Valor Econômico
Projeto voltou a Brasília e parece não ter
ideias muito diferentes daquelas que trouxeram prejuízos ao contribuinte
brasileiro
O Estado empresário voltou a Brasília com o
paletó cheirando a guardado. Não se sabe exatamente quais são seus planos. Pelo
que foi divulgado até agora, não parece que tenha ideias muito diferentes
daquelas que trouxeram prejuízos ao contribuinte brasileiro e que o colocaram
na geladeira nos últimos quatro anos. Mas seu entorno diz que desta vez será
diferente.
À parte seus defeitos, a Operação Lava-Jato
mostrou que o Estado empresário se envolvera com sócios de conduta duvidosa e
que recursos de empresas estatais foram desviados. Na raiz dessa associação,
desde a origem pouco auspiciosa, estava a falta de base do governo no
Congresso. Ligando os pontos com o cenário atual, fica difícil manter o
otimismo.
O déjà-vu ficou forte com o lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Estado empresário ficará responsável pela maior parte do programa, de R$ 1,7 trilhão. A participação privada, que dá suporte ao termo “Novo”, responderá por R$ 612 bilhões.
Além disso, está em gestação no governo uma
política de compras públicas, que será uma das principais alavancas da
“neoindustrialização”. A ideia é usar o peso da União e das empresas estatais
para adquirir preferencialmente produtos fabricados aqui.
Não é uma ideia nova. Em 2010, foi
estabelecida uma margem de preferência de 25% para empresas brasileiras. Ainda
não está batido o martelo se nessa nova edição a política de compras públicas
terá margem, nem de quanto.
Antes malvista como uma espécie de gol de
mão, a preferência a produtores locais passou a ser praticada nos últimos anos
pelas economias centrais. Neste ano, o Brasil retirou sua oferta para ingresso
no acordo de compras governamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Esse é também um tema sensível na nova rodada de negociações do acordo
Mercosul-União Europeia.
Compra de insumos de fabricação nacional
será um pilar nos R$ 323 bilhões em investimentos que a Petrobras fará
no PAC. Esse mecanismo também já foi usado no passado, sem que se tenha notícia
da produção de um novo e pujante complexo de fornecedores para o setor de
petróleo.
A retomada dos investimentos da estatal
ganhou pista limpa. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF)
rejeitou denúncia contra um suposto esquema de desvio de recursos da
Transpetro, encarregada dos navios e dutos da Petrobras.
Era o chamado “quadrilhão do PMDB”, que, segundo denúncia da Procuradoria-Geral
da República (PGR) com base em investigações da Lava-Jato, desviara R$ 864
milhões entre 2004 e 2012.
A pergunta que só os fatos responderão é se
o Estado empresário repetirá os erros do passado ou não.
Em entrevista a este jornal, o ministro da
Casa Civil, Rui Costa, disse que haverá reforço na governança das empresas e um
aperto nas regras de compliance. A Controladoria-Geral da União (CGU) foi
escalada para manter olho vivo nas estatais e nos ministérios.
No caso das empresas estatais, os
conselheiros de administração que representam a União estão sendo treinados
para serem, de fato, o olho do dono.
Porém, há quem reconheça nos bastidores que
não foi por falta de mecanismos de controle que os desvios ocorreram. O
problema foi não tê-los utilizado.
Com as estatais na berlinda da opinião
pública diante de malfeitos do passado, o governo quer agora demonstrar a que
vieram. Privatizá-las não está proibido, mas é algo totalmente fora do radar.
Pelo contrário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encomendou à sua equipe
um diagnóstico sobre como cada uma delas pode ser fortalecida para executar
políticas públicas.
É um pedido que parece confundir causa e
consequência, na avaliação de Fernando Soares, professor no Instituto
Brasiliense de Direito Público (IDP) e na Fundação Dom Cabral. Funcionário
público de carreira, ele foi secretário de Estatais no governo anterior, mas
não integrava a ala dos privatistas radicais.
A Constituição diz em seu artigo 173 que o
Estado empresário só pode atuar em temas que envolvam segurança nacional ou
relevante interesse coletivo. Nessa segunda categoria, podem ser enquadradas empresas
relacionadas à área de pesquisa, como a Embrapa. No mais, a criação de empresas
pelo governo se justifica em casos excepcionalíssimos, explicou. Assim, na sua
visão, o esforço de identificar quais políticas públicas podem ser executadas
pelas estatais inverte a lógica constitucional.
O Estado empresário foi convocado a
Brasília para tentar elevar a taxa de crescimento da economia, projetada pelo
Ministério da Fazenda em algo como 2,5% ao longo deste mandato de Lula. Para
quem alcançou o “pibão” de 7,5% em 2010, pode parecer pouco. No entanto, o
passado tumultuado preocupa.
Ao mesmo tempo em que se tenta retomar a
receita do passado, caminha uma agenda de reformas econômicas: tributária, novo
arcabouço fiscal, reforma do crédito, transformação ecológica. Dado seu
potencial, mereceria mais atenção do que a dada ao Estado empresário.
Pois é.
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