Valor Econômico
Comissão dificilmente avançará mais do que
o Ministério Público e a Polícia Federal na apuração dos fatos
Instalada em meio à crescente desconfiança
quanto à efetividade das comissões parlamentares de inquérito, a CPI da
Americanas tem a oportunidade de concluir seus trabalhos deixando pelo menos um
legado positivo. Para tanto, defendem fontes do meio corporativo e integrantes
de órgãos de fiscalização, o colegiado deveria usar a influência de seus
integrantes para tentar impulsionar a tramitação de um projeto que regulamente,
no setor privado, a figura do “denunciante de boa-fé”. O chamado
“whistleblower”.
O prazo de funcionamento da CPI é 14 de setembro, mas pode ser prorrogado. Os entusiastas de ampliá-lo, aliás, ganharam novo ânimo com a revelação de que ex-funcionários da companhia já fecharam ou negociam delações premiadas.
No entanto, é preciso reconhecer que a CPI
dificilmente avançará mais do que o Ministério Público e a Polícia Federal na
apuração e na responsabilização dos arquitetos da bilionária fraude executada
na empresa. Justamente por isso existe a demanda para que as discussões finais
da CPI se concentrem na apresentação de um conjunto de proposições para
aprimorar a legislação brasileira.
Nesse contexto, a figura do “whistleblower”
é citada como principal exemplo: “soprador do apito”, na tradução literal, é o
apelido dado à pessoa que decide chamar a atenção para algo irregular que tenha
presenciado. Um informante.
O instrumento constava do Pacote Anticrime
apresentado pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em 2019, mas com foco no
setor público. Previa-se a organização na União, nos Estados e municípios,
incluindo respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista, de
aparatos voltados ao recebimento de denúncias. Segundo a lei, esses informantes
podem receber uma recompensa em dinheiro por suas revelações, com garantias de
preservação de identidade e não retaliação.
Mas a iniciativa não decolou. Não
avançaram, também, as articulações para que o instrumento fosse regulamentado
no mundo corporativo privado, conforme ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.
Fontes que acompanham os trabalhos da CPI
acreditam que a devida regulamentação da figura do “denunciante do bem” poderia
ter gerado os incentivos necessários para que funcionários da Americanas
alertassem as autoridades a tempo, antes de o escândalo eclodir. Algo nesse
sentido foi dito, por exemplo, pelo ex-CEO da empresa Sergio Rial em depoimento
à própria comissão nessa terça-feira (22). Executivos da atual gestão concordam
com a tese.
Concentrar-se em proposições legislativas
focadas no futuro pode ser a receita para evitar que a CPI da Americanas se
desvie dos objetivos que justificaram a sua criação. Do contrário, o colegiado
pode acabar confirmando a tese daqueles que duvidaram da sua efetividade desde
o início.
Esse, aliás, não é um desafio apenas dessa
comissão.
A CPMI do 8 de Janeiro vive um impasse
devido à insistência da base governista em obter Relatórios de Inteligência
Financeira (RIFs) relativos às movimentações do ex-presidente Jair Bolsonaro e
da ex-primeira-dama Michelle. A estratégia surgiu depois do avanço do
noticiário a respeito da venda de presentes oficiais dados ao Estado
brasileiro.
Já a CPI das Pirâmides Financeiras,
concebida para apurar denúncias de irregularidades cometidas com criptoativos,
tenta surfar em outra polêmica recente. Depois de tentar realizar depoimentos de
celebridades, a comissão informa que irá convocar os sócios da 123milhas.
Muitas CPIs já cometeram o mesmo erro
estratégico. Em março de 1952, quando foi sancionada a lei que regulamentava a
atuação das comissões de inquérito no Legislativo, parlamentares comemoraram a
possibilidade de convocar ministros de Estado, demais autoridades e investigar
eventuais desmandos no setor privado.
Publicado no “Diário do Congresso
Nacional”, o parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) comemorava o
estabelecimento tardio de um mecanismo previsto na Constituição de 1946.
Classificava o instituto da CPI como uma revolução que deputados e senadores
deveriam se empenhar para valorizar perante a opinião pública.
Porém, o próprio parecer alertava que no
Brasil as comissões de inquérito enfrentavam tamanho grau de descrédito que “só
um grande esforço de compreensão de deveres por parte daqueles que se venham a
constituir, no futuro, pelo Poder Legislativo, conseguirão anular o desconceito
público a que as suas similares atingiram”. E acrescentava: “Costuma-se mesmo
dizer, à boca pequena e não sem grande plausibilidade, que as nossas Comissões
de Inquérito, evidentemente, as que se constituem para apontar dilapidadores do
patrimônio público ou práticas desonestas ou viciosas da administração - só têm
servido para dar o ‘bill’ [endosso] de idoneidade aos seus indiciados,
acobertando-os com o galardão do ‘nada apurado’”.
A CPI da Americanas se aproxima de uma
encruzilhada. Precisa definir seus próximos passos e como pretende ficar
registrada no “Diário do Congresso”. O mesmo serve para a CPMI do 8 de Janeiro
e outras comissões em funcionamento.
Pois é.
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