sábado, 5 de agosto de 2023

Alvaro Gribel - Autonomia passou em mais um teste

O Globo

Nem Campos Neto tentava sabotar o governo, nem os diretores do Lula forçaram uma queda abrupta dos juros

A autonomia do Banco Central passou em mais um teste, e por muito tempo a reunião da última quarta-feira será lembrada. Ela é simbólica por vários motivos. Primeiro, porque o corte de juros reafirma a confiança da autoridade monetária de que a gestão da economia pelo PT não será leniente com a inflação. Segundo, porque a decisão dividida em 5 a 4 mostrou que o debate interno foi intenso, e esse é o objetivo da independência do Banco. Terceiro, o alinhamento entre os votos do presidente Roberto Campos Neto e dos diretores Gabriel Galípolo e Ailton Aquino mostra que nem o primeiro tentava sabotar o governo, como acusavam radicais petistas, nem os diretores indicados por Lula tentaram forçar uma queda abrupta da Selic, como temiam céticos da Faria Lima. A instituição saiu fortalecida desse encontro do Copom.

Erro e comemoração

No mercado, poucas horas depois da decisão, a sensação era de alívio até por quem apostou em um corte menor da taxa Selic, de 0,25 ponto. “Eu errei (a projeção de queda, que ficou em 0,5 ponto), mas acho que o resultado foi o melhor possível. O voto de minerva do Campos Neto, ao lado dos dois diretores indicados por Lula, vai reduzir a pressão política sobre o Banco Central, que terá mais tranquilidade para fazer o seu trabalho. Isso vai dar mais confiança para o mercado”, confidenciou o economista-chefe de um grande banco.

‘Visão estratégica’

O voto de Campos Neto diminui o risco de uma guinada do governo em direção a uma política econômica heterodoxa. Embora esse tipo de risco não esteja nos modelos de previsão de inflação do Banco Central, é inegável que esse fator precisa ser levado em consideração nas decisões de política monetária. Investidores classificaram a postura de Campos Neto como uma “visão estratégica”.

Curto prazo

A forte alta do dólar de quinta-feira parece ter sido movimento de curto prazo. Ontem o real recuperou parte das perdas. Em relatório enviado a clientes, a XP Investimentos reduziu de R$ 5,00 para R$ 4,70 sua estimativa para o dólar no final do ano, mesmo com o corte dos juros em meio ponto. O que vai definir os rumos do real, na verdade, — além do cenário internacional — será a capacidade de o Ministério da Fazenda entregar as medidas de ajuste fiscal, principalmente as de arrecadação, para cumprir as metas de resultado primário. Quanto maior a confiança nas contas públicas, mais forte o real e menores os juros.

Risco inflacionário

O petróleo subiu pela sexta semana seguida e voltou a assombrar a economia internacional, pelo seu impacto inflacionário. Desde o dia 12 de junho, a alta chega a quase 20% no barril do tipo brent, como mostra o gráfico. A valorização fez o governo americano adiar um programa de compra de petróleo para recompor as reservas estratégicas do país. Com a guerra da Ucrânia, elas caíram ao menor nível desde 1985. Já a China, que vem comprando petróleo barato dos russos, que sofrem embargo econômico pela invasão, aproveita para ampliar as próprias reservas. No Brasil, o aumento dos preços coloca mais pressão sobre a Petrobras. Ontem, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse à Globonews que a margem para a estatal manter os preços está “no limite”.

Interesse em alta

O mercado agora monitora um por um o posicionamento dos diretores do Banco Central. Segundo Daniel Xavier Francisco, do departamento econômico do banco ABC Brasil, já houve uma forte alta nas buscas pela frase “diretores BC”. “A maior relevância individual dos diretores pode ser percebida no “Google Trends” — a procura por este tópico tem tendência crescente”, disse.

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