sábado, 15 de julho de 2023

Pablo Ortellado - A ideologia está matando o Twitter

O Globo

Colocar a política acima do bom senso econômico parece ser o que matará a empresa de vez

Twitter foi comprado por Elon Musk em outubro do ano passado. Desde então, uma série de decisões empresariais desastrosas fizeram o valor de mercado da empresa cair para um terço do valor originalmente pago (US$ 44 bilhões). Parte dessa enorme perda se deve a decisões equivocadas que Musk tomou e que foram apresentadas como um choque de gestão. Outra parte, à desastrosa tentativa de impor suas visões políticas de extrema direita à plataforma. O Twitter foi perdendo usuários e valor de mercado e, na semana passada, ganhou um concorrente de peso, o Threads, lançado pela Meta, dona do FacebookInstagram e WhatsApp. O Twitter está agora em fase terminal.

A aquisição do Twitter por Elon Musk foi uma movimentação empresarial audaciosa. Musk tinha reputação de gênio dos negócios, mas fez sua fortuna em segmentos econômicos muito diferentes da tecnologia. A aquisição ela mesma foi complicada e marcada por idas e vindas. O empresário sul-africano fez uma proposta e depois tentou desistir da compra, com a disputa sendo levada para a Justiça.

Quando ia perder o caso nos tribunais, resolveu ficar com o Twitter e submetê-lo a um choque de gestão. Demitiu quase 80% dos funcionários e disse que quem não estivesse disposto a dar o sangue pela empresa deveria pedir as contas. Vários setores dentro do Twitter perderam o know-how e a memória institucional e se desorganizaram profundamente.

Mas, além da mudança brusca no perfil de administração, bem mais agressivo, o Twitter passou por uma drástica mudança de política da plataforma, fortemente influenciada pelos posicionamentos ideológicos do novo dono, simpático à extrema direita.

Na grande onda de demissão, setores antes importantes da empresa como o de políticas públicas e o de relação com a imprensa não repuseram os funcionários. Ficou bastante conhecida a postura do novo setor de relação com a imprensa, que adotou um robô que responde automaticamente a qualquer mensagem de contato de jornalistas com um emoji de cocô.

Musk começou a alardear sua visão do Twitter como uma alternativa a supostos vieses da imprensa tradicional, uma plataforma na qual jornalistas-cidadãos poderiam falar as verdades inconvenientes que os grandes meios de comunicação se recusariam a revelar.

A política de verificação que atribuía um selo azul para jornalistas e celebridades foi abandonada e substituída por selos de verificação que poderiam ser comprados por qualquer usuário. Em uma semana, contas tradicionais e respeitadas perderam o selo e usuários mal-intencionados começaram a se fazer passar por celebridades.

Musk também mudou as políticas da plataforma, relaxando bastante a moderação de conteúdo. Fez coro à alegação da extrema direita de que as políticas de moderação teriam um viés progressista. Essas mudanças fizeram do Twitter um lugar mais propício para disseminação de conteúdo preconceituoso, o que não incomodava Musk, que achava que esse tipo de discurso estava coberto pela liberdade de expressão.

Ele também mudou as políticas de acesso aos dados do Twitter para pesquisadores acadêmicos e de mercado. O acesso a dados para empresas passou a ter uma cobrança elevada, e o gratuito para pesquisadores de universidades foi suspenso.

A restrição do acesso a dados empurrou alguns pesquisadores para uma técnica conhecida como “raspagem de dados”, quando um software simula ser um usuário e vai recolhendo dados por onde passa. Para impedir a técnica, Musk determinou que todos os usuários teriam um limite de tuítes que poderiam ver por dia. Isso fez com que usuários que acessam bastante a plataforma não pudessem mais vê-la a partir de um certo ponto, uma medida que não faz sentido para quem vive de vender publicidade.

Foi justamente no meio da crise sobre a limitação de acesso a tuítes que a Meta, dona do Instagram, lançou um serviço concorrente, o Threads. O aplicativo da Meta funciona de forma muito parecida com o Twitter e, como possibilitava que os novos usuários importassem seus contatos do Instagram, permitiu uma migração rápida e eficiente. O Threads fez 10 milhões de novos usuários em sete horas e chegou a 100 milhões de usuários em menos de cinco dias, crescendo numa velocidade mais rápida que a do ChatGPT — que havia batido todos os recordes anteriores de adesão a um novo serviço.

Será difícil o Twitter se recuperar desta vez. Musk se mostrou um administrador vaidoso, que tentou impor ideias arrojadas a um setor que não conhece muito bem. Mas colocar a política acima do bom senso econômico parece ser o que matará a empresa de vez.

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