Valor Econômico
Em 1961, Carlos Lacerda acusou o então
presidente Jânio Quadros de tramar um golpe
O depoimento
do hacker Walter Delgatti Neto à CPI do 8 de janeiro coloca o ex-presidente Jair Bolsonaro como
o líder de um grupo organizado para dar um golpe de Estado. O então presidente seria o chefe
de um bando.
Para encontrar algum paralelo na história republicana a uma acusação dessa gravidade contra um chefe de Estado é preciso recuar até agosto de 1961. Naquela ocasião, o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, acusou o presidente Jânio Quadros de tramar um golpe, tendo como articulador o ministro da Justiça, Pedroso Horta. Não houve tempo nem ocasião para apurar se isso seria verdade ou não, porque Jânio renunciou no dia seguinte.
Delgatti, ressalve-se,
é um criminoso. A acusação contra Bolsonaro parte de um criminoso, que está
preso e possivelmente negociando delação premiada. Esse ponto por si só leva a
se encarar o depoimento com alguma reserva. É preciso
aguardar para ver se há elementos que corroborem suas acusações. Ainda assim, o
que o hacker relatou é estarrecedor. E as consequências para Bolsonaro podem
ser politicamente letais.
Delgatti afirmou que Bolsonaro teria pedido para violar o sistema da Justiça Eleitoral, de forma a demonstrar uma suposta vulnerabilidade das eleições presidenciais e impedir a sua realização dentro das normas legais. O então presidente, segundo o hacker, teria colocado o delinquente em contato com o Ministério da Defesa e com o comando do Exército.
Mais: Bolsonaro teria acenado com um
indulto futuro. Não ficou nisso: Delgatti também disse ter ouvido de Bolsonaro,
em uma conversa telefônica, a informação de que ele teria recebido o conteúdo
de um grampo contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre Moraes, feito
por agentes estrangeiros. O presidente teria pedido para Delgatti assumir a
autoria do grampo. Teria dito, rindo, que se um juiz mandasse prender o hacker
o então presidente mandaria prender o juiz. Bolsonaro já negou tudo e promete
processar Delgatti por calúnia, mas o fato é que recebeu um criminoso no
Palácio da Alvorada.
O depoimento deve vitaminar a CPMI, que nas
últimas semanas vinha se tornando palco para antigas autoridades do governo
Bolsonaro construírem suas narrativas. Sem falar no picadeiro promovido por
deputados bolsonaristas, que chegaram a comer melancias no depoimento do general Gonçalves Dias.
Vai se criando no
país um ambiente favorável para um mandado de prisão contra o ex-presidente. O
cerco contra ele vai se fechando em duas frentes: a de acusação de peculato,
pela questão das joias, e a de conspiração por um golpe de Estado, por
outro. Como
a Justiça não toma decisões em função de “clima favorável”, ou pelo menos não
deveria fazê-lo, a consequência imediata deve ser a desmobilização dos aliados
do presidente, com impacto direto sobre as eleições de 2024 e 2026. A médio
prazo, uma prisão por eventual condenação criminal poderá ser vista como
natural, e não como perseguição política.
As Forças Armadas, sobretudo o Exército, são definitivamente arrastadas para a crise. Um provável depoimento do general Paulo Sérgio Nogueira Oliveira, ex-ministro da Defesa, é diferente de uma sessão para ouvir o tenente coronel Mauro Cid. Se ele falar, estará falando sobre o que fez no exercício de sua função. O hacker disse ter ido ao Ministério da Defesa cinco vezes.
Pois é!
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