terça-feira, 1 de agosto de 2023

Míriam Leitão - Imposto para os mais ricos

O Globo

Cobrar imposto sobre fundos exclusivos, dos muito ricos, é uma das formas de fazer justiça tributária e arrecadar mais

O Brasil sempre discutiu se deveria ou não ter imposto sobre grandes fortunas. Na verdade, o país está no estágio até anterior a isso. Discute como acabar com a isenção sobre grandes fortunas. É isso que pode acontecer com iniciativas como o imposto de renda sobre fundos exclusivos, a exigência de pagar tributo sobre fundos offshore ao fim de cada exercício, e mudanças nos juros sobre capital próprio, para evitar manobras contábeis. Hoje quem tem grande patrimônio, ou muito dinheiro poupado, tem estímulos tributários, o que é um completo absurdo.

O ministro Fernando Haddad tem dito que quer taxar os fundos exclusivos. Essa é uma briga por justiça, que outros governos tentaram e perderam, mas que vale a pena ser enfrentada. Em geral, o fundo exclusivo mira a administração do patrimônio de quem tem muito dinheiro.

Só os fundos fechados multimercado têm perto de R$ 650 bilhões de patrimônio. Os exclusivamente renda fixa têm um valor bem menor. Existem também os fundos híbridos, os que aplicam em títulos hoje isentos, e os que investem em participação de empresas. Alguns são mais difíceis de taxar por este caminho.

—Um pouco mais de duas mil famílias possuem fundos fechados. Existem 7.500 fundos multimercado com até 20 cotistas. Um mesmo CPF pode ter vários fundos. Além do absurdo em si, tem o fato de que o fundo pode ser veículo para não pagar imposto de renda que teria que ser pago em outras transações — explica uma fonte que está a par do tema que tem sido discutido interna e externamente no governo.

Hoje o dinheiro dos fundos fechados não está submetido ao imposto de renda semestral, o chamado “come cotas", que incide sobre o rendimento dos fundos não exclusivos. Os fundos exclusivos não pagam a antecipação semestral do imposto de renda sobre fluxo do rendimento, como acontece com todos os outros contribuintes de renda menor. Quitam apenas no resgate, mas como são de longo prazo e em alguns casos é preparação da transferência de recursos para as próximas gerações, acabam não pagando. Os dados consideram somente os fundos fechados que não permitem a entrada de novos cotistas e considerados exclusivos. Não incluem os fundos de previdência, com tributação própria.

O conceito é parecido com quem não quer viajar em avião de carreira, tem dinheiro o suficiente para ter o próprio jatinho e liberdade para escolher o piloto. No caso, o gestor do fundo. O problema começa a ser coletivo quando se vê que há vantagens tributárias para essa exclusividade. O governo abre mão de receita para que o passageiro solitário do jatinho, ou um grupo pequeno de cotistas, lucre mais.

Um tema que faz parte do diálogo do governo com o mercado financeiro é como corrigir as distorções sobre os juros sobre capital próprio. Na origem, o JCP tem uma razão de ser. Imagine que uma pessoa investiu na empresa com seu próprio capital e outra pegou emprestado para investir. A que pegou emprestado vai abater do imposto o que pagou de juros. A outra pagará mais imposto de renda. Deixado assim isso estimularia o endividamento e desincentivaria o investimento com a poupança própria.

O problema são as distorções e manobras contábeis que transformaram o JCP numa fonte de fuga do pagamento de impostos. Um dos truques é aumentar artificialmente o patrimônio líquido — com o qual se faz a conta dos juros sobre capital próprio — e desta forma não distribuir dividendos, mas apenas “pagar” juros sobre capital próprio. Há casos de investimento feito há anos, ou incluído por manobra contábil na empresa, cujo valor ainda é usado para pagar juros aos acionistas.

Um dos caminhos em debate entre o governo e o mercado é o modelo europeu, em que se o sócio colocou mesmo dinheiro na empresa, permite-se um determinado abatimento naquele ano,mas desde que não se tire dinheiro da empresa, não haja distribuição.

Quando o governo Temer tentou aprovar a mudança da tributação sobre fundos exclusivos foi derrotado no Congresso. Na época calculava-se que isso permitiria arrecadar R$ 6 bi por ano. Agora, fala-se em R$ 10 bi. Imagina que todo esse dinheiro está deixando de entrar nos cofres públicos porque os muito ricos, um grupo que nem chega a 1% da população, paga imposto de maneira diferente do que a classe média e no mesmo tipo de investimento. Essa é uma das batalhas do segundo semestre.

 

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