quarta-feira, 12 de julho de 2023

Zeina Latif - A tal Reforma Tributária possível


O Globo

O Senado deveria aparar arestas. A ver se o bem comum conseguirá se impor aos interesses oportunistas

Muito se falou em aprovar a Reforma Tributária “possível”. Com razão, pois a reforma “ideal” do ponto de vista econômico — IVA único nacional (e não o dual) e ausência de regimes especiais (inclusive para saúde e educação, já que não são os mais pobres que utilizam o serviço privado) — seria improvável.

Em grande medida, a distância entre o “ideal” e o “possível” decorre de elementos da política que se reforçam mutuamente, como o marcante antagonismo entre a oposição e o governo, e o poder de grupos organizados.

A resistência da oposição, inclusive alimentada pelo ex-presidente Bolsonaro, acabou limitando a capacidade do governo de enfrentar grupos organizados. Se anteriormente eu acreditava que o presidente Lula deveria defender publicamente a reforma, hoje avalio que seu silêncio pode ter sido uma decisão sábia, para não atrapalhar as negociações.

Não é seguro afirmar que um período mais longo de debate da matéria produziria melhores resultados, com menos concessões a diferentes segmentos. Além de o debate ter amadurecido bastante nos últimos anos — com grande mérito de técnicos do governo anterior, sobretudo Vanessa Rahal Canado e Isaías Coelho, e de lideranças da Câmara —, prolongar a tramitação poderia ameaçar a aprovação.

Primeiramente porque reformas de maior envergadura são mais viáveis em primeiro ano de governo. Adicionalmente, uma longa tramitação poderia resultar em mais concessões, e não o contrário. Vale recordar a chance perdida de aprovação no segundo semestre de 2019. Havia empenho do presidente da Casa, Rodrigo Maia, e concordância de governadores, mas faltou o apoio do próprio governo Bolsonaro.

Perdeu-se uma oportunidade preciosa para uma reforma mais ambiciosa. Desde então, cresceu a organização de grupos de pressão, inclusive com associação à oposição, como é o caso do agronegócio, bem como o protagonismo de governadores. Assim, o escopo da reforma ficou mais limitado.

Das muitas demandas atendidas para aprovar a Reforma Tributária, houve algumas oportunistas, de última hora, como conceder aos estados a autorização, até 2043, para cobrar contribuições sobre produtos primários e semielaborados. O intuito é compensar a perda de aportes a fundos estaduais feitos por empresas que se beneficiam da guerra fiscal (a ser eliminada até 2032).

Fere-se, porém, o espírito da reforma, em vários aspectos, como aumentar a carga tributária, tributar na origem e onerar exportações.

Ainda assim, a reforma foi um passo largo para remover muitas distorções. Faltam, no entanto, outras batalhas menores, mas que podem fazer grande diferença no resultado final.

O Senado deveria aparar arestas, corrigindo imprecisões na redação e, de preferência, alguns equívocos, como os muitos regimes especiais, além do ponto relativo à criação de tributos pelos estados. A ver se o bem comum conseguirá se impor aos interesses oportunistas que andam a dominar a agenda legislativa.

Posteriormente, no projeto de lei complementar, será necessário zelo ao tratar do detalhamento de temas críticos, que vão da definição das alíquotas dos tributos ao mecanismo de devolução do crédito tributário às empresas.

A definição das alíquotas será resultado de uma conta de chegada, de modo a manter a arrecadação constante, sendo que os valores podem ser calibrados futuramente — o período de teste, em 2026, com alíquota de 0,9% para a CBS (federal) e 0,1% para o IBS (demais entes) poderá prover referências para isso.

Já a devolução de crédito tributário é tema complexo e é fator chave para o bom funcionamento do imposto sobre o valor agregado. Afinal, o IVA incide sobre a geração de renda em cada etapa do processo produtivo, considerando o devido desconto dos tributos sobre os insumos, pagos nas etapas anteriores.

Alguns fatores dificultam a devolução automática, mediante a mera apresentação da nota fiscal relativa à aquisição dos insumos. É o caso da evasão fiscal, por meio de emissão de nota fiscal “fria” de empresas de fachada.

Além disso, mesmo em caso de crédito validado, uma vez que se optou pelo IVA dual, a devolução do crédito pelos estados pode se tornar um ponto de insegurança para as empresas. Será necessário desenhar regras para que o processo ocorra de forma tempestiva.

Enfim, há ainda muito trabalho para termos a Melhor Reforma Possível.

 

4 comentários:

  1. É uma espécie de smurfette morena e envelhecida, que se acha a pitanga do bolo econômico nacional, mas não passa de 'viúva' boca-de-matildes do jairguedismo, descontente em vista do bolsonanismo aparente, irreversível e definitivo

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  2. Zema Latiff faz aqui um bom histórico dos últimos anos desta longuíssima discussão/tramitação do projeto de reforma tributária. Esta reforma tributária é muito mais importante para a nossa economia que a nova Âncora Fiscal que está sendo discutida para ser aprovada. Muito mais importante!

    Tod@s os economista séri@s aguardam e torcem pela reforma tributária possível, tod@s fazendo como esta palestiniana-brasileira Zeina Latiff e desejando sua aprovação com aprimoramentos e não com descaracterização da reforma.

    Zeina e seu marido, o economista Marcos Lisboa, têm quase zero concordância com as ideias econômicas do PT, do mesmo modo que discordam quase totalmente de Bolsonaro e de Paulo Guedes, e Zeina e Marcos Lisboa se expõem para fazer as críticas que acham necessárias. Mas discordar e fazer críticas a tantas asneiras que estas duas forças políticas crentes ideológicas populistas cometem não significa torcer contra bons avanços e não colaborar.

    Marcos Lisboa era da turma jovem do Plano Real que ficou em Brasilia no 1° mandato de Lula para contribuir, já que estava assumindo o poder uma força política com pouquíssima experiência técnica em economia, mas que durante a campanha de 2002 Lula e essa força politica haviam assumido com um documento, a Carta ao Povo Brasileiro, se comprometendo a manter o programa econômico que debelou uma inflação que chegava a 2700% ao ano. Lula e o PT, na verdade, não se apegam a nenhuma parte daquelas reformas do Plano Real e de outras que não deem votos imediatamente e só geram desgaste, deixando sempre para os outros fazerem essas reformas e eles ficarem de fora xingando e desgastando quem faz. Mas isso não significa que se deva fazer a mesma coisa que o PT faz e atrapalhar o Brasil quando o governo for do PT para com isso atrapalhar o PT.

    Aquilo, aquele programa econômico do Plano Real, era e é bem sofisticado e envolve muita coisa de macro e também de microeconomia, medidas jurídicas e também, obviamente, medidas politicas (boas medidas políticas, não conluio com o Centrão e mistureba de corrupção). Aquele programa ainda está sendo consolidado, ainda sofre boicotes das forças políticas fundamentalistas e ainda está necessitando cuidados:: veja-se, por exemplo, como a inflação ainda é resiliente, resiste até a juros de 13,75% e sofreu o boicote de Bolsonaro com sua gastança que exigiu juros tão altos e sofre boicote de Lula, que como Bolsonaro também quer gastar, mas se exagerar na gastança tem o Roberto Campos e a independência do Banco Central para barrar a gastança e Lula se irrita e xinga Roberto Campos para desgastá-lo junto a seu gado.

    Em 2002 Lula e o PT se comprometeram em manter o programa e com isso Marcos Lisboa ficou em Brasília para ajudar. Armínio Fraga também aceitou ficar, mas depois Lula conseguiu que Henrique Meireles, que naquelas eleições havia se elegido deputado federal pelo PSDB assumisse o Banco Central, e não precisou que Armínio Fraga ficasse.

    Outros vários jovens economistas ficaram em Brasilia para ajudar Lula em seu 1° mandato, e depois, quando o PT e Lula foram paulatinamente desmantelando a política econômica que herdaram (e passaram a chamar de "herança maldita"), esses economistas foram saindo de fininho. Joaquim Levy é um deles: Levy ficou em Brasília ; quando em 2005 já não concordava mais com Lula e o PT e em uma reunião foi afrontado por Dilma e sua ignorância prepotente e despreparada para a economia, Joaquim Levy saiu. Depois, em 2015, Levy voltaria para ajudar novamente, já que após desmontar muito do Plano Real para implantar a própria política, o PT havia cavado um imenso buraco econômico e afundado o Brasil e Levy foi chamado para assumir o Ministerio da Fazenda e corrigir os erros. Levy não conseguiu avançar nos remendos, saiu mais uma vez, e o Brasil desabou na MAIOR recessão econômica datada de nossa história, com inflação, juros, desinvestimento, desemprego, tudo aumentando e apontando para a lua em uma crise gigantesca que foi fermentada por erros cometidos entre 2006/2007 e 2012.

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  3. Alguns desses erros cometidos na economia estão voltando a serem colocados na reforma tributária, como os favorecimentos nas áreas de educação e de saúde, onde só acessa a rede particular quem tem dinheiro e com o favorecimento os que têm como pagar por saude e educação serão os beneficiados e não os mais pobres. Pelo contrário:: como a alíquota terá que ser mais alta por causa desses favorecimentos, o pobre é quem vai perder.

    E olhem:: Zeina é casada com Marcos Lisboa, um dos sócios do INSPER, uma Faculdade de excelência e caríssima e que vai ser uma das beneficiadas por estas excessões na Reforma Tributária. Zeina podia ficar caladinha. Mas ser oportunista não é a praia dela nem de seu marido, Marcos Lisboa.

    A Reforma Tributária não é parte da correção destes erros somados na economia por Lula/PT e Bolsonaro nestes últimos 16 / 17 anos, não. A Reforma Tributária é parte importantíssima das reformas estruturais na nossa economia que começaram lá atrás, no final do governo Itamar Franco (o governo Collor havia iniciado alguma coisinha dessa mudança na área de abertura econômica, que depois se perdeu quase toda). Essas reformas estruturais precisam ser aprofundadas e, no entanto, estão praticamente paradas desde o 2° mandato de Lula. As duas forças políticas populisras/fundamentalistas, o lulismo e o bolsonarismo, só estão encaminhando a reforma tributária porque estão sob pressão. Mesmo assim, Bolsonaro encaminhou o projeto em 2019, mas nada se esforçou para aprová-lo, deixando para fazer isto neste mandato. Como perdeu as eleições, agora quer atrapalhar o projeto que ele mesmo enviou.

    A Reforma Tributária não é de Bolsonaro e não é de Lula. Este é um projeto muito importante para o Brasil, é um projeto que está pronto faz muito tempo e não pode mais ser adiado.

    Enquanto isto, o feijão com arroz que Haddad está fazendo está bom, para nós que, com Lula presidente, esperávamos por coisa bem pior na economia, já que foi o PT que reiniciou a lambança econômica no Brasil após os avanços do Plano Real, lambanças que só depois foram agravadas por Bolsonaro.

    No período Michel Temer o problema econômico foi amenizado por Henrique Meireles e Ilan Goldgajn, que assumiram o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Mas veio Bolsonaro e repetiu vários dos erros que o PT havia cometido. Com Bolsonaro o buraco econômico voltou a aumentar, agora somando as merdas feitas lá atrás po Lula/PT com as merdas mais recentes, feitas po Jair Bolsonaro.

    O Brasil precisa da reforma tributaria e de muito mais. Para dar garantia de que a previdência social cumprirá o compromisso com os filiados, é necessário aprofundar a reforma na previdência também, em um país cada vez mais velho e com taxa de natalidade tão baixa.

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