Valor Econômico
Preservação do legado de Rosa Weber deveria
nortear substituição
Em apenas onze meses na presidência do
Supremo Tribunal Federal, a ministra Rosa Weber terá produzido uma revolução
silenciosa na Corte. Treze dias antes da depredação, os ministros aprovaram uma
emenda ao regimento com regras inauditas de prazo para a devolução de vista e
julgamento automático de decisões liminares.
Se os vândalos do 8/1 queriam acabar com os
superpoderes dos ministros do STF, quem, de fato, o fez foi a gestão da
discreta presidente. Os pedidos de vista no STF chegaram a vigir por duas décadas
e as liminares bateram uma média de dois anos até serem julgadas pelo
colegiado.
O debate sobre a substituição de Rosa Weber, que se aposenta em outubro, esquentará em agosto. Já se falou que a cota da lealdade não se esgotou com Cristiano Zanin, que a vaga pode ser usada para tirar concorrentes petistas em 2026, ou ainda para contemplar o Senado, Casa aliada do governo. Nada se diz sobre o legado a ser preservado.
Em função disso, há quem cobre mais
participação de Rosa Weber no debate, como se fosse possível colocá-la no
figurino de Ricardo Lewandowski, que pressionou pela escolha de um ex-assessor
antes de largar a toga e virar consultor da J&F. Ou, ainda, que fosse capaz
de entrar na disputa travada entre Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Dias
Toffoli e Nunes Marques por influência nos tribunais.
Rosa Weber limitou-se, em esparsas
situações, a defender a presença de mulheres no tribunal. Em junho, ao ouvir do
presidente da Finlândia, Sauli Niinisto, que a Corte daquele país tinha um terço
de mulheres, a ministra comentou que, apesar da grande presença feminina na
base da magistratura, a representação, nos tribunais superiores é “ínfima” no
Brasil.
É fato. Levantamento da Associação de
Juízes Federais mostra que em 52 tribunais do planeta, a participação feminina
subiu de 15,6% em 2000 para 36,6% em 2020. Neste período, o Brasil passou de 9%
(Ellen Gracie) para 18% (Rosa e Cármen Lúcia).
Esta semana, em solenidade em São Félix do
Xingu (PA), Rosa Weber disse que levaria, no mínimo, 12 anos para que uma outra
mulher viesse a ocupar a presidência. O “no mínimo” refere-se à soma dos
mandatos de Luís Roberto Barroso, Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Zanin
na presidência. Se, no seu lugar, entrar um homem, vai demorar ainda mais.
Trata-se da preservação - e da ampliação -
do espaço conquistado, na Corte, por mulheres que somam mais da metade da
população brasileira, mas não apenas. Acresça-se à necessária - e urgente -
reparação deste atraso histórico a possibilidade de seu legado vir a ter
continuidade.
Outros ministros poderiam ter agido com a
mesma altivez - talvez não com a mesma discrição - na reação ao 8 de janeiro,
ou ainda para desanuviar dissensos internos. Há colegas de Rosa Weber que
partilham da mesma escala de prioridades e também seriam capazes de retomar o
julgamento do marco temporal das terras indígenas ou ainda a delicada questão
do juiz de garantias. Não se divisa, porém, quem poderia se igualar na
disposição de diminuir os poderes dos ministros na protelação de julgamentos,
especialmente num momento em que o tribunal sofreu o maior ataque de sua
história. A reação jurídica ao bolsonarismo é prenhe de arbitrariedades.
Pesa contra o critério-legado a mudança de
Rosa na prisão em segunda instância, julgamento que pavimentou os 580 dias de
Lula em Curitiba. Quem nunca? Se gritar lavajatista, não fica um, meu irmão.
Na grande lavoura em que se transformou a
plantação de favoritos, tem nomes para todos os gostos. Desde que vistam azul.
Contra cada um deles subsiste o fato de que Lula não desistiu de nomear uma
mulher. Concorre para isso o peso da comparação.
Costuma se dizer que a presença do Supremo
na vida do país cresceu tanto que sua escalação está na ponta da língua de mais
gente do que aquela da seleção. É bem verdade que a qualidade do futebol
brasileiro caiu na mesma medida, mas a foto de um tribunal com uma a menos é
desgaste incontornável.
Ao contrário do que se propaga, sobram
nomes. Alguns deles já estão na antessala de Lula. Na lista há duas negras: a
juíza federal Adriana Cruz, da 5ª Vara Criminal do Rio, especializada em
lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro, e a advogada Vera
Santana, que atuou no caso que define se suspeita movida pela cor da pele anula
provas.
Integram a lista ainda a desembargadora
Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, autora de um livro
sobre o peso ostensivo do noticiário sobre os julgamentos e a procuradora do
Estado de São Paulo, Flávia Piovesan. Ex-integrante da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da OEA, Flávia foi secretaria de DH durante a gestão
Alexandre de Moraes na Justiça e chegou a ser cotada para a vaga, no Supremo,
que acabou por ser por ele ocupada.
E, finalmente, não se descarta Simone
Tebet. A ministra do Planejamento foi professora de direito constitucional e
mantém trânsito na política com um visão independente sobre a ocupação do
aparelho de Estado. Veio a público em defesa da representação feminina da
Esplanada, mas, para o Supremo, se limita a defender a indicação de uma mulher
negra.
O que não falta são nomes. Não dá para
garantir uma reprise de Rosa Weber, mas tampouco se diria que aquela juíza do
trabalho, que chegou à Corte sob a desconfiança das eminências togadas, tivesse
tamanha coragem de só querer julgar.
Simone Tebet...
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