quarta-feira, 26 de julho de 2023

Thomas Friedman* - Só Biden pode salvar Israel de Netanyahu

O Estado de S. Paulo

Primeiro-ministro limita poder da Suprema Corte; EUA precisam apoiar democracia israelense

Caro presidente Biden, em outubro de 1973, Egito e Síria atacaram Israel em um movimento simultâneo. Conforme os estoques israelenses de munição diminuíram, seu antecessor Richard Nixon ordenou o envio de armamentos que ajudaram a evitar que a única democracia judaica no planeta fosse destruída por forças externas.

Cinquenta anos depois, Sr. presidente, esta mesma democracia judaica precisa de outro envio massivo e urgente de ajuda para não ser destruída, mas por forças internas: o envio de duras verdades, algo que apenas o senhor é capaz de dar.

E quais são essas verdades? Se o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, continuar a empurrar goela abaixo de Israel o projeto que despe a Suprema Corte da maior parte da sua autoridade – o poder de controlar o Executivo –, e o fizer sem consenso nacional, isso fraturará as Forças Armadas israelenses e minará não só os valores compartilhados por EUA e Israel, mas também os interesses vitais de Washington.

Sr. presidente, quando nos encontramos, o senhor me transmitiu uma mensagem bem calibrada pedindo que Netanyahu não “apressasse” a aprovação da legislação sem “o consenso mais amplo possível”, com o qual o premiê não conta – sua fala deu um choque elétrico no sistema político israelense, dominando o noticiário por vários dias.

A voltagem do choque foi alta porque a maioria dos israelenses acredita que o senhor é um amigo verdadeiro e seu conselho veio do coração. Mas acho que o governo israelense precisa de uma dose de amor rude – não apenas do seu coração, mas também do coração dos interesses dos EUA.

TIRO NO PÉ. Porque Netanyahu está indo adiante, apesar de suas advertências. Apesar do alerta de mais de mil pilotos da Força Aérea afirmando que não servirão a uma ditadura. Apesar da carta aberta assinada por ex-autoridades graduadas de segurança, incluindo exchefes das Forças Armadas, exdiretores do Mossad e do Shin Bet e ex-comissários de polícia suplicando ao premiê que pare.

Apesar do alerta do fórum de empresários mais importante de Israel sobre “consequências irreversíveis e destrutivas para a economia”. Apesar de temores de que sua reforma poderia fraturar a unidade do Exército. E apesar de uma notável marcha de cidadãos comuns de Tel-Aviv para Jerusalém. Nada semelhante jamais ocorreu na história de Israel.

Permita-me sugerir, sr. presidente: é imprescindível que os secretários de Estado, de Defesa, do Tesouro, sua secretária do Comércio, seu secretário da Agricultura, a representante comercial dos EUA, o secretário de Justiça, o diretor da CIA e o chefe do Estado-Maior Conjunto telefonem para seus homólogos israelenses e digam que, se Netanyahu for adiante, ele não minará apenas os valores compartilhados entre nossos países, mas prejudicará os interesses dos EUA no Oriente Médio.

E os interesses dos EUA são importantes para ambos. Essa votação no Parlamento pode fazer algo importante se romper em Israel e na relação com os EUA. E, uma vez rompida, essa relação pode nunca se reatar. Espero que não seja tarde demais.

Quais interesses americanos estão em jogo? Já deveria ser óbvio que o gabinete de Netanyahu, que o senhor descreveu como um dos mais “extremos” com que já se deparou, está obcecado com dois projetos. Um é desmantelar o poder da Suprema Corte para impor a agenda de seu governo extremista, e o outro é desmantelar o processo de paz de Oslo, seu mapa do caminho para uma solução de dois Estados e pavimentar uma anexação da Cisjordânia.

Oslo tem sido o pilar da política externa dos EUA no Oriente Médio desde 1993. Esses desmantelamentos são interconectados: os supremacistas judeus que compõem o gabinete precisam tirar a Suprema Corte do caminho para ir adiante com seus planos de anexar a Cisjordânia. Esse movimento pode desestabilizar a Jordânia, empurrar para lá cada vez mais palestinos e alterar seu frágil equilíbrio demográfico.

DESASTRE. A Jordânia é o Estado-tampão mais importante na região para os americanos, que operam a partir de lá em colaboração com o governo do país, para lidar com ameaças de segurança na Síria e no oeste do Iraque, onde o Estado Islâmico continua ativo.

Ao mesmo tempo, o senhor está diante de uma das maiores decisões de todos os tempos sobre a estratégia dos EUA no Oriente Médio: atender ou não aos pedidos da Arábia Saudita por uma garantia de segurança, um programa nucelar civil supervisionado pelos EUA e acesso a armas americanas mais avançadas. Em troca, os sauditas normalizariam sua relação com Israel (contanto que os israelenses aceitem concessões aos palestinos) e limitariam sua colaboração com a China.

Seria difícil obter aprovação do Congresso sobre um acordo como esse sem apoio dos democratas no Senado. Como o senhor bem sabe, Netanyahu e o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman são dois dos líderes mundiais menos populares entre os progressistas, especialmente considerando a maneira que Netanyahu tornou Israel uma causa republicana e desdenhou do apoio dos judeus americanos seculares, preferindo o apoio dos evangélicos.

Em suma, obter apoio entre os democratas para um acordo complexo como esse com a Arábia Saudita requer um esforço enorme mesmo num dia bom; e será ainda mais difícil se Netanyahu castrar a Suprema Corte e for adiante com planos de anexar a Cisjordânia. E, sem o senhor como presidente, um acordo desse tipo seria impossível, porque poucos democratas o apoiariam se ele fosse proposto por um presidente republicano. Ou seja, a janela para esse acordo é estreita.

Além disso, em 2016, o senhor e o ex-presidente Barack Obama assinaram um acordo de US$ 38 bilhões para melhorar as Forças Armadas de Israel em 10 anos. Devemos ficar sentados e assistir silenciosamente a esses militares se fraturarem em meio aos esforços para restringir o poder da Suprema Corte? Isso seria um desastre para nós e para Israel, que na vizinhança tem inimigos reais, como Irã e Hezbollah.

Também já podemos ver que o comportamento extremista deste governo ao expandir assentamentos na Cisjordânia começa a prejudicar as relações forjadas pelo ex-presidente Donald Trump entre Israel e Emirados Árabes, Bahrein e Marrocos, com os Acordos de Abraão. Esses três países foram forçados a refazer as relações diplomáticas com Israel. DEFESA. Sr. presidente, não existe nenhuma instituição da democracia que não possa ser melhorada – e isso se aplica à Suprema Corte de Israel. A centro-direita reclamou no passado que o tribunal manifestou exageros judiciais. Mas, entre 2015 e 2019, os governos do Likud orientaram com sucesso as nomeações de quatro ministros conservadores para a Suprema Corte – sob o atual sistema que Netanyahu pretende abolir. Isso mostra o quão nociva essa “reforma” é realmente.

Há uma enorme diferença entre tornar a Suprema Corte mais inclusiva e tornar o atual governo imune ao seu escrutínio – especialmente em um sistema no qual o tribunal é o único contrapeso ao Executivo. E é com isso que Netanyahu quer acabar, o que mina não apenas nossos valores compartilhados, mas também nossos interesses estratégicos, que temos direito e obrigação de defender.

*Thomas L. Friedman The New York Times É colunista e ganhador de três prêmios Pulitzer

 

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