quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Nilson Teixeira* - Céu azul com nuvens pesadas adiante

Valor Econômico

Falta de perspectiva de uma transformação estrutural mais profunda na economia justifica as nuvens carregadas no horizonte

A percepção dos participantes de mercado sobre os fundamentos domésticos melhorou bastante no decorrer deste ano em função das trajetórias mais benignas da atividade e da inflação, bem como da diminuição dos riscos fiscais e políticos mais adversos.

O PIB do 1º trimestre foi maior do que o projetado, elevando a mediana das projeções de crescimento em 2023 de 0,8% no fim do ano passado para os atuais 2,3%. Apesar de a inflação IPCA seguir a dinâmica antecipada, com os 2,9% acumulados no 1º semestre similares à previsão formulada no fim de 2022, a projeção para 2023 recuou para 4,8%, após ter alcançado 6,1% em abril. As expectativas de inflação para 2024, 2025 e 2026 também retrocederam para, respectivamente, 3,9%, 3,5% e 3,5%.

Os avanços fiscais, com a proximidade da votação final do arcabouço fiscal e a aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, são igualmente positivos ao afastarem riscos de extrema deterioração das contas públicas. Do lado político, as propostas mais estatizantes e intervencionistas de alguns apoiadores do governo não foram adiante, seja por conta de decisão contrária do presidente Lula seja devido ao apoio insuficiente no Congresso, contribuindo para afastar cenários mais adversos.

A percepção acerca dos prognósticos favoráveis de curto prazo foi legitimada pelo Copom com o início do afrouxamento monetário, o corte da taxa Selic acima do apreçado na curva de juros, a sinalização de reduções dos juros básicos de 50 pontos base nas próximas reuniões do Copom e a retirada de comentários sobre riscos fiscais do comunicado do comitê. A melhoria da classificação de risco do crédito soberano pela Fitch, apesar de ainda distante do grau de investimento, também referendou o sentimento mais favorável.

Mesmo com os impactos trágicos da invasão da Ucrânia, o bom desempenho dos principais blocos econômicos - a expressiva alta dos juros internacionais contribuiu para o recuo da inflação sem uma marcante desaceleração da atividade nem uma significativa alta do desemprego - foi determinante para a elevação dos preços dos ativos globais - o índice de ações S&P 500 aumentou de 3.840 pontos no fim de 2022 para 4.478 pontos na 6ª feira.

O cenário atual justifica, assim, a percepção de céu azul no horizonte e a valorização dos preços dos ativos locais. A taxa de câmbio apreciou de R$ 5,29/US$ no fim de 2022 para R$ 4,73/US$ na semana passada, a taxa de juros para o contrato futuro de janeiro de 2027 diminuiu de 12,6% para 10,1% e o Ibovespa, após atingir 98 mil pontos em março, superou 120 mil pontos.

Os participantes de mercado têm minimizado, porém, diversos riscos negativos para as perspectivas da economia. O consenso sobre a atividade, por exemplo, é de significativa desaceleração a partir do 2º trimestre. Mesmo que a expansão da economia possa superar 2% em 2023 e 2024, a estimativa de crescimento potencial entre 1% e 1,5% é inferior à da maioria dos países emergentes. Apesar da recente dinâmica benigna, a inflação ao consumidor acumulada em 12 meses aumentará nos próximos meses por conta da forte deflação do 3º trimestre de 2022 gerada pelo corte de impostos. Além disso, os núcleos de inflação elevados reforçam o risco de aceleração dos preços nos próximos meses.

Em um contexto mais amplo, a decisão de alterar normas vigentes, como a política de preços da Petrobras e a legislação de saneamento, incorpora incertezas negativas ao médio prazo. Mesmo que minimizadas pelos agentes de mercado, a retomada da concessão de subsídios creditícios e as menções de apoio a projetos que fracassaram no passado tendem mais adiante a distorcer os preços e a prejudicar os fundamentos.

Na frente política, a evolução dos ajustes econômicos tem sido lenta devido à demora na consolidação de uma coalizão de governo robusta e à falta de consenso sobre o teor dessas mudanças. O arcabouço fiscal, por exemplo, ainda requer aprovação final na Câmara dos Deputados, com líderes partidários condicionando a votação à incorporação de membros do PP e do Republicanos ao Executivo.

Do lado fiscal, influenciados pelo impacto positivo da simplificação do sistema tributário sobre a eficiência econômica, os participantes de mercado têm, por ora, menosprezado o efeito negativo sobre a produtividade advindo da provável necessidade de elevação da carga tributária para fazer face à reversão do déficit primário a partir de 2024, em um ambiente de expansão contínua dos gastos públicos.

Ademais, a tramitação em etapas da reforma tributária impedirá a construção de um sistema eficiente, pois a proposta para os impostos sobre a renda ainda é desconhecida. Assim, a avaliação fiscal favorável tende a ser gradualmente substituída por um sentimento menos benigno, em função da disseminação da leitura de que o cumprimento da meta de resultado primário neste ano e em 2024 será difícil, a menos que o governo seja capaz de antecipar a arrecadação de impostos futuros ou de cobrar novos tributos.

A ausência de um amplo debate sobre a manutenção de inúmeras renúncias tributárias sem elevar a produtividade nem melhorar as condições de vida dos mais pobres é um outro fator que enfraquece a sustentação do sentimento positivo sobre a economia. Da mesma forma, a falta de foco do Congresso em prol de uma revolução na educação dificulta a manutenção de uma leitura positiva no médio prazo.

Em suma, a percepção favorável sobre os fundamentos é justificável sobre algumas óticas. Todavia, o movimento dos preços dos ativos está mais associado a questões de curto prazo, como a trajetória recente das variáveis econômicas, a diminuição da probabilidade de cenários negativos extremos e o movimento dos preços globais. Como não houve mudanças estruturais na economia, a alta dos preços dos ativos locais pode, portanto, ser apenas uma reação de curto prazo, passível de reavaliação mais à frente. Nesse sentido, a falta de perspectiva de uma transformação estrutural mais profunda na economia justifica as nuvens carregadas no horizonte.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia,

 

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