada em vigor do acordo, ou seja, quase metade dos produtos. Isso ajudará a reverter a curva de desindustrialização do país, o maior problema estrutural da nossa economia, e será um fator decisivo para a recuperação da produtividade de nossa indústria e da complexidade de nossa balança comercial.

Superar as dificuldades para assinatura do acordo será o maior desafio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumirá a presidência temporária do Mercosul nesta 62ª. Cúpula de seus chefes de estado, hoje, em Puerto Iguazú, cidade da tríplice fronteira formada ainda por Foz do Iguaçu e as cidades paraguaias de Ciudad del Este, Presidente Franco e Hernandarias. Também participarão da cúpula os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Mario Abdo Benítez (Paraguai) e Luis Alberto Lacalle Pou (Uruguai).

A agenda do Mercosul é extensa: integração fronteiriça, acordos bilaterais, circulação de bens e serviços e de trabalho nas três fronteiras, fiscalização aduaneira, campanhas de divulgação do destino unificado, campanhas e serviços de saúde pública, entre outras questões. Mas o grande desafio é superar as barreiras criadas para o acordo com a União Europeia, a maior delas relativa à proposta de condicioná-lo aos prazos relativos à questão ambiental, entre os quais está a meta de zerar o desmatamento da Amazônia, compromisso do Brasil. Uma coisa não exclui a outra, mas o retardamento do acordo atrapalha mais do que ajuda a manter a floresta em pé.

O acordo do Mercosul com a União Europeia facilitará as trocas de bens e serviços de maior valor agregado. Além de promover uma zona de comércio livre e moderna, esse mercado de mais de 717 milhões de pessoas representará cerca de 20% da economia mundial e 31% das exportações mundiais de bens. O tratado também estabelecerá regras ambientais de alto padrão e compromissos de ação climática, exequíveis.

A reabertura de todo o processo de negociação pela União Europeia, depois de duas décadas de discussão, seria um retrocesso. Concluído em princípio em 2019, o acordo celebra compromissos comerciais equilibrados, para impulsionar a integração competitiva entre os dois blocos. Essa questão é crucial para o Brasil, porque a concentração da pauta comercial brasileira nas commodities é negativa.

Em termos geopolíticos, o acordo fortalecerá o multilateralismo e mitiga a armadilha da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, nossos dois principais parceiros comerciais. Fomentará a abertura de novos mercados para exportações e tornará mais acessível o acesso a insumos produtivos. Também aprofundará a cooperação em áreas estratégicas, como sustentabilidade, energia, segurança, PMEs e outras. O ideal é fechar o acordo ainda neste ano, tendo em vista que a eleição do Parlamento Europeu estará no centro das atenções da UE no primeiro semestre de 2024.

No âmbito da integração regional, a reunião de Cúpula pode avançar na integração entre as cidades de fronteira nas áreas de saúde e segurança pública, a exemplo pelo do acordo bilateral assinado com o Paraguai em 2017, que precisa ser regulamentado.

Outro aspecto é a delimitação de uma região trinacional nas fronteiras da Argentina, Brasil e Paraguai, para facilitar a circulação de pessoas e o comércio na região, com a formação de um grande hub logístico para todo o Mercosul, o que obviamente não depende da União Europeia, somente dos integrantes do próprio bloco regional.

 

 

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