Folha de S. Paulo
Presidente dá sinais de impaciência e cobra
medidas de efeito popular, várias ineficazes
Faz alguns meses, governo, BC (Banco
Central) e bancos dizem conversar sobre o que pode ser feito de taxas
de juros, como a do cartão de crédito, em especial do rotativo, de 455,09% ao
ano. O governo não pode fazer quase nada, se algo, mas gostaria (a "ala
política") de ver um anúncio qualquer a respeito. Bancos discutem um modo
de dar um fim ao crédito rotativo no cartão, linha que seria substituída por um
parcelamento automático da fatia da dívida que não é paga no mês.
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva tem cobrado mais providências "pop". Não por acaso, na
semana que passou jogou no ar a ideia de uma espécie de programa "Mais Geladeiras",
desconto de impostos para eletrodomésticos.
Também na semana passada o ministro Márcio França (Portos e Aeroportos) disse a esta Folha que o "Voa Brasil", começa em agosto. Não tem dinheiro do governo e é uma tentativa de vender cadeiras vazias nos aviões comerciais a R$ 200.
A semana teve ainda o anúncio de que vai
começar o Desenrola,
que demora e, por isso, causa "frustração crescente" em Lula, como
diz um assessor próximo. É apenas a "faixa 2" do programa, a
renegociação direta de dívidas entre bancos e clientes com renda maior.
O Desenrola "popular", que pega a
massa endividada, deve vir em setembro, se forem resolvidos problemas técnicos
da plataforma de venda e renegociação de dívidas. O programa pode ter efeito
relevante e foi bem pensado. A um custo relativamente baixo (no máximo R$ 10
bilhões de subsídios, em cinco anos), pode eliminar dívidas de uns R$ 50
bilhões.
O resto é paliativo muito pequeno, se
tanto, ou bobagem demagógica, como o "Mais Geladeiras", primo mais
novo do "Mais Carros". O país inteiro pagou até R$ 800 milhões para
que 95 mil pessoas e 30 mil CNPJs comprassem carro com desconto (que, em parte,
comprariam de qualquer modo). A indústria continua na mesma, assim como a
economia, e havia alternativa melhor para o dinheiro.
A bobagem apenas não foi maior porque a
Fazenda limitou o tamanho do estrago. Agora, ministros tentam dar um jeito de
conter os danos do "Mais Geladeiras" ou enterrá-lo. Mais adiante,
tentarão evitar o cumprimento da promessa de Lula de isentar de Imposto de
Renda as pessoas que ganham até R$ 5 mil.
A crítica a esse tipo de medida causa
revolta. Os possíveis beneficiados acreditam, como em parte também Lula e gente
do PT, que basta "vontade política" para fazer com que a vida melhore
(cortar impostos, tabelar preços e juros etc.). Se fosse assim, até o inepto e
inescrupuloso governo das trevas o teria feito (tentou, deixando rombos nas
contas públicas que o governo Lula tem de administrar).
"Tributem os mais ricos"! Sim, é
preciso. Porém, não para dar desconto de IR ou gastar em demagogia que não fará
coceira no crescimento. O imposto extra cobriria déficits do governo,
diminuindo a necessidade de pedir emprestado (aos mesmos ricos), a juros
horríveis. Esse vai ser o problema macroeconômico maior do governo Lula, a
partir de agora; se encaminhado, pode contribuir para a queda de juros e para o
aumento do investimento produtivo.
Quanto a outros planos, gente do governo
diz que está à beira de sair o plano de "transição verde", que pode
vir a ser uma intervenção bem pensada, mas de que nada se sabe.
Mudanças institucionais profundas são
abstratas, ininteligíveis e levam tempo para fazer efeito (como o plano fiscal,
a Reforma
Tributária, a lei de garantias, coisas que o governo vem fazendo ou
incentivando). Surge então a tentação da demagogia, por vezes aliada a uma
crença genuína, mas ignara. O risco é de partir para a ignorância em grande
escala, criar ineficiências, arrebentar as contas públicas e, assim, a
perspectiva de crescimento.
Juízo!
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