Folha de S. Paulo
Verão de 23-24 será de risco de seca ou
chuva forte, o que pode afetar safra, PIB e Amazônia
É muito provável que o planeta tenha de
lidar com efeitos relevantes de um El
Niño neste ano. Como se sabe, trata-se de um aumento de temperatura do
Oceano Pacífico em torno do Equador que muito contribui para alterar ventos,
umidade, temperatura e
chuvas no planeta.
Os efeitos típicos no Brasil são seca no
norte, em particular na Amazônia, chuvaradas no Sul e mais calor e umidade no
Centro-Sul e Sudeste. Típico: quer dizer que não é certo, mas frequente. O
impacto maior costuma ocorrer de outubro a janeiro.
E daí? Qualquer administrador prudente, seja de governo, de floresta, de cidade, de fazenda ou de investimentos deve prestar atenção na possibilidade de um El Niño "forte", como os que ocorreram na temporada 1997-98 ou de 2015-16 (quando houve incêndios terríveis na Amazônia).
A chance de que, no pico, o El Niño seja
moderado é de cerca de 80% neste ano; que seja forte, de 50%; muito forte, de
20%, escreveu a pesquisadora Emily Parker, da Universidade de Miami, no blog da
Administração Oceânica e Atmosférica (Noaa) dos EUA, com base na previsão mais
recente do Centro de Previsão Climática da Noaa, de 13 de julho.
"Moderado" ou "forte"
são classificações informais, observa Parker. Quanto maior o aumento da
temperatura do Pacífico, em geral mais forte o impacto na atmosfera e mais
típicos os efeitos na temperatura e nas chuvas, mas outros fatores podem ter
sua influência.
Uma Amazônia ainda mais desflorestada e
degradada fica sob risco aumentado de fogo, como vem alertando faz meses a
bióloga brasileira Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de Oxford e
Lancaster. Depois da devastação da floresta e do desmonte de estruturas e
governança ambiental, o ministério do Meio Ambiente está ampliando equipes de
fiscalização e combate a incêndios, segundo Raoni Rajão, da UFMG e diretor do
Departamento de Políticas de Controle do Desmatamento e Queimadas do
ministério.
Estudos do economista Bráulio Borges
indicam que as secas a partir de 2012 deram sua contribuição para a grande crise
econômica dessa década perdida, mostram estimativas de um trabalho de 2021.
Borges é economista da consultoria LCA e pesquisador do FGV IBRE.
Não se quer dizer que estamos fadados a um
verão de ruína, mas de cuidar de riscos.
O El Niño pode ganhar ou perder força. Seus
efeitos, como se disse linhas mais acima, são incertos, ainda mais na economia,
na floresta ou nas cidades.
Os economistas do Bradesco publicaram um
relatório a respeito nesta quarta-feira que ilustra a incerteza. "O último
El Niño forte, que ocorreu entre 2015-16, foi associado à quebra global de
grãos e açúcar, elevando os preços de commodities agrícolas e pressionado os
índices de preços de alimentos. Por outro lado, no El Niño de 1997-98, também
de intensidade forte, a produção global de grãos cresceu, mas também houve
perdas na safra de açúcar", começa o relatório, de Priscila Trigo.
O El Niño deve ter efeitos importantes na
safra agrícola de
2023-24. Se fraco ou moderado, a produção de grãos deve ser boa, nos EUA ou no
Brasil, continua Trigo. Se forte, a coisa muda de figura. "Em 1997-98, a
produção global de grãos cresceu 2,6%, e a de açúcar 0,9%. No Brasil, a
produção de grãos recuou", mas sem impacto global, com o que a inflação de
alimentos no mundo recuou 8,7%.
Em 2015-16, a produção mundial de grãos
recuou, com quebras de safra na Argentina e no Brasil (milho, feijão, arroz; o
açúcar também foi mal). A inflação de alimentos aumentou 9,2%. O PIB da agropecuária
no Brasil caiu então 4,9% (este ano deve crescer uns 11%), com prejuízos em
todas as regiões do país. A inflação de alimentos foi de 9,4% em 2016, lembra
Trigo. Em caso de El Niño forte, pode acontecer de novo em 2023-24.
Cruzes!
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