sábado, 5 de agosto de 2023

Carlos Alberto Sardenberg - Tanto pró e muito contra

O Globo

Ambiente melhorou mais pelo que o governo não fez. Não reestatizou a Eletrobras, não desfez venda de ativos da Petrobras

A revista The Economist já decolou com o Cristo Redentor — um foguete na direção do desenvolvimento —, mas depois teve de afundá-lo na Baía de Guanabara. Na edição desta semana, a publicação não chegou a recuperar o foguete, mas passou um certo otimismo em relação aos primeiros movimentos do governo Lula.

Trata-se de bom jornalismo — nem precisaria dizer, mas é prudente nestes tempos de polarização. A revista reflete o ambiente encontrado por aqui neste início do segundo semestre, claramente bem melhor que no começo do ano. Basta ver as expectativas atuais do setor privado e do Banco Central, comparadas às de janeiro. Inflação menor e PIB maior, juros menores, dólar abaixo dos R$ 5, Bolsa em alta.

O que teria contribuído para a mudança? Como os analistas por aqui, a Economist nota dois movimentos especialmente positivos: a apresentação e início de votação no Congresso do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Nos dois casos, o mérito principal é atribuído ao ministro Fernando Haddad, com sua dupla habilidade: negociar à esquerda, enfrentando o fogo amigo do PT, e à direita, com líderes parlamentares conservadores e, digamos francamente, fisiológicos interessados em cargos e verbas. O ministro ficou de pé em terreno escorregadio.

A Economist tem um estilo sóbrio e respeitado. Suas reportagens não se limitam a empilhar fatos. Incluem comentários e análises — como, modestamente, acho que se deve fazer. A questão para os jornalistas que recorrem a esse modelo é acertar o equilíbrio, pesar os prós e os contras. Nesse caso, a reportagem acentua mais os prós. Modestamente, de novo, prefiro colocar mais peso nos contras ou, se quiserem, nas ressalvas.

Reforma tributária: é boa, simplifica nosso horroroso sistema, abre espaço ao crescimento. Está no Congresso, entretanto, alvo exposto de lobbies em busca de isenções e vantagens especiais. Pela nossa tradição, os lobbies acabam levando bons nacos. Não é preciso lembrar que a proposta de reforma está no Congresso há três décadas, sempre barrada pelos setores que se beneficiam do atual sistema.

O arcabouço: importante ter uma regra de controle do Orçamento público. Mas que regra? A proposta do ministro Haddad tem o objetivo de atender o presidente Lula — aumentar os gastos —, mas de maneira, digamos, saudável, de modo a respeitar alguma ortodoxia. No caso, arranjar receitas para sustentar os gastos.

O.K., mas o tamanho das receitas necessárias é absurdo: mais de R$ 100 bilhões neste ano, outros R$ 135 bilhões em 2024, e tudo isso sem aumentar os impostos, garante o ministro. Como se operaria o milagre? Combatendo evasões, cobrando dos mais ricos, ganhando ações na Justiça.

É tudo um imenso “se”. As despesas, enquanto isso, estão contratadas e sendo pagas. Reajustes salariais, contratações, programas sociais e diversos outros itens acrescentam ao Orçamento algo como R$ 120 bilhões — todo ano, para sempre.

Resumindo: Haddad promete zerar o déficit no ano que vem. Fora do governo e fora do partido, ninguém acredita. Como, então, o ambiente pode ter melhorado? É mais pelo que o governo não fez. O governo não conseguiu reestatizar a Eletrobras, não desfez a venda de ativos da Petrobras, não derrubou a reforma trabalhista, não conseguiu desmontar o marco do saneamento.

Reparem o peso disso. Esse marco legal, que vem lá do governo Temer, abriu espaço a investimentos privados em saneamento — o que está em andamento e avançando. Para o pessoal do setor, trata-se de um dos maiores programas socioambientais do mundo. E ainda há grandes privatizações a caminho, como da Sabesp, em São Paulo.

Aliás, governos estaduais, não alinhados com Lula, têm hoje boa capacidade de ação econômica. Tem mais: o presidente Lula esculhambou diariamente o Banco Central e seu presidente, Roberto Campos Neto. E o principal motivo para o alívio no ambiente veio justamente do Banco Central independente. Subiu os juros quando necessário, derrubou a inflação e iniciou a queda dos juros num pouso suave: desinflação sem recessão.

Ironia. Acontece.

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