O Estado de S. Paulo
Agora, que o fluxo de investimentos no Fundo Amazônia está voltando, o Brasil vai lidar com o dinheiro AAA (não só o norueguês) como um parceiro sério?
Um ano e meio atrás, Vladimir Putin iniciou
uma guerra. Queria um futuro grandioso para a Rússia. Fazia parte dos cálculos
de ganhos com a invasão da Ucrânia uma valorização do petróleo e do gás, as
principais fontes de riqueza de seu país.
Um ano e meio depois, alguns números,
medindo os resultados desses cálculos de grandeza, emergem como realidade. Já
se sabe que o PIB russo caiu – a medida de quanto é para lá de controversa. Um
indicador mais claro pode ser o das receitas governamentais com o setor de
energia: desabaram 36% entre junho de 2022 e de 2023. A projeção atual é de uma
queda anualizada de US$ 70 bilhões – 4,6% do PIB nacional.
Existe também quem ganhou muito dinheiro com a guerra. Entre o início de 2022 e o final do 1.º semestre de 2023, segundo estimativas prévias do Ministério das Finanças da Noruega, o país obteve receitas extras de US$ 170 bilhões, graças aos aumentos de preço do petróleo provocados pelo conflito.
O contraste entre planos para ganhar
dinheiro com petróleo e dinheiro efetivamente ganho trouxe também uma mudança
radical de finalidades no uso dos recursos. Ela se deve inteiramente às leis e
instituições norueguesas. A chuva de dinheiro novo nem mesmo respinga na
economia interna do país.
Desde a década de 1990, as receitas de
petróleo são mandadas para o Fundo Soberano Noruega. O dinheiro é aplicado com
a finalidade específica de prover um futuro melhor para as futuras gerações de
noruegueses. Graças à simpática ajuda de Putin, os ativos totais atingiram U$S
1,5 trilhão – três vezes o valor do PIB nacional, ou algo próximo ao PIB
brasileiro. Com a graninha extra, cada bebê norueguês vem ao mundo com uma
poupança de US$ 275 mil. E que poupança!
A gestão é superlativa. O Fundo tem rating
AAA, superior inclusive ao dos títulos do Tesouro dos EUA. Os recursos estão
espalhados por 9 mil das mais sólidas empresas do planeta (daí porque a entrada
de dinheiro afete pouco a economia interna). A rentabilidade é superior à média
da economia mundial.
Essa potência vem muito do forte viés ESG
das aplicações, no geral mais duro que no restante do planeta. O fundo faz
constante escrutínio, não apenas sobre o perfil ambiental das empresas nas
quais se investe, como também da avaliação pessoal dos dirigentes dessas
empresas no que se refere ao comprometimento com o meio ambiente. Já cortou
investimento em algumas empresas brasileiras nas quais aplicava, por deslizes
ambientais delas.
Com tal rigor, o generoso presente de Putin
está se tornando investimento ambiental. No mar de recursos, o curto prazo não
é exatamente uma preocupação. A pergunta essencial é sempre repetida:
“Aplicamos o dinheiro de modo a dar um futuro melhor a nossos filhos?”.
Com dinheiro novo em caixa, alguns
noruegueses consideraram que, apesar dos cuidados, falta ambição nas
aplicações, para chegar às metas necessárias para controlar o aquecimento
global. E analisam propostas para aplicar dinheiro, eventualmente com
rentabilidade negativa, em financiamento de uma transição mais acelerada, em
países pobres.
Aí entraria o Brasil – não exatamente pela
miséria. O Brasil tem reservas de petróleo maiores que a Noruega. Também ganhou
seu presentinho de Putin. No ano passado, os lucros da Petrobras foram de R$
188 bilhões; o aumento de R$ 82 bilhões em relação a 2021 foi explicado pela
empresa como derivado essencialmente da alta de preços – tal aumento é de US$
15,5 bilhões, pelo dólar médio de 2022. O País tem também instituições sólidas
e sofisticadas. A isso se soma o que realmente interessa em termos globais: uma
natureza categoria AAA, única no planeta.
A junção entre capital investido com viés
ambiental e esta totalidade relevante aconteceu quando noruegueses, alemães – e
a própria Petrobras – se juntaram, em 2008, para colocar dinheiro no Fundo
Amazônia, administrado pelo BNDES.
Natureza AAA, financiada por capitais AAA:
algo que raramente ocorre no mundo. Mas, como ocorreu no Brasil, o conjunto
sofreu um teste de estresse, com cálculos econômicos derivados de Trump: uma
gestão insistindo no ato de chutar capital ambiental como se fosse política
soberana de desenvolvimento. O chute foi certeiro. O resultado, digno de Putin:
retirada dos capitais, sem desenvolvimento.
Enquanto isso, a Noruega continuou enriquecendo
e sendo responsável ambientalmente. O país produz petróleo, mas vende gasolina
no mercado interno a US$ 2,25 o litro – e seus habitantes são, de muito longe,
os maiores usuários proporcionais de carros elétricos do planeta. Para
contrastar: a Venezuela, com reservas de petróleo 40 vezes maiores, cobra US$
0,004 por litro (562 vezes menos). Pensar nos filhos ou esbanjar e emitir
carbono hoje dão resultados muito diferentes no longo prazo.
Agora, que o fluxo de investimentos no
Fundo Amazônia está voltando, vale a pergunta: o Brasil vai lidar com o
dinheiro AAA (não só o norueguês) como um parceiro sério, em ações sóbrias com
vistas ao futuro, ou vamos pedir palpites, a Putin, Trump ou Maduro, em planos
para tentar descolar uma graninha – e, ao mesmo tempo, chutar ricos metidos a
ambientalistas? A guerra na Ucrânia, que começou com um cálculo sobre ganhos
com petróleo e caminha com lucros para ambientalistas, pode servir nas
avaliações.
*ESCRITOR, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA
DE LETRAS (ABL)
Muito interessante!
ResponderExcluirLembro bem o comprometimento de Paulo Guedes com o meio ambiente! Mas lembro especialmente o comprometimento de Jair Bolsonaro e de Ricardo Salles com o meio ambiente, com os indígenas, com a Amazônia. Os 3 COMPROMETERAM totalmente a política federal nestes assuntos!
●Bolsonaro, Lula s quase todos no Brasil agridem o meio ambiente e os indígenas.
ResponderExcluir■O Meio Ambiente e os Indígenas são violentados neste país por quase todos e por todos os lados::
▪Jair Bolsonaro estimulava garimpo e queimadas na amazônia ;
▪Lula/Dilma afogaram milhares de indígenas de diversas tribos, suas memórias, histórias e formas de vidas para a construção de hidrelétricas cujos estudos executivos já indicavam, antes de suas licitações, de que eram inviáveis pela localização e porque iriam exigir reservatórios de água gigantescos.
Estão lá, as usinas hidrelétricas de Santo Antônio, Giral e Belo Monte, como monumentos erigidos à insanidade e à barbárie.