quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Lu Aiko Otta - É hora de olhar para o lado das despesas

Valor Econômico

Arcabouço não pode seguir dependente de medidas pelo lado das receitas

Alguns o acusam de ser um frouxo. Outros, de ser pão-duro. Sem agradar totalmente a ninguém, o novo arcabouço fiscal produzirá esta semana sua primeira proposta de Orçamento em meio a uma batalha que até as capivaras do Lago Paranoá davam como certa. De um lado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenta dar credibilidade à nova regra fiscal e, na sua estreia, fazer o prometido: zerar o déficit das contas federais em 2024. De outro, a ala política segue pouco disposta a apertar o cinto, já de olho nas eleições municipais do ano que vem.

Ontem, a Esplanada dos Ministérios foi palco de uma carga de fogo amigo contra a equipe econômica. Circulou nos bastidores a informação que se estudava, em alas do governo, colocar no Orçamento do ano que vem um pequeno déficit, de 0,5% a 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB). A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR) defendeu abertamente essa hipótese em conversa com o repórter Guilherme Pimenta, deste jornal.

Haddad correu para debelar as chamas. Disse a jornalistas que a proposta orçamentária está pronta e é equilibrada, ou seja, sem déficit. Acrescentou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomara essa decisão dias atrás, antes de sua viagem à África. E concluiu: não há mudança de rota.

Noves fora, fica claro que essa não é uma questão pacificada dentro do governo. Há uma insatisfação que vem fermentando nos bastidores desde o nascimento da proposta do arcabouço fiscal, e se agravou quando os ministros foram informados dos limites que teriam para gastar em 2024.

Diz a lenda que Lula costuma fomentar debates dentro de sua equipe antes de tomar decisões. Se isso é verdade neste caso, há elementos no entorno que podem ajudar.

Ao mesmo tempo em que sua equipe se digladia, cresce no Congresso a ideia de que é hora de olhar com mais firmeza para o lado das despesas. Não basta aquilo que o arcabouço se propôs a fazer, que é conter o ritmo de crescimento da despesa. É, de fato, fazer alguma contenção.

Esse pensamento tem ganhado musculatura à medida que aportam no Legislativo propostas para elevar impostos. Na segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou duas delas: um projeto de lei instituindo cobrança do Imposto de Renda (IR) em fundos offshore e uma medida provisória (MP) que estabelece o recolhimento periódico de IR sobre ganhos em fundos de investimento exclusivos.

São “maldades” a serem votadas enquanto Lula abre seu saco de “bondades”: aumento real para o salário mínimo, elevação do limite de isenção do IR da pessoa física, corte de impostos para automóveis, ônibus e caminhões e os vultosos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Desde a retomada dos trabalhos do Congresso neste segundo semestre, tem aumentado o número políticos importantes que passaram a defender a reforma administrativa. Ao mesmo tempo, avança a ideia de se estabelecer um limite para a carga tributária.

Taxada por Gleisi de “criminalização do servidor”, a reforma administrativa foi primeiramente defendida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nos bastidores do governo, esse posicionamento foi comparado à espada de Dâmocles, aquela que paira sobre as cabeças e é uma ameaça constante. É, na visão dessa fonte, uma pressão que pode ser desencadeada por outras razões: demora na nomeação de aliados e na liberação de verbas e emendas, por exemplo.

Nos últimos dias, a reforma administrativa ganhou novos defensores. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) disse que essa é uma reforma “subsequente” à que relata no momento, a tributária. Ele também tem dito que pretende colocar na Constituição um limite ao “poder de tributar”.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também tem dado declarações sobre reforma administrativa e sobre a necessidade de melhora na qualidade do gasto público. Tal como Braga, defende o limite para a carga tributária. Na sua visão, teria um viés de invocar a responsabilidade do Estado na contenção de gastos.

Braga e o relator da reforma tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) defenderam a reforma administrativa em um talk show realizado durante a premiação “Valor 1000”, na última segunda-feira.

Esse ambiente que vem se formando no Congresso ganhou um suporte de ordem técnica. No último fim de semana, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que recentemente o mercado se tornou mais exigente em relação à política fiscal. Num quadro assim, é preciso adotar mais medidas que fortaleçam o ajuste. Citou como exemplo a reforma administrativa.

Acabar com a estabilidade dos servidores não está no radar deste governo. Melhorar a qualidade dos gastos, sim. Discretamente, o Ministério do Planejamento faz um trabalho de avaliação de políticas públicas com esse objetivo. Gastar melhor, ao cabo, pode trazer economia. Prevendo as resistências que se levantarão na Esplanada, o trabalho tem sido revelado a conta-gotas. Porém, o arcabouço não pode seguir dependente de medidas pelo lado das receitas. Está na hora de olhar para o lado das despesas.

 

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