Valor Econômico
Arcabouço não pode seguir dependente de
medidas pelo lado das receitas
Alguns o acusam de ser um frouxo. Outros,
de ser pão-duro. Sem agradar totalmente a ninguém, o novo arcabouço fiscal
produzirá esta semana sua primeira proposta de Orçamento em meio a uma batalha
que até as capivaras do Lago Paranoá davam como certa. De um lado, o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, tenta dar credibilidade à nova regra fiscal e, na
sua estreia, fazer o prometido: zerar o déficit das contas federais em 2024. De
outro, a ala política segue pouco disposta a apertar o cinto, já de olho nas
eleições municipais do ano que vem.
Ontem, a Esplanada dos Ministérios foi palco de uma carga de fogo amigo contra a equipe econômica. Circulou nos bastidores a informação que se estudava, em alas do governo, colocar no Orçamento do ano que vem um pequeno déficit, de 0,5% a 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB). A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR) defendeu abertamente essa hipótese em conversa com o repórter Guilherme Pimenta, deste jornal.
Haddad correu para debelar as chamas. Disse
a jornalistas que a proposta orçamentária está pronta e é equilibrada, ou seja,
sem déficit. Acrescentou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomara essa
decisão dias atrás, antes de sua viagem à África. E concluiu: não há mudança de
rota.
Noves fora, fica claro que essa não é uma
questão pacificada dentro do governo. Há uma insatisfação que vem fermentando
nos bastidores desde o nascimento da proposta do arcabouço fiscal, e se agravou
quando os ministros foram informados dos limites que teriam para gastar em
2024.
Diz a lenda que Lula costuma fomentar
debates dentro de sua equipe antes de tomar decisões. Se isso é verdade neste
caso, há elementos no entorno que podem ajudar.
Ao mesmo tempo em que sua equipe se
digladia, cresce no Congresso a ideia de que é hora de olhar com mais firmeza
para o lado das despesas. Não basta aquilo que o arcabouço se propôs a fazer,
que é conter o ritmo de crescimento da despesa. É, de fato, fazer alguma
contenção.
Esse pensamento tem ganhado musculatura à
medida que aportam no Legislativo propostas para elevar impostos. Na
segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou duas delas: um
projeto de lei instituindo cobrança do Imposto de Renda (IR) em fundos offshore
e uma medida provisória (MP) que estabelece o recolhimento periódico de IR
sobre ganhos em fundos de investimento exclusivos.
São “maldades” a serem votadas enquanto
Lula abre seu saco de “bondades”: aumento real para o salário mínimo, elevação
do limite de isenção do IR da pessoa física, corte de impostos para automóveis,
ônibus e caminhões e os vultosos investimentos do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC).
Desde a retomada dos trabalhos do Congresso
neste segundo semestre, tem aumentado o número políticos importantes que
passaram a defender a reforma administrativa. Ao mesmo tempo, avança a ideia de
se estabelecer um limite para a carga tributária.
Taxada por Gleisi de “criminalização do
servidor”, a reforma administrativa foi primeiramente defendida pelo presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nos bastidores do governo, esse posicionamento
foi comparado à espada de Dâmocles, aquela que paira sobre as cabeças e é uma
ameaça constante. É, na visão dessa fonte, uma pressão que pode ser desencadeada
por outras razões: demora na nomeação de aliados e na liberação de verbas e
emendas, por exemplo.
Nos últimos dias, a reforma administrativa
ganhou novos defensores. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) disse que essa é uma
reforma “subsequente” à que relata no momento, a tributária. Ele também tem
dito que pretende colocar na Constituição um limite ao “poder de tributar”.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), também tem dado declarações sobre reforma administrativa e sobre a
necessidade de melhora na qualidade do gasto público. Tal como Braga, defende o
limite para a carga tributária. Na sua visão, teria um viés de invocar a
responsabilidade do Estado na contenção de gastos.
Braga e o relator da reforma tributária na
Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) defenderam a reforma administrativa em um
talk show realizado durante a premiação “Valor 1000”, na última segunda-feira.
Esse ambiente que vem se formando no
Congresso ganhou um suporte de ordem técnica. No último fim de semana, o
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que recentemente o
mercado se tornou mais exigente em relação à política fiscal. Num quadro assim,
é preciso adotar mais medidas que fortaleçam o ajuste. Citou como exemplo a
reforma administrativa.
Acabar com a estabilidade dos servidores
não está no radar deste governo. Melhorar a qualidade dos gastos, sim.
Discretamente, o Ministério do Planejamento faz um trabalho de avaliação de
políticas públicas com esse objetivo. Gastar melhor, ao cabo, pode trazer
economia. Prevendo as resistências que se levantarão na Esplanada, o trabalho
tem sido revelado a conta-gotas. Porém, o arcabouço não pode seguir dependente
de medidas pelo lado das receitas. Está na hora de olhar para o lado das
despesas.
Lendo e aprendendo.
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