Folha de S. Paulo
Haddad só disse o óbvio quando afirmou que
Câmara tem poder demais
Ao contrário de quase todo mundo, não acho
que Fernando
Haddad tenha errado ou sido inábil ao mencionar o "poder muito
grande" da Câmara, declaração
que despertou a ira de Arthur Lira e
travou a tramitação do arcabouço
fiscal. Essa foi, a meu ver, uma observação sociológica trivial que, em
períodos normais, seria tomada como um truísmo. Mas, como Lira trava um cabo de
guerra com Lula em
torno da nomeação de ministros do centrão, o presidente da Câmara usou a fala
do ministro para mostrar suas garras. Se não fosse isso, teria encontrado um
outro pretexto.
No mérito, Haddad está corretíssimo. A Câmara está hoje forte demais, mas essa é só metade de uma história bem mais intricada em que Executivo e Legislativo vêm há anos se testando e recalibrando suas forças.
No governo FHC,
os poderes da Presidência ainda eram imperiais. Medidas provisórias, desde que
não fossem rejeitadas pelo Congresso, podiam ser reeditadas indefinidamente.
Mais, o Orçamento era autorizativo, não impositivo. Isso significava que a
principal peça legislativa de qualquer Parlamento era uma mera sugestão que o
Executivo podia acatar ou contingenciar.
Mudanças paulatinas na legislação
reequilibraram um pouco melhor os Poderes. Hoje, as medidas provisórias
precisam ser aprovadas dentro de um prazo específico ou perdem a validade. O
Orçamento passou a ser bem mais impositivo. Com isso, passamos a ter um Legislativo
mais de acordo com a teoria da repartição dos Poderes.
Houve, porém, exageros no sentido oposto.
Nem falo do chamado orçamento
secreto, que foi em tese proibido pelo STF. O fato de as emendas de
parlamentares serem quase todas impositivas também é um problema. Com isso, não
há tanta diferença para um deputado estar com o governo ou com a oposição, o
que priva o Executivo de uma de suas principais ferramentas para formar
maiorias legislativas.
Democracia é sempre uma obra em construção.
A Ira de Lira foi sem razão.
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