Correio Braziliense
Lula e Lira jogam uma partida em que alternam
surda confrontação e cooperação. Nesse “tit for tat”, sempre acaba prevalecendo
a cooperação como estratégia mais vantajosa
O novo arcabouço fiscal desencantou, nesta
terça-feira, na Câmara, notícia boa para todo mundo, em especial para os
moradores de Brasília, que conseguiram manter o Fundo Constitucional que
financia a segurança pública e a educação. Seu desenho garante novas regras
para o exercício fiscal, uma vez que o antigo teto de gastos, se mantido,
exigiria um um corte brutal nas despesas do governo, com grande impacto
negativo na economia. Além de reduzir os investimentos públicos, seria um sinal
péssimo para investidores e empresas, com possível alta da inflação e
estagnação da economia. E também um fator de crise institucional.
A próxima etapa agora é a aprovação da reforma tributária, que ainda é objeto de negociações no Senado, em razão das emendas feitas na Câmara. A resistência dos estados do Sul e do Sudeste ainda é grande, principalmente em relação à centralização da arrecadação pela União. Também se negocia a redução das isenções aprovadas na Câmara, cujos jabutis podem provocar o aumento das alíquotas. A reforma tributária será a principal âncora da política econômica do governo Lula, que é protagonista de uma reforma das mais difíceis, discutida há mais de 30 anos no Congresso.
O preço da governabilidade será a
participação do Centrão no governo Lula, com dois ministérios e a Caixa
Econômica Federal. É um acordo no qual já se conhece os nomes dos santos, os
deputados Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa (Republicanos-PE), mas não os milagres.
Haveria um remanejamento na equipe de governo, com uma troca de cadeiras dos
ministros Wellington Dias (PT), do Desenvolvimento Social, e Márcio França
(PSB), de Portos e Aeroportos.
A presidente da Caixa Econômica, Maria Rita
Serrano, também já está no cadafalso. A ex-deputada Margareth Coelho, diretoria
financeira do Sebrae, é pule de 10 para o cargo. Essa é uma expressão dos
aficionados do turfe, significa que um determinado cavalo é muito superior aos
demais e tem vitória quase certa. Prata da casa, Serrano não se destacou no
cargo, que sempre foi muito cobiçado pelos políticos.
Lula viajou à África do Sul, mas deixou
tudo acertado com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com quem passará
a compartilhar o poder, mas não antes da aprovação dos projetos de governo que
estão na pauta da Câmara. Os partidos de esquerda que compõem o governo e os
aliados de centro, principalmente do MDB, também, mas há uma diferença
fundamental: hoje, Lira é presidente da Câmara e não compartilha esse poder com
ninguém. Mas deixará o cargo em 2025 e terá duas opções: se incorporar ao
governo ou passar à oposição.
Conciliação
Naturalmente, PT e seus aliados de
esquerda, que perderão poder, torcem o nariz para a aliança com Lira, mas era
inevitável. A favor do presidente da Câmara conta muito seu posicionamento no 8
de janeiro, quando houve uma tentativa de golpe, mesmo tendo apoiado a
reeleição de Bolsonaro. Lula e Lira jogam uma partida em que alternam surda
confrontação e cooperação. Nesse tit for tat, sempre acaba prevalecendo a
cooperação como estratégia mais vantajosa do que o jogo de soma zero para ambas
as partes: o confronto.
Em inglês, qualquer represália paga na
mesma moeda é chamada de tit for tat. A expressão vem do holandês dit vor dat,
“este por esse”, que corresponde a outra expressão inglesa usada no latim
original, quid pro quo — “uma coisa pela outra” ou “compensação”. Na teoria dos
jogos, segundo o famoso astrofísico norte-americano Carl Sagan (As regras do
jogo, Bilhões e bilhões) é a melhor estratégia para construir uma relação de
cooperação num ambiente competitivo.
Na política brasileira, o nome disso é
conciliação. Os políticos nordestinos, desde o Império, são mestres na
composição política pelo alto, graças à qual muitas crises institucionais foram
superadas ou evitadas pelo Congresso. Quando isso não aconteceu, presidentes
foram apeados do poder. Lula sabe disso, acompanhou dramaticamente o
impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Lira também sabe que a conciliação pelo
alto não elimina a disputa política local, o que será demonstrado nas próximas
eleições. O PP e o Republicanos buscaram aproximação com o governo porque são
partidos de vocação governista. Teriam muitas dificuldades eleitorais,
principalmente no Nordeste, batendo de frente com o governo Lula, ao mesmo
tempo em que enfrentariam os partidos de esquerda, principalmente o PT, na
disputa pelas prefeituras nas eleições municipais.
Veja só!
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