O Globo
É necessário um funcionalismo preparado, e
um conjunto de regras que provejam flexibilidade à administração pública
A qualidade da burocracia estatal é um
ingrediente essencial para o sucesso da ação do Estado, podendo se traduzir em
maior crescimento econômico dos países, havendo evidência empírica nessa
direção*.
Os alicerces são a meritocracia no
recrutamento e no progresso na carreira, com utilização de incentivos corretos,
e o devido accountability (monitoramento, prestação de contas e
responsabilização). É necessário englobar desde os formuladores de diretrizes
de políticas públicas até os servidores que atendem diretamente o cidadão.
Esse desafio não é exclusividade do Brasil, mas aqui o quadro é bastante complexo em função da combinação de fatores como: estabilidade plena dos servidores (e não apenas para carreiras de Estado), aspecto em que o Brasil destoa da experiência mundial; regras que fortalecem o corporativismo; e marco jurídico falho, que constrange o processo decisório (“apagão da caneta”).
Soma-se a isso a grande concessão de cargos
como moeda de troca nas barganhas políticas, para se obter apoio do Congresso.
Talvez por isso o Legislativo falhe tanto no controle do uso dos recursos
públicos pelo Executivo.
O resultado é nossa posição medíocre nos
rankings de efetividade do governo. O do Banco Mundial busca captar as
percepções acerca da qualidade do serviço público, sua independência, a
formulação e implementação de políticas públicas, e o compromisso do governo
com as políticas. Em 2021, apenas 35% dos países tinham posição inferior à do
Brasil no ranking, ante 71,2% do Chile.
Reformas são necessárias para construir um
modelo administrativo mais focado no cidadão e não nos interesses de diferentes
segmentos da burocracia.
O objetivo principal da reforma
administrativa deve ser melhorar a qualidade da ação estatal, mas ela poderá
resultar em economia de recursos ao longo do tempo, como na revisão das regras
de remuneração e progressão na carreira.
O maior problema atual não é o inchaço da
máquina — em algumas áreas faltam quadros —, mas a elevada remuneração em
relação aos pares no setor privado. Mais uma vez, esse fenômeno não é uma
peculiaridade brasileira, mas o país apresenta um diferencial de remuneração
bastante superior ao dos países da OCDE, especialmente na esfera federal — 67%
ante 14% na OCDE, segundo o Banco Mundial. E a Previdência é ainda generosa,
apesar das reformas conduzidas.
O funcionalismo está longe de ser um grupo
homogêneo. A desigualdade no setor público é superior à observada na iniciativa
privada. A fatia dos 10% mais bem pagos concentra as carreiras judiciárias, que
estão sempre a buscar mais “penduricalhos”.
Outra dificuldade são as muitas nomeações
políticas sem compromisso ou identificação com a missão do cargo, o que
contamina toda a cadeia da gestão pública. Vale citar um grave problema na área
da educação, que é a indicação política para diretores de escola, como aponta o
relatório do D3e, Todos Pela Educação e Atricon.
Esses elementos, além de prejudicarem a
eficiência da máquina, alimentam o corporativismo.
A julgar pelo passado, a reforma
administrativa seria ainda mais necessária na gestão petista. É verdade que a
reforma da Previdência dos servidores foi uma inflexão em relação às posições
do PT na oposição, que atuou para afastar iniciativas de FHC, como a
estabilidade condicionada a avaliações de desempenho, a flexibilização do
regime único e a regulamentação do direito de greve.
Porém, houve expansão da folha, loteamento
da máquina, aumento injustificado de gratificações e sua extensão aos inativos.
Pior, faltou, e muito, a autocontenção do Executivo, como na gestão ideológica
do Ipea, no enfraquecimento da autonomia de agências reguladoras, e nas
contabilidades criativas e pedaladas.
O modelo atual não se provou um antídoto
para os excessos dos políticos, ou mesmo suas omissões, como na pandemia. É
necessário um funcionalismo preparado e engajado, e um conjunto de regras que
provejam flexibilidade à administração pública, com vistas a ajustar as
políticas públicas às demandas da sociedade.
Que se aprofunde essa discussão. A agenda é
extensa, para mais de um governo, e exige liderança forte. Não é uma agenda que
agrada ao PT. É bem-vinda, pois, a cobrança do Congresso.
*Um exemplo é EVANS, Peter; RAUCH, James E.
“Bureaucracy and Growth: A Cross-National Analysis of the Effects of ‘Weberian’
State Structures on Economic Growth”. American Sociological Review, 1999
Muito boa a coluna.
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