Folha de S. Paulo
Favores do Senado para empresas, estados e
municípios podem matar a reforma
O Senado quer deixar sua "marca"
na Reforma
Tributária. Tudo bem, desde que não seja para ferrar o gado, aliás uma
crueldade, e arrebanhar favores
para certos tipos de empresas e para governadores e prefeitos. Isto é, toda
essa gente que diz querer a reforma, desde que ela não exista: desde que
continuem todos os regimes especiais para empresas e a liberdade dos governos
de fazer besteira, confusão e favor com impostos.
Uns senadores querem meter a mão na mudança dos impostos aproveitando ideias ruins já que circulam na casa. Outro tanto deles é bolsonarista e quer derrubar a reforma por espírito de porco. A reforma corre risco no Senado.
Por exemplo, deixar a "marca", as
digitais, pode significar uma facada no coração da reforma.
Na reforma da Câmara, o que era para ser um
IVA único passou
a ser um IVA dual (um federal, outro de estados e municípios). Haverá três
tipos de alíquota, a geral, a reduzida (em 60%) e a zero. Há gente no Senado
que quer criar três IVAs avacalhados, com várias faixas de alíquotas.
Para piorar, vários
setores com lobby forte já conseguiram embarcar na alíquota reduzida. Além
de não fazer sentido econômico, o favorecimento de grupos de empresas vai
aumentar a alíquota mais geral. É fácil perceber que, mantida a carga
tributária, se uns pagam menos, outros vão pagar mais.
Há uma fila de empresas à espera de uma
alíquota reduzida. Quem teve a paciência de acompanhar as audiências públicas
sobre a reforma na Câmara terá notado a graça: todo mundo quer a Reforma
Tributária, desde que ela não exista, repita-se. Isto é, reclamavam para si um
regime especial. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da
Silva não parece entender a reforma ou quer desfigura-la por outro
motivo: quer
regimes especiais para montadoras ou sabe-se lá mais o quê.
O coração da emenda constitucional da
reforma é a uniformização dos impostos, o fim da alucinada variação regional e
de valor das alíquotas; o fim da cumulatividade (imposto cobrado sobre
imposto). É uma reforma de fundo e que afeta um pedação da carga tributária
nacional (mais de 38% do total de impostos arrecadados no país inteiro).
Há indícios de que o Senado pode abrir as
portas para a conspiração do atraso. Ou seja, empresas que reclamam do
"custo Brasil" mas que, em geral, querem manter seu regime especial,
sua isenção tributária, seu subsídio, sua proteção contra o comércio exterior,
seu oligopólio. Em suma, querem que alguém financie a sustentação do seu
negócio via impostos ou rendas. A elite do atraso. Majoritária.
No fim das contas, inventa-se assim o
sistema tributário mais lunático e caquético do planeta, confuso, cheio de
litígio, caro e que, em vez de incentivar empresas a decidirem investimentos
pelo retorno econômico, animam todo mundo a cavar seu favorzinho fiscal com o
rei ou rainha do momento.
O resultado é investimento ineficiente e
baixa produtividade da empresa: baixo crescimento econômico, fora o crescimento
do dinheiro no bolso de quem consegue cavar o favor. Alguém paga a conta,
direta e indiretamente.
Há o que corrigir na reforma da Câmara:
como limitar e tornar operacionais os fundos de compensação regional e de
favorecidos pela guerra fiscal; o tempo de transição do IBS; o funcionamento do
Conselho Federativo. O principal, porém, é dar cabo de exceções, o quanto
possível.
O que se ouve no Senado e até no Planalto,
porém, é dar um jeito de favorecer setores, aumentar
a oportunidade de governadores e prefeitos criarem impostos ruins e
até a novidade constitucional de criarem impostos.
Estava muito bom para ser verdade. A
Reforma Tributária enfim tinha andado. Agora pode dar um passo além, à beira do
precipício.
Sei lá.
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