Valor Econômico
Na teoria, busca-se cobrar mais imposto
para se pagar menos juro. Na prática, é de correlação de forças que se trata
Se o governo, como diz a Quaest, chegou ao
pico de sua popularidade, a evolução deste patamar depende, em grande parte, do
entrevero entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Da dobradinha que formaram desde a PEC da
transição, saiu a aprovação, pela Câmara, da reforma tributária, do acordo do
Carf e do arcabouço fiscal. O andamento desses projetos projetou uma trajetória
fiscal para o país que deu lastro à primeira redução de juro em mais de dois
anos.
O impasse em torno das “offshores” estava
contratado. Se a abertura dessas empresas no exterior é motivada por vantagens
fiscais, seria previsível que sua taxação seria rejeitada.
Esta taxação e a de fundos exclusivos - ainda não formatada pelo governo - é a “reforma tributária” dos investidores. A outra, mais ampla, venceu resistências federativas e, apesar das exceções excessivas, chegou ao Senado. Esta empacou.
Não é uma reforma que afete um ou outro
setor. Mexe com quem quer que tenha dinheiro suficiente para abrigá-lo num
paraíso fiscal, sejam esses recursos provenientes de ganhos na indústria, no
comércio, de honorários advocatícios ou de transações financeiras.
O governo tanto sabia que não seria fácil
que atrelou a correção na tabela do Imposto de Renda, que isentou ganhos até R$
2,6 mil, à taxação das “offshores” e anunciou o pacto “Robin Hood” no 1º de
Maio. Como a Câmara não indicasse nomes à comissão que analisaria a medida
provisória, o texto foi adicionado à MP do salário mínimo.
A iniciativa abespinhou Lira, que nunca
engoliu a suspensão das prerrogativas adquiridas pela Casa, durante a pandemia,
sobre as MPs. Em vez de negociar com o Executivo um projeto de lei com
urgência, como o fez com o Carf, sentou em cima. Foi a isso que Haddad reagiu
ao se queixar dos superpoderes da Câmara. Pela primeira vez, a dobradinha
trincou em público.
Lira costuma dizer que o Congresso está à
direita do Executivo, mas o conservadorismo tupiniquim teme pôr seu mandato em
risco se votar contra uma medida que taxa rico para isentar pobre.
Por isso, os parlamentares pressionam para
não pautar a votação até o dia 28 de agosto e deixar que a MP caduque. A
possibilidade, porém, também derruba o reajuste da tabela do Imposto de Renda e
o reajuste do salário mínimo.
Depois que as emendas atingiram os R$ 60
milhões por ano per capita, não espantaria se as “offshores” tenham se
popularizado no Congresso. Uma retranca deste porte, porém, só se sustenta com
um apoio que extrapole a Casa.
Há relatos de que o ministro dedica seus
fins de semana a ligar para empresários, banqueiros e economistas e perguntar
sobre as medidas em gestação na sua Pasta. Com as “offshores” não foi
diferente. As sugestões que Haddad e seus secretários colheram resultaram em 16
emendas na comissão que analisou a MP.
Assim como na política, porém, nesse meio
também não se coloca os ovos numa única cesta. Na mesma instituição financeira
em que economistas fizeram sugestões à MP acatadas pela Fazenda, a sucessão
acionária, para efeito fiscal, se deu na Suíça. Noutra, que funciona como uma
plataforma digital de serviços financeiros, o principal acionista transferiu
seu domicílio fiscal para o Uruguai.
Um investidor, que tanto tem offshore
quanto fundo exclusivo, acata facilmente o argumento de que se uma aplicação de
R$ 20 mil em certificado de depósito bancário (CDI) é taxada no Brasil, a de U$
20 milhões numa “offshore” também tem que ser. Também reconhece que os fundos
exclusivos se valem de uma vantagem indevida. E com a mesma tranquilidade
lembra da etimologia da palavra “imposto”. Não é por escolha que se paga.
Conhecedor desta base, de quem se aproximou
desde que assumiu a Câmara com a aprovação da autonomia do Banco Central, Lira
dobrou a aposta. Do outro lado do balcão, está um ministro da Fazenda que, ao
surpreender o mercado, lhe roubou parte do protagonismo.
Ao se expor nesse embate, Lira redobra a
confiança da banca sem precisar que seus titulares se exponham e,
principalmente, se indisponham com o governo. Ao tornar pública a desavença,
Haddad ofereceu esta oportunidade a Lira, que precisa desesperadamente dela
para renovar suas pautas no poder.
Lira se sentiu mais à vontade depois que o
Supremo suspendeu investigações sobre si e anulou caçambas de provas. Valeu-se
do interesse de ministros na safra de indicações do Judiciário e esperam
emplacá-las num governo emparedado pela aliança entre o Legislativo e a toga.
A aliança lhe possibilitou saber, por
exemplo, que há operações em curso, iniciadas no governo passado, da dobradinha
Polícia Federal e Controladoria Geral da União, sobre emendas parlamentares. A
informação, que chegou, do STF, à cúpula da Câmara, foi compartilhada em
reunião de líderes.
Mais do que espaço na Esplanada, Lira
ganhou, com o entrevero, chances de ampliar suas demandas no Executivo. Tem
ainda, como vento a favor de seu poder de barganha, um cenário externo na
economia que em nada ajuda o governo, desde o juro de longo prazo nos EUA,
maligno para emergentes, até o peso morto da Argentina.
Era este o clima que embalava a cúpula da
Câmara na noite dessa quarta-feira em relação a um sempre adiado encontro entre
Lira e o presidente. Na teoria, busca-se cobrar mais imposto para se pagar
menos juro. Na prática, é de correlação de forças que se trata.
A colunista esmiuçou a questão magnificamente! Parabéns a ela e ao blog por divulgar o trabalho desta brilhante jornalista!
ResponderExcluirMaria Cristina Fernandes entende do riscado.
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