quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Maria Cristina Fernandes - Entrevero entre Lira e Haddad afunila futuro

Valor Econômico

Na teoria, busca-se cobrar mais imposto para se pagar menos juro. Na prática, é de correlação de forças que se trata

Se o governo, como diz a Quaest, chegou ao pico de sua popularidade, a evolução deste patamar depende, em grande parte, do entrevero entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Da dobradinha que formaram desde a PEC da transição, saiu a aprovação, pela Câmara, da reforma tributária, do acordo do Carf e do arcabouço fiscal. O andamento desses projetos projetou uma trajetória fiscal para o país que deu lastro à primeira redução de juro em mais de dois anos.

O impasse em torno das “offshores” estava contratado. Se a abertura dessas empresas no exterior é motivada por vantagens fiscais, seria previsível que sua taxação seria rejeitada.

Esta taxação e a de fundos exclusivos - ainda não formatada pelo governo - é a “reforma tributária” dos investidores. A outra, mais ampla, venceu resistências federativas e, apesar das exceções excessivas, chegou ao Senado. Esta empacou.

Não é uma reforma que afete um ou outro setor. Mexe com quem quer que tenha dinheiro suficiente para abrigá-lo num paraíso fiscal, sejam esses recursos provenientes de ganhos na indústria, no comércio, de honorários advocatícios ou de transações financeiras.

O governo tanto sabia que não seria fácil que atrelou a correção na tabela do Imposto de Renda, que isentou ganhos até R$ 2,6 mil, à taxação das “offshores” e anunciou o pacto “Robin Hood” no 1º de Maio. Como a Câmara não indicasse nomes à comissão que analisaria a medida provisória, o texto foi adicionado à MP do salário mínimo.

A iniciativa abespinhou Lira, que nunca engoliu a suspensão das prerrogativas adquiridas pela Casa, durante a pandemia, sobre as MPs. Em vez de negociar com o Executivo um projeto de lei com urgência, como o fez com o Carf, sentou em cima. Foi a isso que Haddad reagiu ao se queixar dos superpoderes da Câmara. Pela primeira vez, a dobradinha trincou em público.

Lira costuma dizer que o Congresso está à direita do Executivo, mas o conservadorismo tupiniquim teme pôr seu mandato em risco se votar contra uma medida que taxa rico para isentar pobre.

Por isso, os parlamentares pressionam para não pautar a votação até o dia 28 de agosto e deixar que a MP caduque. A possibilidade, porém, também derruba o reajuste da tabela do Imposto de Renda e o reajuste do salário mínimo.

Depois que as emendas atingiram os R$ 60 milhões por ano per capita, não espantaria se as “offshores” tenham se popularizado no Congresso. Uma retranca deste porte, porém, só se sustenta com um apoio que extrapole a Casa.

Há relatos de que o ministro dedica seus fins de semana a ligar para empresários, banqueiros e economistas e perguntar sobre as medidas em gestação na sua Pasta. Com as “offshores” não foi diferente. As sugestões que Haddad e seus secretários colheram resultaram em 16 emendas na comissão que analisou a MP.

Assim como na política, porém, nesse meio também não se coloca os ovos numa única cesta. Na mesma instituição financeira em que economistas fizeram sugestões à MP acatadas pela Fazenda, a sucessão acionária, para efeito fiscal, se deu na Suíça. Noutra, que funciona como uma plataforma digital de serviços financeiros, o principal acionista transferiu seu domicílio fiscal para o Uruguai.

Um investidor, que tanto tem offshore quanto fundo exclusivo, acata facilmente o argumento de que se uma aplicação de R$ 20 mil em certificado de depósito bancário (CDI) é taxada no Brasil, a de U$ 20 milhões numa “offshore” também tem que ser. Também reconhece que os fundos exclusivos se valem de uma vantagem indevida. E com a mesma tranquilidade lembra da etimologia da palavra “imposto”. Não é por escolha que se paga.

Conhecedor desta base, de quem se aproximou desde que assumiu a Câmara com a aprovação da autonomia do Banco Central, Lira dobrou a aposta. Do outro lado do balcão, está um ministro da Fazenda que, ao surpreender o mercado, lhe roubou parte do protagonismo.

Ao se expor nesse embate, Lira redobra a confiança da banca sem precisar que seus titulares se exponham e, principalmente, se indisponham com o governo. Ao tornar pública a desavença, Haddad ofereceu esta oportunidade a Lira, que precisa desesperadamente dela para renovar suas pautas no poder.

Lira se sentiu mais à vontade depois que o Supremo suspendeu investigações sobre si e anulou caçambas de provas. Valeu-se do interesse de ministros na safra de indicações do Judiciário e esperam emplacá-las num governo emparedado pela aliança entre o Legislativo e a toga.

A aliança lhe possibilitou saber, por exemplo, que há operações em curso, iniciadas no governo passado, da dobradinha Polícia Federal e Controladoria Geral da União, sobre emendas parlamentares. A informação, que chegou, do STF, à cúpula da Câmara, foi compartilhada em reunião de líderes.

Mais do que espaço na Esplanada, Lira ganhou, com o entrevero, chances de ampliar suas demandas no Executivo. Tem ainda, como vento a favor de seu poder de barganha, um cenário externo na economia que em nada ajuda o governo, desde o juro de longo prazo nos EUA, maligno para emergentes, até o peso morto da Argentina.

Era este o clima que embalava a cúpula da Câmara na noite dessa quarta-feira em relação a um sempre adiado encontro entre Lira e o presidente. Na teoria, busca-se cobrar mais imposto para se pagar menos juro. Na prática, é de correlação de forças que se trata.

 

2 comentários:

  1. A colunista esmiuçou a questão magnificamente! Parabéns a ela e ao blog por divulgar o trabalho desta brilhante jornalista!

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  2. Maria Cristina Fernandes entende do riscado.

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