Valor Econômico
Reforma ministerial é oportunidade para
descobrir o modo de vida dos políticos sem mandatos
A chamada de Sérgio Chapelin no Globo
Repórter foi eternizada em memes que se multiplicam pelas redes sociais. De
povos tradicionais isolados no meio da Amazônia a animais exóticos, é
inevitável imaginar a voz do apresentador, acompanhada da trilha sonora do
programa de variedades das sextas à noite: “De onde vêm? Como vivem? De que se
alimentam?”
Inícios de governo e reformas ministeriais
são oportunidades raras para trazer à luz uma espécie pouco estudada pela
ciência: os políticos derrotados nas eleições. A imprensa e os cientistas
políticos costumam monitorar os movimentos dos 513 deputados e 81 senadores.
Sobre os políticos que não conseguiram se reeleger, porém, muito pouco se
pesquisa.
A política brasileira é feita de ciclos.
Embora haja milhares de cargos em disputa a cada dois anos, ficar sem mandato
representa um problema existencial para os políticos, uma vez que ficam
privados de seus dois principais meios de vida: dinheiro e poder.
O retorno de Lula provocou uma mudança no ecossistema brasiliense. Petistas puro-sangue e políticos de outras linhagens da esquerda migraram de todo o Brasil para a capital federal para ocupar cargos-chave da administração. Nesse processo, alguns parlamentares que não sobreviveram à lei da selva eleitoral ganharam uma nova chance com a nomeação de outros mais bem-sucedidos para a Esplanada dos Ministérios.
Foi o caso da indicação do deputado
Alexandre Padilha (PT-SP) para a Secretaria de Relações Institucionais, que
abriu vaga para o histórico sindicalista Vicentinho voltar à Câmara. O mesmo
aconteceu com Orlando Silva (PCdoB-SP) e Ivan Valente (Psol-SP), que como
suplentes herdaram as cadeiras de Luiz Marinho e Marina Silva, licenciados para
ocupar os ministérios do Trabalho e do Meio Ambiente, respectivamente.
Outros derrotados nas urnas estão tendo a
oportunidade de se manter em evidência no segundo escalão, como os ex-deputados
Tadeu Alencar (PSB-PE), atual Secretário Nacional de Justiça, e Rodrigo
Agostinho, presidente do Ibama (PSB-SP). Marcelo Freixo (PT-RJ) tenta se
segurar na presidência da Embratur mesmo após o Ministério do Turismo ser
entregue ao Centrão.
Nesse processo de acomodação, nem todos
obtêm um bom lugar ao sol. Fiel aliada do PT, a ex-deputada Perpétua Almeida
(PCdoB-AC), que após três mandatos de deputada não conseguiu se reeleger,
acabou ficando com uma apagada diretoria na pouco relevante Agência Brasileira
de Desenvolvimento Industrial.
Fora do filo da esquerda, certos políticos
de direita se metamorfosearam antes da eleição para se adaptar ao novo ambiente.
Alguns, como o ex-senador Alexandre Silveira (PSD-MG), agraciado com o
ministério das Minas e Energia, ocuparam posições elevadas na cadeia alimentar.
Outros, como o ex-deputado Fábio Trad (PSD-MS), aceitaram se acomodar numa
gerência na Embratur para enfrentar o longo inverno até 2026.
A depender do grau de simbiose com os novos
ocupantes do Palácio do Planalto, um posto gerencial numa estatal pode não
representar tanto em termos de poder, mas significa muito em termos
financeiros. Marcelo Ramos (PSD-AM), que mesmo ocupando a vice-presidência da
Câmara não conseguiu se reeleger, virou consultor da Petrobras -
emprego não está sujeito ao teto remuneratório do funcionalismo público.
A pressão atual do Centrão pela reforma
ministerial tem como mote abrigar alguns políticos não eleitos. Margareth
Coelho, braço-direito de Arthur Lira na última legislatura, ficou como suplente
e está cotada para a presidência da Caixa Econômica Federal. Como já diria
Eduardo Cunha, colocar um apadrinhado na diretoria de um banco oficial como
Caixa, Banco do Brasil ou BNDES é mais vantajoso do que ocupar a maioria dos
ministérios da Esplanada.
Se a vida de políticos sem mandato da
esquerda e do Centrão está difícil, imagine a de quem está num partido de
oposição ou nunca teve afinidade com o governo de plantão. Sem dispor de
ministérios e estatais para se abrigar, a saída é buscar sustento em outros
habitats.
Alguns voltam para seus territórios de
origem. Felipe Rigoni (União Brasil-ES) tornou-se secretário de Meio Ambiente
no seu estado natal. Coordenador da campanha de Bolsonaro em 2018, Julian Lemos
ganhou um cargo no gabinete do governador paraibano João Azevedo.
Bolsonaristas, aliás, contam com a
solidariedade para atravessar o longo deserto. Acostumados ao clima seco de
Brasília, muitos resignaram-se a se tornar assessores parlamentares. Foi o que
aconteceu com a Major Kátia Sastre, Coronel Tadeu e Liziane Bayer. O próprio
Bolsonaro, é bom deixar claro, vive de mesada do PL mesmo após ser condenado à
inelegibilidade.
Mas o maior exemplo de camuflagem política
foi o do ex-deputado Heitor Freire (União Brasil-CE). Há poucos anos, em sua
encarnação bolsonarista, era defensor do coronel Ustra e de Olavo de Carvalho,
chegou a propor uma secretaria para a “desesquerdização” do governo e
apresentou um projeto para extinguir o PT. Convertido ao lulismo, Freire
sobrevive como diretor da Sudene.
Como diria Raul, na política é preferível
ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre
tudo.
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
São os vira folhas.
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