O Globo
Por que estados e municípios teriam
autonomia na definição do que é certo ou errado no idioma oficial do país?
Apesar de o STF já
ter decidido que diretrizes educacionais são competência privativa da União, a
Câmara de Vereadores de Belo Horizonte resolveu, na semana passada, vetar o uso
de linguagem neutra nas escolas do município.
O ministro Edson Fachin,
relator do processo em que foi derrubada lei similar (do estado de Rondônia),
entendeu que banir o uso de uma linguagem que “combate preconceitos
linguísticos” configura censura prévia e confronta a liberdade de expressão:
— Proibir que a pessoa possa se expressar
livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibido pelo Estado —
afirmou.
Uma no cravo, outra na ferradura.
Deve ser garantido a qualquer um o direito de se manifestar sobre o que quiser, como bem entender. E os brasileiros já fazem isso, de forma ampla, geral e irrestrita, com gírias, estrangeirismos e neologismos, sem vírgula no vocativo, sem o R do infinitivo, sem que o adjetivo concorde com o substantivo ou o verbo com o sujeito, variando os advérbios e flexionando o verbo “haver” quando ele é impessoal.
Outra coisa — que nada tem a ver com
censura ou indignidade — é assegurar que a escola continue a ser onde se ensina
(ou se tenta ensinar) a língua-padrão. É ela que nos possibilita compartilhar
os mesmos livros e dicionários e nos valer das mesmas regras de ortografia e
sintaxe na produção acadêmica, jornalística, literária — ainda que mantenhamos
a diversidade da fala coloquial. Graças a isso, O GLOBO pode ser lido — e
entendido — do Caburaí ao Chuí.
Estados e municípios não têm poderes para
criar moeda própria ou leis sobre Imposto de Renda ou sistema eleitoral. Por
que teriam autonomia na definição do que é certo ou errado no idioma oficial do
país?
(Só dois estados venceram a União nessa
matéria: a Bahia, que manteve o H, apesar da reforma ortográfica de 1911, e o
Acre, cujos habitantes rejeitam ser acrianos, como manda o acordo de 1990, e
continuam acreanos.)
A linguagem neutra propõe que o gênero
gramatical (binário e arbitrário) se ajuste à identidade de gênero do falante.
Um aluno não binárie seria referido como alune — o que equivale, por extensão,
a uma criança do sexo masculino ser tratada como crianço e a um cônjuge do sexo
feminino como cônjuja. Essa mudança, a crer no ministro Fachin, traria
dignidade a cerca de 2,4 milhões de brasileires — e a dezenas de milhões de
pessoos e pessoes que se consideram vítimos e vítimes de um idioma que insiste
(sob o disfarce dos substantivos sobrecomuns) em nomeá-los/les no feminino.
Isso não é ir contra o preconceito: é ir contra a própria língua.
O Acordo Ortográfico de 1990 prevê a
elaboração de um vocabulário comum, que definirá a ortografia oficial a ser
usada nos países lusófonos. O que temos hoje é o Vocabulário Ortográfico da
Língua Portuguesa (Volp), elaborado (e constantemente atualizado) pela Academia
Brasileira de Letras. Dele não constam amigue, alune, criature etc.
É inútil que vereadores ou deputados
proíbam o ensino fora das normas (o Ministério da Educação já cuida disso) ou
que militantes queiram impor seu idioleto. Os edis de BH podem procurar temas
mais relevantes: haver (ou não) mineires e belo-horizontines independe da sua
vontade.
Hahahahahahah
ResponderExcluirExcelente!