O Globo
Um
dos propósitos do encontro dos oito países que compartilham a Floresta
Amazônica nesta semana em Belém, a convite do governo brasileiro, era
demonstrar a força e a liderança de Luiz Inácio Lula da
Silva sobre os países da região, como parte de seu esforço para se tornar
referência mundial em questões ambientais. Tal ambição gerou entre os
ambientalistas grande expectativa de que a declaração final do evento trouxesse
a promessa de zerar o desmatamento na Amazônia até
2030 ou, ao menos, estratégias para chegar lá.
Aos poucos, ficou claro que não havia consenso em torno do compromisso. Ainda assim, celebrava-se o fato de os países da Amazônia se reunirem depois de um hiato de 13 anos, reafirmando a disposição de preservar a floresta. Confiava-se, ainda, na força de uma cobrança conjunta aos países desenvolvidos, alguns dos quais campeões de poluição, para cumprirem suas próprias metas de financiamento a iniciativas sustentáveis das nações em desenvolvimento.
Só
faltou combinar com o colombiano Gustavo Petro,
que jogou água no chope de Lula. Em seu discurso, ele foi direto ao tema que
todos evitavam e pôs o dedo na ferida do grande consenso amazônico, ao insistir
na criação de plano conjunto para banir progressivamente a exploração de
petróleo na floresta. Petro apontou para o óbvio: apesar dos alertas sobre a
Amazônia estar perto do ponto de não retorno (momento em que o desmatamento é
tão grande que a floresta não mais se regenera), ninguém ali se comprometeu a
combater a causa do problema: o consumo elevado de hidrocarbonetos.
— O
que estamos fazendo, além do discurso? E aqui há um enorme conflito ético,
sobretudo por forças progressistas, que deveriam estar ao lado da ciência —
disse Petro. — A direita tem um fácil escape, o negacionismo. Negam a ciência.
Para os progressistas, é muito difícil. Gera então outro tipo de negacionismo:
falar em transições.
A
carapuça poderia servir a vários dos presentes — mas, na interpretação de
diplomatas e ambientalistas, encaixou bem em Lula, que abriu o encontro falando
em transição energética apenas dias depois de garantir em entrevista que o povo
da Amazônia podia “continuar sonhando” com a exploração de petróleo na Margem
Equatorial. O primeiro pedido da Petrobras para
perfurar um poço na região, a 160 km da costa do Amapá e a 500 km da
foz do Rio Amazonas propriamente
dita já foi negado pelo Ibama, gerando uma crise entre a ministra Marina Silva e
o titular das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Novos ruídos são
esperados em breve, quando o instituto divulgar sua decisão
definitiva.
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A
petroleira argumenta que já atendeu a todas as exigências do Ibama e afirma que
se dispõe a dar mais contrapartidas, porque considera a exploração na Amazônia
estratégica para compensar a queda na produção do pré-sal, prevista para depois
de 2032.
Ué?
Mas e a tão propalada transição energética?
Não
é preciso ser expert para concluir que a meta de “descarbonizar” a economia é
complexa. Não só porque muitos países não têm acesso a energia renovável ou a
tecnologia ainda não evoluída a ponto de criar alternativas financeiramente
viáveis, mas também porque o petróleo ainda é extremamente lucrativo.
Para
ficar só num exemplo, a BP, antiga British Petroleum, que iniciou na década
passada uma estratégia para zerar suas emissões em 2030, acaba de anunciar que
diminuirá o ritmo da migração. A Shell fez anúncio parecido. Com a guerra
na Ucrânia e
a decisão de Vladimir Putin de
reduzir o suprimento de energia aos aliados europeus de Volodymyr Zelensky,
vários países têm pedido a essas companhias que produzam mais petróleo. O
resultado é o paradoxo apontado por Petro:
— A
política não pode escapar dos interesses econômicos que derivam do que se chama
“capital fóssil”.
A
fala de Petro recebeu muitas críticas no governo brasileiro ao que se chamou,
intramuros, de “populismo climático”. Para aliados de Lula, é fácil para o
colombiano falar em desmatamento zero na Amazônia, já que não é da floresta que
o país tira o grosso de seu petróleo, e sim do Mar do Caribe — onde a própria
Petrobras trabalha para pôr em atividade quanto antes um grande campo de gás.
Ingênuo
ou populista, Petro foi certeiro ao apontar as contradições de Belém — e, com
seu discurso, escancarar o dilema de Lula. Se ele quiser liderar a agenda
ambiental, precisará resolver sua relação com o petróleo. Ou, pelo menos,
apresentar um plano que convença a comunidade internacional de que sua
exploração é mais limpinha. Do contrário, enfrentará cada vez mais desafios a
sua nova faceta de liderança verde global.
Pois é!
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