quarta-feira, 26 de julho de 2023

Financial Times - Disposição de Netanyahu em ceder a radicais leva Israel à beira da destruição

Valor Econômico

Esta é uma crise criada pelo premiê israelense, em meio à ambição de retornar ao poder alinhado aos elementos mais extremistas da direita do país

A maior onda de protestos da história de Israel não foi suficiente para conter Binyamin Netanyahu. O extraordinário passo dado por reservistas do Exército, de recusar-se a prestar serviço militar em um país obcecado com sua segurança - ou alertas de ex-autoridades de segurança, executivos empresariais e muitos outros, também não. Em vez disso, o governo de extrema direita do premiê deu continuidade na segunda-feira à aprovação da primeira parte da reforma do Judiciário que desencadeou a maior crise interna de Israel desde a fundação do Estado, em 1948. Netanyahu está levando seu país por um caminho calamitoso que ameaça os valores e ideais democráticos da unidade judaica sobre os quais foi erigido.

Este é um momento sombrio para uma nação que há muito tenta figurar como um modelo de democracia no Oriente Médio. E a crise tende a se acirrar. Os sionistas ultranacionalistas, religiosos, que compõem a coalizão de Netanyahu insistem que o projeto de lei aprovado nesta semana, que impede que a Suprema Corte use o padrão da “razoabilidade” para derrubar decisões do governo, é apenas o começo.

O próximo ponto da agenda deles é tomar o controle sobre as nomeações para o Judiciário. Eles também querem que o Parlamento tenha a capacidade de “anular” decisões da Suprema Corte de revogar legislação. Netanyahu disse que não levará adiante este último projeto, mas os críticos, não à toa, não confiam em suas intenções.

Ele insistiu em dizer na segunda-feira que os tribunais continuarão independentes. Mas as reformas vão minar um dos pilares essenciais do Estado. Israel não tem Constituição nem uma câmara alta, portanto o Judiciário se constitui num freio vital ao poder. Ao corroer gradualmente sua independência, a democracia israelense pode ficar progressivamente esvaziada: as minorias terão menos proteções e um Judiciário limitado será incapaz de fazer os dirigentes responderem por seus atos.

Esta é uma crise criada por Netanyahu. Seu desejo de voltar ao poder após 18 meses na oposição o levou a se alinhar com elementos mais extremistas da direita israelense e com judeus ultraortodoxos na eleição do ano passado, após ter se indisposto, anteriormente, com políticos mais moderados. Ele reconquistou o cargo ao formar a coalizão de governo mais ultradireitista da história de Israel. Isso significou sujeitar-se às exigências dos radicais, como o ministro da Segurança, Itamar ben-Gvir e o das Finanças, Bezalel Smotrich.

Netanyahu, que está sendo julgado por acusações de corrupção, parece dever favores aos fanáticos, bem como os ideólogos de seu partido Likud, como o ministro da Justiça, Yariv Levin. Se vacilar agora, corre o risco de ver sua coalizão se esfacelar. Tudo isso ocorre contra um pano de fundo do mais grave grau de violência em anos, entre as forças israelenses e militantes palestinos na Cisjordânia, num momento em que o governo intensifica sua anexação gradual.

Algumas pessoas, entre as quais, mais recentemente, o ex-premiê Ehud Olmert, alertam que Israel corre o risco de cair numa guerra civil. Isso pode ser alarmismo. Mas, com a insistência dos ultranacionalistas de que a reforma do Judiciário continuará e com a não cessação dos protestos - os médicos entraram em greve ontem -, Israel dá sinais de autodestruição.

Num momento em que a Knesset (o Parlamento) ingressa em seu recesso de meio de ano, membros mais lúcidos do Likud deveriam refletir sobre a ameaça à segurança e à estabilidade de Israel e pressionar seu líder a voltar atrás. É pouco provável que Netanyahu lhes dê ouvidos. Diante disso, caberá aos parceiros de Israel, sobretudo os EUA, a tarefa de aumentar a pressão. Joe Biden vinha conclamando Netanyahu a buscar consenso. Mas o líder americano deveria deixar claro que haverá consequências sobre as relações com Washington, a menos que o premiê israelense pense mais uma vez.

 

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