quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Míriam Leitão - O trabalho já feito pela CPMI

O Globo

A relatora Eliziane Gama defende que a venda das joias seja apurada na comissão, assim como a movimentação financeira do ex-presidente

A CPMI do 8 de janeiro foi pedida pela oposição para constranger o governo Lula, mas hoje quem se constrange é Jair Bolsonaro e todo o seu entorno. A comissão quebrou sigilos e solicitou relatórios do Coaf que estão esclarecendo a rede de crimes de assessores do ex-presidente. A senadora Eliziane Gama, relatora da CPMI, declarou que, ao final, seu relatório dirá quem preparou os atos golpistas e quem os financiou. Ela quer que a investigação inclua o escândalo das joias, mas não sabe ainda se é o caso de convocar Jair Bolsonaro. “Nem sempre a oitiva é o melhor caminho, e eu não preciso do depoimento para pedir o indiciamento”.

Entrevistei a senadora para o meu programa de ontem na GloboNews. Perguntei se ela não tem medo de a CPMI se perder na investigação desses muitos crimes que têm sido revelados pelas diferentes frentes. Ela acha que não, pois a Comissão precisa responder duas perguntas: quem planejou e quem financiou os atos. Ela promete, ao fim dos trabalhos, “um relatório absolutamente justo, um relatório conclusivo, um relatório que vai dar resposta ao povo brasileiro”.

Nesse momento se trava a discussão sobre se a CPMI deve ou não investigar o caso das joias. A relatora acha que deve sim, porque não se pode dizer, de antemão, se a venda dos presentes dados pelas nações estrangeiras eram parte ou não do mesmo plano.

— A gente chegou numa informação que é essa que o Brasil inteiro está acompanhando hoje, que é o volume de pedras preciosas, diamantes. Enfim, joias que estavam sendo negociadas fora do Brasil. Precisamos aprofundar. Porque, na verdade, há uma movimentação financeira milionária, negociações feitas inclusive em dólares. Eu não posso descartar a relação entre isso e quem financiou os atos antidemocráticos. Eu preciso aprofundar a investigação em relação a outras pessoas envolvidas nesse caso. A minha defesa é para que a gente possa avançar para a quebra de sigilo do pai de Mauro Cid porque todo mundo viu como ele acompanhava esse assunto. O advogado também tem relação direta.

O grupo de Bolsonaro está acumulando derrotas nos últimos dias. A declaração do advogado Frederick Wassef admitindo ter recomprado o Rolex por US$ 49 mil foi uma clara demonstração de que ele fez parte da operação para encobrir os crimes de venda ilegal de bens da União. A declaração do novo advogado de Mauro Cid, Cezar Bitencourt, de que o tenente-coronel apenas cumpria ordens mostrou o início de uma mudança na linha de defesa. Em entrevista concedida ontem cedo para o programa Conexão da GloboNews, ele disse textualmente “assessor cumpre ordens do chefe”. Mais tarde, ao GLOBO, o criminalista chegou a falar que Bolsonaro escolheu o cara certo para lhe assessorar porque “Mauro Cid sempre cumpriu ordens”.

A senadora acha que o importante agora é pedir relatórios do Coaf sobre as movimentações financeiras de Jair Bolsonaro e de Michelle Bolsonaro. Até porque tudo o que chegou envolve o ex-presidente. Os relatórios mostram que outros integrantes da ajudância de ordem tinham também movimentações financeiras atípicas. Há, segundo a senadora, uma soma de informações sobre várias empresas que se uniram para financiar os atos, criando o conglomerado Brasil Verde e Amarelo. E sobre a Combat Armor Defense que, em dois anos, foi de R$ 1 milhão para R$ 30 milhões de capital e cujo dono foi fotografado nas manifestações de 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos.

A CPMI segue o destino de voltar-se contra quem a propôs. E está também derrubando, na prática, o machismo com que parlamentares da oposição e redes bolsonaristas têm tentado constranger a senadora.

—Sempre enfrentei o machismo, mas eu nunca me senti tão desrespeitada como tenho me sentido nessa CPI, de uma forma atroz, baixa, vulgar. Eu decidi não olhar mais as redes sociais e pedi às minhas filhas que fizessem o mesmo.

A senadora tem 16 anos de vida pública, já integrou várias CPIs e tem experiência parlamentar, mas ao ser escolhida a notícia foi “aliada de Flávio Dino será a relatora”.

— Eu acho que isso é machismo, é preconceito, é não valorização da mulher. Integro o grupo de Flávio Dino com muita honra, mas fui eu que liguei para ele para dizer que seria a relatora da CPI.

Nestes primeiros três meses de trabalho, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8 de janeiro já inverteu o jogo. Hoje quem está na defensiva é quem a propôs.

 

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