quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Fernando Exman - Entre ruídos e sinais na condução da política fiscal

Valor Econômico

A conta vai chegar e, em algum momento no futuro, será preciso cortar despesas

Uma eventual mudança da meta de déficit primário zero para 2024 estaria longe de ser o fim do mundo aos olhos dos investidores, acreditam até mesmo os integrantes mais fiscalistas da área econômica. Contudo, pontuam esses interlocutores, o governo precisaria ter feito esse movimento antes e de maneira mais assertiva.

Uma questão central é como a decisão seria comunicada ao mercado. Em outras palavras, o ideal era ela ser acompanhada por uma mensagem, firme e transparente, de que o governo estaria assumindo o compromisso de reduzir despesas.

Mas esse é um cenário pouquíssimo provável. Praticamente todos os dias o governo emana algum sinal de que trabalhará, isso sim, para aumentar gastos e investimentos. Existe uma fixação no governo Lula 3, antecipada durante toda a campanha, de retomada do papel indutor do Estado na geração de empregos e promoção do crescimento da economia. Não se pode falar em estelionato eleitoral, a despeito da legítima preocupação de especialistas com a trajetória das contas públicas.

Nessa terça-feira (29), por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou que pretende criar mais um ministério, o 38º: vem aí a pasta da Pequena Empresa, das Cooperativas e dos Empreendedores Individuais, cuja função primordial será viabilizar a reforma ministerial discutida há meses. Não é algo barato.

Pode-se afirmar, também, que os indicados do Centrão para a Esplanada não irão anunciar em seus discursos de posse nenhum plano de contenção de despesas. Pelo contrário, assumirão com a missão de acelerar a liberação de emendas parlamentares e turbinar seus partidos nas próximas eleições municipais. Isso custa.

Diante desses fatos, e das dificuldades do governo em aprovar no Parlamento medidas que elevem a arrecadação, o mercado trabalha com um cenário bem diferente do que aquele desenhado pelo governo. Segundo o Relatório Focus divulgado pelo Banco Central (BC) na segunda-feira, por exemplo, a mediana das projeções dos economistas consultados é de um déficit de 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024. Um número bem distante do “equilíbrio” que constará da proposta de lei orçamentária a ser enviada para apreciação de deputados e senadores.

Nesse sentido, uma saída debatida nas últimas semanas contemplava a fixação da meta de déficit primário do ano que vem em 0,4% do PIB. Não seria o mundo ideal pintado pelo Ministério da Fazenda, mas ainda assim haveria algum tipo de sinalização voltada a tentar ancorar as expectativas no campo fiscal.

Porém, o que se viu nas últimas horas em Brasília foi o oposto. Primeiro, circularam informações de que integrantes do Executivo cogitavam alterar a meta de déficit primário zero para 2024, mas para algo entre 0,5% e 0,75% do PIB. Na sequência, desenvolvimentistas do PT e do governo passaram a argumentar mais abertamente que o plano de aumento de receitas idealizado pela equipe econômica estava enfrentando severas dificuldades no Congresso e, portanto, algo precisava ser feito para evitar que investimentos públicos fossem sacrificados em um possível contingenciamento orçamentário no futuro.

Coube ao próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sair a público para negar uma mudança de rota. Afinal, o desmantelamento da estrutura da proposta de Orçamento horas antes de expirar o prazo de envio da peça ao Congresso inevitavelmente geraria dúvidas em relação ao respaldo dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao chefe da equipe econômica.

É grande a pressão sobre o ministro da Fazenda para que o crescimento da economia supere 2% no ano que vem, quiçá ultrapasse o patamar de 2,5% e beire os 3%. Atualmente, a mediana das expectativas de mercado está em 1,33%, de acordo com o Focus.

Entre integrantes da ala política, circulam pesquisas de opinião segundo as quais menos da metade da população já percebe alguma melhora na situação financeira familiar. Por outro lado, existe uma expectativa majoritária na população de que o cenário econômico irá melhorar nos próximos meses. E esse sentimento não pode piorar, afirmam integrantes da ala política, pois é inevitável que o eleitor compare a situação do Brasil atual com aquela vivida nos dois primeiros mandatos do petista.

Nas últimas semanas, o governo enfrentou dificuldades para aprovar o marco fiscal em um formato que ampliaria o manejo do Orçamento do ano que vem em mais de R$ 30 bilhões. Ainda assim, o sinal emanado da capital federal é que mesmo com o novo arcabouço as despesas terão crescimento real em 2023 e 2024, num ritmo três vezes maior que o restante do mundo emergente e da América Latina.

Some-se a isso o alerta feito no Congresso de que esta legislatura terá dificuldades de aprovar medidas impulsionadas pelo discurso de que está em curso uma batalha tributária travada entre ricos e pobres. A conta vai chegar e, em algum momento no futuro, será preciso cortar despesas. É nesse contexto que se vê uma crescente defesa, no Congresso e no setor privado, da reforma administrativa.

 

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