O Globo
Ambiente melhorou mais pelo que o governo
não fez. Não reestatizou a Eletrobras, não desfez venda de ativos da Petrobras
A revista The Economist já decolou com o
Cristo Redentor — um foguete na direção do desenvolvimento —, mas depois teve
de afundá-lo na Baía de Guanabara. Na edição desta semana, a publicação não
chegou a recuperar o foguete, mas passou um certo otimismo em relação aos
primeiros movimentos do governo Lula.
Trata-se de bom jornalismo — nem precisaria dizer, mas é prudente nestes tempos de polarização. A revista reflete o ambiente encontrado por aqui neste início do segundo semestre, claramente bem melhor que no começo do ano. Basta ver as expectativas atuais do setor privado e do Banco Central, comparadas às de janeiro. Inflação menor e PIB maior, juros menores, dólar abaixo dos R$ 5, Bolsa em alta.
O que teria contribuído para a mudança?
Como os analistas por aqui, a Economist nota dois movimentos especialmente
positivos: a apresentação e início de votação no Congresso do arcabouço fiscal
e da reforma tributária. Nos dois casos, o mérito principal é atribuído ao
ministro Fernando
Haddad, com sua dupla habilidade: negociar à esquerda, enfrentando o
fogo amigo do PT,
e à direita, com líderes parlamentares conservadores e, digamos francamente,
fisiológicos interessados em cargos e verbas. O ministro ficou de pé em terreno
escorregadio.
A Economist tem um estilo sóbrio e
respeitado. Suas reportagens não se limitam a empilhar fatos. Incluem
comentários e análises — como, modestamente, acho que se deve fazer. A questão
para os jornalistas que recorrem a esse modelo é acertar o equilíbrio, pesar os
prós e os contras. Nesse caso, a reportagem acentua mais os prós. Modestamente,
de novo, prefiro colocar mais peso nos contras ou, se quiserem, nas ressalvas.
Reforma tributária: é boa, simplifica nosso
horroroso sistema, abre espaço ao crescimento. Está no Congresso, entretanto,
alvo exposto de lobbies em busca de isenções e vantagens especiais. Pela nossa
tradição, os lobbies acabam levando bons nacos. Não é preciso lembrar que a
proposta de reforma está no Congresso há três décadas, sempre barrada pelos
setores que se beneficiam do atual sistema.
O arcabouço: importante ter uma regra de
controle do Orçamento público. Mas que regra? A proposta do ministro Haddad tem
o objetivo de atender o presidente Lula — aumentar os gastos —, mas de maneira,
digamos, saudável, de modo a respeitar alguma ortodoxia. No caso, arranjar
receitas para sustentar os gastos.
O.K., mas o tamanho das receitas
necessárias é absurdo: mais de R$ 100 bilhões neste ano, outros R$ 135 bilhões
em 2024, e tudo isso sem aumentar os impostos, garante o ministro. Como se
operaria o milagre? Combatendo evasões, cobrando dos mais ricos, ganhando ações
na Justiça.
É tudo um imenso “se”. As despesas,
enquanto isso, estão contratadas e sendo pagas. Reajustes salariais,
contratações, programas sociais e diversos outros itens acrescentam ao
Orçamento algo como R$ 120 bilhões — todo ano, para sempre.
Resumindo: Haddad promete zerar o déficit
no ano que vem. Fora do governo e fora do partido, ninguém acredita. Como,
então, o ambiente pode ter melhorado? É mais pelo que o governo não fez. O
governo não conseguiu reestatizar a Eletrobras, não desfez a venda de ativos da
Petrobras, não derrubou a reforma trabalhista, não conseguiu desmontar o marco
do saneamento.
Reparem o peso disso. Esse marco legal, que
vem lá do governo Temer, abriu espaço a investimentos privados em saneamento —
o que está em andamento e avançando. Para o pessoal do setor, trata-se de um
dos maiores programas socioambientais do mundo. E ainda há grandes
privatizações a caminho, como da Sabesp, em São Paulo.
Aliás, governos estaduais, não alinhados
com Lula, têm hoje boa capacidade de ação econômica. Tem mais: o presidente
Lula esculhambou diariamente o Banco Central e seu presidente, Roberto
Campos Neto. E o principal motivo para o alívio no ambiente veio
justamente do Banco Central independente. Subiu os juros quando necessário,
derrubou a inflação e iniciou a queda dos juros num pouso suave: desinflação
sem recessão.
Ironia. Acontece.
O Azevedo pensa diferente,rs.
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