O Globo
Colocar a política acima do bom senso
econômico parece ser o que matará a empresa de vez
O Twitter foi
comprado por Elon Musk em
outubro do ano passado. Desde então, uma série de decisões empresariais
desastrosas fizeram o valor de mercado da empresa cair para um terço do valor
originalmente pago (US$ 44 bilhões). Parte dessa enorme perda se deve a
decisões equivocadas que Musk tomou e que foram apresentadas como um choque de
gestão. Outra parte, à desastrosa tentativa de impor suas visões políticas de
extrema direita à plataforma. O Twitter foi perdendo usuários e valor de
mercado e, na semana passada, ganhou um concorrente de peso, o Threads, lançado
pela Meta,
dona do Facebook, Instagram e WhatsApp.
O Twitter está agora em fase terminal.
A aquisição do Twitter por Elon Musk foi uma movimentação empresarial audaciosa. Musk tinha reputação de gênio dos negócios, mas fez sua fortuna em segmentos econômicos muito diferentes da tecnologia. A aquisição ela mesma foi complicada e marcada por idas e vindas. O empresário sul-africano fez uma proposta e depois tentou desistir da compra, com a disputa sendo levada para a Justiça.
Quando ia perder o caso nos tribunais,
resolveu ficar com o Twitter e submetê-lo a um choque de gestão. Demitiu quase
80% dos funcionários e disse que quem não estivesse disposto a dar o sangue
pela empresa deveria pedir as contas. Vários setores dentro do Twitter perderam
o know-how e a memória institucional e se desorganizaram profundamente.
Mas, além da mudança brusca no perfil de administração,
bem mais agressivo, o Twitter passou por uma drástica mudança de política da
plataforma, fortemente influenciada pelos posicionamentos ideológicos do novo
dono, simpático à extrema direita.
Na grande onda de demissão, setores antes
importantes da empresa como o de políticas públicas e o de relação com a
imprensa não repuseram os funcionários. Ficou bastante conhecida a postura do
novo setor de relação com a imprensa, que adotou um robô que responde
automaticamente a qualquer mensagem de contato de jornalistas com um emoji de
cocô.
Musk começou a alardear sua visão do
Twitter como uma alternativa a supostos vieses da imprensa tradicional, uma
plataforma na qual jornalistas-cidadãos poderiam falar as verdades
inconvenientes que os grandes meios de comunicação se recusariam a revelar.
A política de verificação que atribuía um
selo azul para jornalistas e celebridades foi abandonada e substituída por
selos de verificação que poderiam ser comprados por qualquer usuário. Em uma
semana, contas tradicionais e respeitadas perderam o selo e usuários
mal-intencionados começaram a se fazer passar por celebridades.
Musk também mudou as políticas da
plataforma, relaxando bastante a moderação de conteúdo. Fez coro à alegação da
extrema direita de que as políticas de moderação teriam um viés progressista.
Essas mudanças fizeram do Twitter um lugar mais propício para disseminação de
conteúdo preconceituoso, o que não incomodava Musk, que achava que esse tipo de
discurso estava coberto pela liberdade de expressão.
Ele também mudou as políticas de acesso aos
dados do Twitter para pesquisadores acadêmicos e de mercado. O acesso a dados
para empresas passou a ter uma cobrança elevada, e o gratuito para
pesquisadores de universidades foi suspenso.
A restrição do acesso a dados empurrou
alguns pesquisadores para uma técnica conhecida como “raspagem de dados”,
quando um software simula ser um usuário e vai recolhendo dados por onde passa.
Para impedir a técnica, Musk determinou que todos os usuários teriam um limite
de tuítes que poderiam ver por dia. Isso fez com que usuários que acessam
bastante a plataforma não pudessem mais vê-la a partir de um certo ponto, uma
medida que não faz sentido para quem vive de vender publicidade.
Foi justamente no meio da crise sobre a
limitação de acesso a tuítes que a Meta, dona do Instagram, lançou um serviço
concorrente, o Threads. O aplicativo da Meta funciona de forma muito parecida
com o Twitter e, como possibilitava que os novos usuários importassem seus
contatos do Instagram, permitiu uma migração rápida e eficiente. O Threads fez
10 milhões de novos usuários em sete horas e chegou a 100 milhões de usuários
em menos de cinco dias, crescendo numa velocidade mais rápida que a do ChatGPT —
que havia batido todos os recordes anteriores de adesão a um novo serviço.
Será difícil o Twitter se recuperar desta vez. Musk se mostrou um administrador vaidoso, que tentou impor ideias arrojadas a um setor que não conhece muito bem. Mas colocar a política acima do bom senso econômico parece ser o que matará a empresa de vez.
Pois é.
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