sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Vera Magalhães – Tributária sem oba-oba no Senado

O Globo

Falta de estimativa sobre alíquota de novo imposto, superpoderes de conselho e lista sem critérios para isenções são pontos considerados falhos do texto da Câmara

Aquele clima de momento histórico, de que “agora vai”, visto na votação da reforma tributária na Câmara dos Deputados está longe de refletir a disposição com que o Senado se debruçará sobre a matéria, que só chegou à Casa ontem, pois o texto final ainda estava sendo redigido.

A avaliação da cúpula do Senado é que a bola saiu mais quadrada da Câmara do que o oba-oba visto pela contingência, de fato notável, de aprovar uma reforma de tamanha importância depois de tantas décadas permitia supor.

Existe um desconforto com pontos fulcrais da reforma, entre eles o principal, que não está no texto da Proposta de Emenda à Constituição: afinal, qual será a alíquota dos dois correspondentes ao IVA, o imposto sobre consumo dual que substituirá uma cesta de outros tributos?

Ser esse o segredo mais bem guardado da reforma deixa uma pulga atrás da orelha não só dos senadores, mas de vários analistas e setores que se puseram a fazer contas mais detalhadas apenas depois da aprovação com placar robusto pelos deputados.

Noves fora, há quem se debruce sobre o modelo proposto e estime que a alíquota pode superar os 25% colocados como balizador nas conversas do governo e do Congresso, mas que não apareceram ainda em nenhum estudo mais detalhado e embasado em modelos confiáveis.

Dada a ausência de cálculos precisos fornecidos pela Receita Federal e pela Fazenda, caberá ao Tribunal de Contas da União fazer o estudo que norteará os trabalhos do Senado. Dada essa disposição de olhar com lupa o que chegou à Casa e, se preciso, alterar profundamente o texto, as estimativas de prazo da fase de tramitação senatorial não se contam em semanas, mas em meses. As mais otimistas preveem que ela seja votada no plenário lá pelo fim de outubro.

Não só na alíquota moram os dilemas dos senadores. Causa dúvida o modelo aprovado para o Conselho Federativo, organismo que arbitrará a arrecadação e a divisão, entre estados e municípios, do IBS, o Imposto sobre Bens e Serviços, substituto do ICMS (estadual) e do ISS (municipal). O incômodo se deve aos superpoderes do conselho, que, na visão que predomina nas lideranças do Senado, compromete o pacto federativo e usurpa prerrogativas de governadores e prefeitos.

Também existe o temor de que, para compor com governadores contrários à reforma e ao conselho, a Câmara tenha cedido demais aos estados do Sul e do Sudeste, em detrimento de Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Como, no Senado, a composição é idêntica para cada unidade federativa, essas regiões que se sentem prejudicadas têm tudo para alterar a correlação de forças no texto. E no voto.

Além disso, os lobbies que atuaram fortemente na reta final da discussão da Câmara, com os que tentam ir à forra agora, tornam impossível saber exatamente como fica a lista de exceções ao imposto geral, que ninguém conhece ao certo. Corria ontem à boca pequena entre os senadores que nove entre dez deputados que votaram a favor do texto não passariam numa sabatina sobre o que foi aprovado.

Entre as idiossincrasias da lista de quem terá alíquota menor, algumas saltam aos olhos: com a isenção para produtos de higiene pessoal, enxaguante bucal, um item de luxo, pagaria menos que água sanitária, produto presente em muitas casas que serve também para higienizar alimentos.

Diante de uma lista tão grande de incertezas e divergências entre deputados e senadores, é papel dos setores da economia e da imprensa arregaçar as mangas e estudar o que está na mesa, cobrando os cálculos que mostrarão se, afinal, o sistema ficará mesmo mais racional ou se o país corre o risco de deparar lá na frente com uma carga tributária ainda maior.

 

2 comentários:

  1. ''Nove entre dez'' deputados votaram o texto da reforma sem saber o que estava votando,eu bem que achava estranho aquele pessoal todo entendendo essa barafunda,rs.

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