Correio Braziliense
A Guiana Francesa se manteve isolada, mas agora
sofre com os imigrantes ilegais: garimpeiros brasileiros e peruanos,
traficantes colombianos e refugiados haitianos
As mudanças climáticas exigem respostas
mais positivas do que a disputa comercial entre os Estados Unidos e a China e a
guerra da Ucrânia, que opõe a Rússia invasora aos países do Tratado do
Atlântico Norte (Otan), o grande bloco militar do Ocidente ainda hegemônico no
mundo, que colocaram a sustentabilidade em terceiro plano na geopolítica
mundial. A necessidade de cooperação entre as nações para conter o aquecimento
global e transitar da economia do carbono para a economia verde, pautada pela
energia limpa e renovável e a preservação da floresta, já “internacionalizou a
Amazônia”, que passou a ser uma preocupação mundial, independentemente das suas
fronteiras nacionais.
O desmatamento da Amazônia durante o governo Bolsonaro, cujo impacto no aquecimento global foi enorme, por causa das queimadas e derrubadas de árvores, foi um catalisador dessa internacionalização. Zerar o desmatamento é a forma mais eficiente e barata de reduzir o aquecimento global e ganhar tempo para a conversão à economia verde. Os países da União Europeia são os mais empenhados nesse processo. Não por acaso, na segunda-feira, o presidente Emmanuel Macron reivindicou que a França passe a integrar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), formada por oito países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, República da Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.
“Declaro solenemente que a França é
candidata a participar da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e a
desempenhar um papel pleno nela, com uma representação associando estreitamente
a Guiana Francesa”, disse Macron. Na COP27, no Egito, quando fez dobradinha com
Lula, então recém-eleito, com duras críticas ao ainda presidente Bolsonaro, o
presidente francês já havia declarado, com muita ênfase, que a França se
considera “uma potência amazônica”, por causa da Guiana Francesa. A antiga
colônia francesa se tornou um departamento em vez de conquistar a
independência, como o Suriname, a antiga Guiana Holandesa, e a Guiana,
ex-colônia inglesa.
Quando Macron se refere à França como uma
“potência amazônica”, obviamente não se refere à economia local, mantida por
subsídios e importações. Restringe-se às plantações de arroz e mandioca, além
da pesca e da silvicultura. A principal fonte de renda da Guiana Francesa é o
centro espacial de Kourou. As grandes reservas de madeiras tropicais, que
alimentavam uma indústria de exportação em expansão, e a exploração do ouro,
com forte presença de brasileiros no garimpo ilegal, são atividades predatórias
da Amazônia. A região ultramarina francesa abriga 1,1% da superfície amazônica.
Isolamento
Macron não participou da Cúpula da
Amazônia, neste mês, em Belém, que reuniu líderes dos países da OTCA, apesar de
ter sido convidado. Na segunda-feira, disse que gostaria de ter ido “para ser o
único chefe de Estado europeu, ao lado de embaixadores europeus, para explicar
como financiamos a Amazônia”. O pleito francês deve entrar na pauta da reunião
dos chanceleres dos países membros da OTCA, marcada para novembro, em Brasília.
Não é uma decisão fácil de ser tomada. Os oito países consideram que já cobrem
o território da Amazônia. Mesmo a participação da França como observadora
enfrenta resistência de algumas nações.
Em 2019, ao presidir a reunião do G7
(Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), Macron
traduziu a visão dos países mais ricos do mundo sobre a região: “A Amazônia é
nosso bem comum. Estamos todos envolvidos, e a França está provavelmente mais
do que outros que estarão nessa mesa (do G7), porque nós somos amazonenses. A
Guiana Francesa está na Amazônia”.
Situada na costa setentrional da América do
Sul, como o Suriname e a República da Guiana, a Guiana Francesa parece mais um
território caribenho do que sul-americano. Está isolada do resto do continente
pela floresta amazônica, pois é essencialmente povoada na faixa atlântica. O
idioma francês e o dialeto créole, também presentes nas Antilhas, não são
falados nos demais países sul-americanos.
A Guiana Francesa se manteve isolada, mas agora sofre com os imigrantes ilegais, principalmente garimpeiros brasileiros e peruanos, traficantes colombianos e refugiados haitianos. O Brasil sempre deu mais importância estratégica à cooperação com a Guiana do que a própria França. A Ponte Binacional Franco-Brasileira liga as cidades de Oiapoque, no Amapá, e Saint-Georges-de-l’Oyapock, na Guiana Francesa. Com duas torres de 83 metros de altura e um comprimento de 378 metros, é uma ponte estaiada, com duas faixas de rodagem e uma calçada para pedestres. Por ela, neste mês, saiu o primeiro carregamento de soja do Amapá para a França.
Pois é.
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