terça-feira, 22 de agosto de 2023

Carlos Andreazza – Contrabandos

O Globo

As versões do advogado de Mauro Cid produziram muitos efeitos

O terceiro advogado de Mauro Cid tinha dado — até o momento em que escrevo, tarde de segunda (21 de agosto) — pelo menos cinco entrevistas desde que assumira a defesa do tenente-coronel, na terça, dia 15. Na última, domingo (20), falou ao Estadão:

— Vou dar 20 ou 30 versões. Posso dizer o que quiser. A versão da defesa, efetivamente, vai vir nos autos.

A comunicação da obviedade é clara: a versão da defesa ainda não existe. Não existe a defesa. Não ainda. Há o verbo, em movimento e reforma constantes, do advogado. Há testes especulativos e recados. Que produzem (produziram) efeitos. Mais que expectativas — a de que Cid confessaria, a maior de todas—, efeitos.

Nunca foi Cid a falar-prometer.

A versão da defesa, a de Cid, virá nos autos; e talvez nem seja constituída pelo advogado-entrevistado. Que talvez nem tenha tempo de chegar às 20 versões. Que deu um punhado de entrevistas em menos de semana, projetando possibilidades e mobilizando atenções-apreensões, sem haver lido os autos. Está também no Estadão de anteontem:

— Eu não li os autos.

Talvez nem tenha tempo para lê-los. Não que lhe faltasse tempo.

A versão da defesa estará nos autos — que o defensor-falador ainda não havia lido. Não que não trabalhasse.

Há quem considere o pacote de exposição midiática uma trapalhada. Avaliação que não exclui a improbabilidade de o advogado se ter posto a falar sem o aval do cliente. Recebeu Veja, na quarta (16), para primeira rodada de experimentações narrativas, pouco depois de sair do Batalhão de Polícia do Exército, onde Cid está preso. E estaria novamente com ele antes da última conversa com o Estadão.

Falou à Veja e foi mantido — e continuou falando. Poderia estar lendo os autos. A agenda priorizou as entrevistas. Trabalhava. Falou e falou. Nunca foi o cliente a falar-comprometer-se.

À Veja, plantou a perspectiva de confissão de Cid. Foi explícito na veiculação da hipótese. Depois, recuaria. No meio do caminho, a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Bolsonaro e esposa e uma admitida conversa — nenhum problema per se — com o advogado do ex-presidente.

Na sexta (18), à GloboNews, disse — como dissera ao Estadão — que não falara em joias e se apresentou na incomum posição de advogado exclusivamente para o Rolex. Só tratara — tratava, trataria — do relógio. Uma espécie de advogado de item. Veja não tardaria a divulgar os áudios. Transcrevo:

— Ele [Cid] assume que foi pegar as joias. “Resolve isso lá”. Ele foi e resolveu.

A revista, então, pergunta:

— Quando o senhor fala “resolve isso”, “vende as joias”, é ordem de Bolsonaro?

O advogado é objetivo:

— É.

O ex-presidente como mandante. Seu cliente, mero cumpridor de missões, potencial confessor. Recados. Efeitos. Recuos. E então o empilhamento de versões. À GloboNews:

— Não disse que foi a mando de Bolsonaro. Não disse que ele [Cid] estava dedurando.

Disse que fora a mando de Bolsonaro. Não disse que o cliente estava dedurando. Nessa difusão cambiante de perspectivas, sempre a distribuição de recados. E, mais que as expectativas geradas, os efeitos. Há algo permanente em todas as versões-recados: a preocupação do cliente com o pai — a prioridade da defesa sendo a proteção do general Lourena Cid, muito exposto no caso.

E há o que evolui no conjunto de especulações-mensagens: a forma do desprezo por Bolsonaro. Inicialmente, a falação se orienta para um caminho de defesa, digamos, independente, que não se importará em responsabilizar — entregar — aquele que seria o mandante. Texto que se reorganizaria para uma convergência de argumentos, o desprezo por Bolsonaro sendo produto do sentimento do advogado, que deveria mesmo se conter para que — ele não tem simpatia pelo ex-presidente — o desgosto não contaminasse a defesa.

Ao Estadão, no domingo, o advogado de Cid — poderia ser o de Bolsonaro — declararia:

— Chegou presente de fora. Eles [a Presidência da República] têm um departamento encarregado de despachar, reportar, catalogar e verificar esses tipos de presentes. E tem dois setores, o público e o privado. O encarregado chefe desse departamento, que sequer o Bolsonaro conversa, vai lá e faz a catalogação. Ele bota lá como público e é público. Os outros ele diz que é particular, então é particular. Então isso é do presidente. E ele faz o que quiser, pode vender. Claro, caso tenha acontecido um erro, deve se apurar juridicamente. Mas isso aí tem um problema, tem um erro de direito, pode ter sido induzido a erro. Pode acontecer? Pode.

A convergência argumentativa entre defesas, o outrora mandante de súbito tornado legítimo dono das joias, com as quais poderia fazer o que quisesse, mui limitada pela forma — dinheiros vivos — como se comerciou as peças. É o próprio advogado de Cid, na versão à Veja, quem explica:

— A questão é que isso pode ser caracterizado também como contrabando. Tem a internalização do dinheiro e crime contra o sistema financeiro.

Efeitos.

 

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