O Estado de S. Paulo
Quanto mais soubermos sobre o Brasil,
quanto maior for a qualidade de nossos dados, mais chance teremos de crescer
A indicação do economista Marcio Pochmann
para o IBGE trouxe uma pequena polêmica. Aproveito-me dela para tratar de um
tema maior: a importância da estatística.
O campo passou por um momento tenebroso.
Jair Bolsonaro não quis financiar o Censo. Foi obrigado a isso e acho que a
resistência a essa loucura foi pequena, revelando que o Brasil ainda não
valoriza a coleta e análise científica dos dados. Apenas alguns ex-presidentes
do IBGE e um grupo pequeno de jornalistas tentaram pressionar o governo para
retirá-lo do que consideravam suas duas trincheiras: a ignorância sobre o valor
do trabalho estatístico e a vontade de evitar que o Brasil contemplasse o
próprio retrato.
O problema ocorreu num período de pandemia, em que Bolsonaro se dedicou a uma dupla negação: a da existência do vírus e a dos dados sobre seu impacto. Foi necessária uma associação de órgãos de imprensa e autoridades estaduais para que pudéssemos acompanhar ao menos o número de contaminações e o de mortes. No entanto, o trabalho com os números poderia ter sido um instrumento muito mais poderoso na luta geral contra a pandemia.
Interessante registrar que, assim como
nosso sistema de vacinação é um dos mais respeitados no mundo, o de coleta e
análise de dados feito pelo IBGE também é internacionalmente elogiado,
rivalizando com o sistema francês, uma espécie de pioneiro no ramo. Os
entendidos afirmam que o IBGE trabalha com frequência, emprega métodos
rigorosos e mantém estreita colaboração com as universidades.
Bolsonaro, inicialmente, negou-se a financiar
o Censo e, uma vez obrigado a fazê-lo, foi acusado de tentar suprimir dados
sobre uma de suas obsessões: gays e o povo LGBT. Creio que esse período está
superado.
É um lugar-comum afirmar que os dados do
Censo orientam as políticas públicas. Na verdade, eles revelam muito mais: as
grandes oportunidades perdidas. Ricardo Henriques, analisando o momento do País
com base no Censo, observa algo importante: passou o período do bônus
demográfico. Classificamos esse período como aquele em que é maior o número das
pessoas que trabalham, em relação ao de crianças e idosos. Como poderíamos
tê-lo aproveitado melhor? Certamente, um dos caminhos é a educação, em que os
avanços foram menores que o necessário, sobretudo para a juventude negra.
O atual governo não compartilha do mesmo
preconceito de Bolsonaro em relação à estatística. Ao contrário, tudo indica
que deva fortalecer o setor, da mesma maneira como se empenha no campo da
vacinação, apesar de ter tropeçado no caso da dengue, recusando-se a importar
vacinas japonesas.
Os perigos de uma deformação ideológica dos
números são muito grandes. Eles repercutem na credibilidade do governo,
sobretudo na sua política econômica. Isso aconteceu na Argentina entre 2007 e
2015, ao menos até a demissão de Guilhermo Moreno, o homem que comandou a
maquiagem dos números de crescimento e inflação.
Há muitas razões para acreditar que isso
não acontecerá no Brasil, e a qualidade técnica do IBGE é uma garantia. O
próprio Marcio Pochmann já escreveu artigos não só denunciando equívocos
estatísticos, mas também revelando conhecimento do tema.
Outro argumento importante: o governo tem
se empenhado no Congresso em projetos que garantam a credibilidade de sua
política econômica, fator necessário ao crescimento.
A luta pelos números no governo Bolsonaro
foi uma luta primária, destinada a evitar a morte de um trabalho técnico
científico sem o qual ficaremos no escuro. A etapa, agora, é de garantir a
frequência, fortalecer o rigor, impulsionar o crescimento.
Como o exemplo do bônus demográfico, os
números nos revelam as grandes oportunidades. Se as perdemos, não podemos
culpá-los, e sim voltarmos a eles em busca de novas revelações não só para
possíveis saltos, como também para modestos progressos no que somos muito
atrasados, caso do saneamento básico.
O que pode ocorrer em muitos governos é uma
certa timidez não tanto em colher números, mas ao acompanhar com eles o
resultado de suas políticas. Aí, a tendência ao otimismo é grande e, para dizer
a verdade, a tendência à omissão é maior ainda. Programas surgem, fazse o
estardalhaço, mas é raro usar os números para corrigilos em rota. O mais
frequente é contentar-se com o resultado político e ignorar o resultado real.
A conclusão é esta: quanto mais soubermos
sobre o Brasil, quanto maior for a qualidade de nossos dados, mais chance
teremos de crescer. Os números percorrem uma longa e tortuosa realidade para
operarem o milagre que esperamos: Orçamento, Congresso, emendas, planos de
obras, eventuais superfaturamentos, feudos políticos. Enfim, nunca se pode ser
também demasiadamente otimista. Aliás, nem a própria estatística escapa do
ceticismo, a julgar pelo número de piadas que inspira. É comum afirmar que
torturando os números eles entregam o que você quer. Algumas são frases
clássicas de Millôr Fernandes: nunca diga uma mentira que não possa provar; ou,
mesmo, o perigo da meia verdade é contar sempre a parte que é mentira.
Também é do grande humorista: as
estatísticas provam: as estatísticas não provam nada. Mas a verdade é que
ajudam muito.
Adoro frases inteligentes.
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