Folha de S. Paulo
Países amazônicos emulam santo Agostinho
A leitura da Declaração
de Belém, o documento final da primeira Cúpula
da Amazônia, me transportou para a África do século 4º. Foi ali que um
jovem, que mais tarde se converteria num dos principais filósofos católicos,
Agostinho de Hipona, ou santo
Agostinho, teria dito "Deus, dai-me a castidade e a continência, mas
não agora" (Confissões VIII, 7).
Os governantes amazônicos, como o santo, desfilam ótimas intenções, mas evitam comprometer-se com atitudes concretas para realizá-las. Em duas ausências notáveis, não propuseram uma meta conjunta de zerar o desmatamento nem descartaram prospectar petróleo na região. É como se dissessem "Deus, dai-nos a continência para preservar as florestas e abandonar os combustíveis fósseis, mas não agora".
O texto da declaração decepciona, mas não
surpreende. Ele só reproduz a mais universal das estratégias de sobrevivência,
inscrita no DNA de quase todos os seres vivos, que é a de valorizar mais o
presente do que o futuro. É que, para chegar ao futuro, você precisa antes
sobreviver ao presente.
Essa lógica implacável explica alguns dos
aspectos mais dramáticos da existência, da senescência (genes que favorecessem
a performance do indivíduo em idade mais avançada em detrimento do desempenho
em fases anteriores tenderiam a ser eliminados pela seleção natural) aos
principais dilemas econômicos. Juros, investimento, poupança etc. podem ser
descritos como uma negociação entre o presente e o futuro.
Isso significa que podemos dar adeus à
sustentabilidade e ao pacto intergeracional? Não necessariamente. O viés
pró-presente é tanto mais forte quanto mais instável e imprevisível é o
ambiente.
Mas, se logramos obter algum nível de
controle sobre ele, em algum ponto passa a fazer sentido provisionar-se para o
futuro, mesmo que sacrificando parte do bem-estar atual. E, no que diz respeito
ao ambiente, nós já
passamos há muito desse ponto.
Verdade.
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