quinta-feira, 20 de julho de 2023

Maria Cristina Fernandes - Uma vaga para quem só quer julgar

Valor Econômico

Preservação do legado de Rosa Weber deveria nortear substituição

Em apenas onze meses na presidência do Supremo Tribunal Federal, a ministra Rosa Weber terá produzido uma revolução silenciosa na Corte. Treze dias antes da depredação, os ministros aprovaram uma emenda ao regimento com regras inauditas de prazo para a devolução de vista e julgamento automático de decisões liminares.

Se os vândalos do 8/1 queriam acabar com os superpoderes dos ministros do STF, quem, de fato, o fez foi a gestão da discreta presidente. Os pedidos de vista no STF chegaram a vigir por duas décadas e as liminares bateram uma média de dois anos até serem julgadas pelo colegiado.

O debate sobre a substituição de Rosa Weber, que se aposenta em outubro, esquentará em agosto. Já se falou que a cota da lealdade não se esgotou com Cristiano Zanin, que a vaga pode ser usada para tirar concorrentes petistas em 2026, ou ainda para contemplar o Senado, Casa aliada do governo. Nada se diz sobre o legado a ser preservado.

Em função disso, há quem cobre mais participação de Rosa Weber no debate, como se fosse possível colocá-la no figurino de Ricardo Lewandowski, que pressionou pela escolha de um ex-assessor antes de largar a toga e virar consultor da J&F. Ou, ainda, que fosse capaz de entrar na disputa travada entre Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Nunes Marques por influência nos tribunais.

Rosa Weber limitou-se, em esparsas situações, a defender a presença de mulheres no tribunal. Em junho, ao ouvir do presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, que a Corte daquele país tinha um terço de mulheres, a ministra comentou que, apesar da grande presença feminina na base da magistratura, a representação, nos tribunais superiores é “ínfima” no Brasil.

É fato. Levantamento da Associação de Juízes Federais mostra que em 52 tribunais do planeta, a participação feminina subiu de 15,6% em 2000 para 36,6% em 2020. Neste período, o Brasil passou de 9% (Ellen Gracie) para 18% (Rosa e Cármen Lúcia).

Esta semana, em solenidade em São Félix do Xingu (PA), Rosa Weber disse que levaria, no mínimo, 12 anos para que uma outra mulher viesse a ocupar a presidência. O “no mínimo” refere-se à soma dos mandatos de Luís Roberto Barroso, Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Zanin na presidência. Se, no seu lugar, entrar um homem, vai demorar ainda mais.

Trata-se da preservação - e da ampliação - do espaço conquistado, na Corte, por mulheres que somam mais da metade da população brasileira, mas não apenas. Acresça-se à necessária - e urgente - reparação deste atraso histórico a possibilidade de seu legado vir a ter continuidade.

Outros ministros poderiam ter agido com a mesma altivez - talvez não com a mesma discrição - na reação ao 8 de janeiro, ou ainda para desanuviar dissensos internos. Há colegas de Rosa Weber que partilham da mesma escala de prioridades e também seriam capazes de retomar o julgamento do marco temporal das terras indígenas ou ainda a delicada questão do juiz de garantias. Não se divisa, porém, quem poderia se igualar na disposição de diminuir os poderes dos ministros na protelação de julgamentos, especialmente num momento em que o tribunal sofreu o maior ataque de sua história. A reação jurídica ao bolsonarismo é prenhe de arbitrariedades.

Pesa contra o critério-legado a mudança de Rosa na prisão em segunda instância, julgamento que pavimentou os 580 dias de Lula em Curitiba. Quem nunca? Se gritar lavajatista, não fica um, meu irmão.

Na grande lavoura em que se transformou a plantação de favoritos, tem nomes para todos os gostos. Desde que vistam azul. Contra cada um deles subsiste o fato de que Lula não desistiu de nomear uma mulher. Concorre para isso o peso da comparação.

Costuma se dizer que a presença do Supremo na vida do país cresceu tanto que sua escalação está na ponta da língua de mais gente do que aquela da seleção. É bem verdade que a qualidade do futebol brasileiro caiu na mesma medida, mas a foto de um tribunal com uma a menos é desgaste incontornável.

Ao contrário do que se propaga, sobram nomes. Alguns deles já estão na antessala de Lula. Na lista há duas negras: a juíza federal Adriana Cruz, da 5ª Vara Criminal do Rio, especializada em lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro, e a advogada Vera Santana, que atuou no caso que define se suspeita movida pela cor da pele anula provas.

Integram a lista ainda a desembargadora Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, autora de um livro sobre o peso ostensivo do noticiário sobre os julgamentos e a procuradora do Estado de São Paulo, Flávia Piovesan. Ex-integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Flávia foi secretaria de DH durante a gestão Alexandre de Moraes na Justiça e chegou a ser cotada para a vaga, no Supremo, que acabou por ser por ele ocupada.

E, finalmente, não se descarta Simone Tebet. A ministra do Planejamento foi professora de direito constitucional e mantém trânsito na política com um visão independente sobre a ocupação do aparelho de Estado. Veio a público em defesa da representação feminina da Esplanada, mas, para o Supremo, se limita a defender a indicação de uma mulher negra.

O que não falta são nomes. Não dá para garantir uma reprise de Rosa Weber, mas tampouco se diria que aquela juíza do trabalho, que chegou à Corte sob a desconfiança das eminências togadas, tivesse tamanha coragem de só querer julgar.

 

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