sábado, 12 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Novo PAC poderá provocar mesma ressaca do velho

O Globo

Em vez de ampliar gasto público e criar manobras contábeis, governo deveria tratar de atrair investimento privado

Chama a atenção o ineditismo da escolha do Theatro Municipal do Rio para relançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), marca dos governos petistas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta ressuscitar. Para transformá-lo em bandeira política, o governo faz de tudo para torná-lo o maior possível. Estarão sob o PAC investimentos de empresas públicas, como a Petrobras, e projetos de parcerias público-privadas. Tudo somado, o programa resulta em R$ 1,7 trilhão, cifra sob medida para reforçar o discurso do Planalto.

Carimbar qualquer obra como se fosse do PAC é o de menos. O país precisa de investimentos em infraestrutura. O erro, mais uma vez, é achar que o crescimento econômico precisa ser puxado pelo gasto público, como querem os petistas. Em sua encarnação anterior no Planalto, o partido já seguiu esse caminho, produzindo dívida e recessão.

Dado o histórico, espanta a iniciativa do Planalto de aumentar em R$ 5 bilhões o orçamento do programa usando lucro de estatais. Pior: descontando o valor da meta fiscal de 2024, manobra de “contabilidade criativa” de natureza similar à das que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Investimentos são gastos primários, como todas as despesas do Estado, por isso precisam ser considerados no cálculo da meta fiscal. Se o governo decidir elevar o gasto num item do Orçamento, terá de cortar o mesmo valor noutro. É o princípio que norteia a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mesmo que pareça pequena, a manobra contábil de usar os lucros das estatais emite um sinal preocupante, bem no momento em que as agências de avaliação de risco melhoram a classificação do Brasil com base na esperança de aprovação do novo arcabouço fiscal.

Embora as novas regras fiscais tenham trazido alívio — pois qualquer regra é melhor que nenhuma regra —, fica a cada dia mais claro que as metas ambiciosas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não serão cumpridas. Daí os “puxadinhos contábeis” para conciliar o desejo político de Lula de anunciar programas de impacto como o PAC e a necessidade econômica de financiar toda a gastança.

A deterioração já é visível nas contas deste ano — a previsão de déficit primário subiu de R$ 108 bilhões para R$ 146 bilhões. Para cumprir a meta de déficit zero no ano que vem, será necessário um ajuste da ordem de R$ 145 bilhões. Como a despesa sempre cresce pela nova regra fiscal, Haddad só tem falado em medidas para aumentar receita: taxação de contas no exterior, de fundos exclusivos, mudança de regras nos julgamentos da Receita Federal para favorecer a União e outros sortilégios arrecadatórios por ora apenas hipotéticos.

Nada se compara, claro, à ressurreição da contabilidade criativa. Além da manobra para financiar o PAC, também se estuda transformar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça, os precatórios, em “despesas financeiras”, para que deixem de ser gastos primários que pressionam as metas.

Toda essa criatividade poderia ser aplicada na formulação e na execução de uma política econômica capaz de atrair investimentos privados para infraestrutura e outras necessidades do país. Insistir no modelo que já deu errado — por meio de iniciativas como o novo PAC — poderá trazer de volta, além da contabilidade criativa, a ressaca que costuma acompanhá-la, com mais dívida, mais inflação, mais juros e menos crescimento.

Câmara fez bem ao prorrogar a Lei de Cotas no acesso a universidades

O Globo

Revisão do programa estava um ano atrasada. Projeto de Lei vai agora à apreciação dos senadores

A aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei que prorroga a política de cotas em instituições de educação superior traz mais acertos que erros. Um dos principais méritos foi acabar com a insegurança jurídica que afetava alunos, pais e instituições de ensino. A Lei 12.711, de 2012, que reservou 50% das vagas a alunos de escolas públicas e, entre os cotistas, parcelas a pretos, pardos, indígenas e deficientes proporcionais à participação na população, também previa uma revisão do programa em agosto de 2022. Mesmo com atraso, a votação desta semana tira a questão do limbo. O Senado agora precisa dar prioridade ao projeto.

O tema das cotas costuma provocar reações acaloradas, num ambiente polarizado capaz de contaminar os próprios pesquisadores do assunto. Ainda assim, não faltam evidências de que a Lei das Cotas atingiu sua principal meta: aumentou o acesso à educação superior de qualidade a grupos antes sub-representados. Em 2012, os egressos de escolas públicas eram 55%. Quatro anos depois, 63%. Pretos, pardos e indígenas saíram de 27% para 38% no período. A mudança também teve um relevante aspecto qualitativo.

A participação desses grupos não cresceu apenas nas carreiras em que eles já tinham presença marcante. Os cursos mais impactados foram justamente os mais concorridos. Uma pesquisa da Unicamp revelou aumento de 10% na escolha por medicina e outros quatro cursos disputados. Um estudo com alunos do Direito da Uerj mostrou como o diploma foi determinante para ascensão social.

Os acertos não poderiam servir de pretexto para a expiração da lei. Parece óbvio que o mecanismo de inclusão ainda é necessário. Por isso fizeram bem os deputados ao aprovar a prorrogação. Outro destaque foi privilegiar os mais pobres. A lei de 2012 reservou metade das vagas de cotistas a alunos de famílias com renda per capita de até 1,5 salário mínimo. O Projeto de Lei reduz o valor para um salário mínimo. São positivas também mudanças no mecanismo de ingresso. Alunos com notas altas o suficiente para ser aprovados pelo sistema geral não precisam ingressar por meio de cotas.

A maior omissão dos deputados, que os senadores terão a oportunidade de corrigir, foi não terem dado atenção devida à retenção de cotistas. A desistência entre eles tende a ser maior. Para resolver o problema, será preciso entender as causas. Caso seja questão financeira, bolsas de estudos deverão ser criadas. (O texto aprovado na Câmara fala apenas em priorizar o acesso a auxílio estudantil.) Se eles tiverem dificuldades de acompanhar as disciplinas devido a deficiências do ensino médio, programas de reforço serão necessários nas universidades. Outro ponto que merecerá análise dos senadores é o que defende a ampliação de políticas afirmativas para a pós-graduação. Medir de forma isenta a questão é chave para preservar os acertos e evitar os erros.

PAC ressuscitado

Folha de S. Paulo

Programa mira objetivo publicitário, mas acerta em privilegiar obras inacabadas

Com a divulgação do novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu ao menos atingir o objetivo propagandístico.

O PAC é referência tradicional para o petismo. As edições anteriores privilegiavam a ação do Estado e foram, em boa medida, frustradas por má concepção, ineficiência e, não raro, corrupção. Espera-se, ao menos, que desta vez tais vícios não sejam repetidos. A promessa de maior parceria com o setor privado, portanto, é bem-vinda.

Como em outros episódios, fica clara a busca por reviver o que teria sido o período de glória dos dois primeiros mandatos de Lula, quando a economia do país crescia mais, não sem ajuda de condições externas propícias.

A meta do novo programa —investimentos de R$ 1,7 trilhão, dos quais R$ 1,4 trilhão a serem executados até 2026— impressiona, mas inclui uma coletânea de projetos já existentes e que seriam realizados com ou sem a marca.

O valor agora aventado passa por nove eixos de atuação: inclusão digital, saúde, educação, infraestrutura social, cidades sustentáveis, água, transportes, transição energética e defesa.

São R$ 343 bilhões em investimentos de empresas estatais, centrados em projetos da Petrobras, sobretudo na área de extração de petróleo, que já constam do plano de negócios da companhia. A inclusão no programa não deixa de configurar certo ilusionismo.

De positivo, há o foco na retomada de obras inacabadas, incluindo empreendimentos logísticos importantes, como a Ferrogrão, com leilão planejado para o final do ano. Também deve ser saudada a retomada de projetos habitacionais, de desenvolvimento urbano e o foco em educação e saúde.

Na área de moradia, trata-se da reedição de outro programa petista, o Minha Casa, Minha Vida, que teve o mérito de entregar residências —mas o fez sem considerar temas essenciais para a redução da desigualdade, em especial a geografia e o acesso à infraestrutura.

No saneamento, setor essencial para a qualidade de vida, em especial na primeira infância, fica a dúvida do compromisso, já que o governo não esconde sua visão avessa à prestação de serviços por empresas privadas. Que haja pragmatismo e maior abertura.

Por fim, há R$ 371 bilhões em aportes diretos do governo federal, que devem se encaixar no Orçamento, com as limitações impostas pelo novo marco de controle das despesas que substituiu o teto constitucional de gastos.

Descumprir a responsabilidade fiscal e praticar contabilidade criativa, como na gestão de Dilma Rousseff (PT), será a pior das hipóteses para o programa relançado.

Polícia letal

Folha de S. Paulo

Taxa vexatória de mortes por PMs exige política de Estado que controle atividade

Segundo a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 6.430 pessoas foram mortas pela polícia em 2022, o que representa 18 mortes por dia e só 1% abaixo do número registrado em 2021.

Nada justifica que um país em tempos de paz sofra com tamanha letalidade. Como comparação, 1.176 pessoas foram mortas pela polícia nos EUA em 2022, um recorde de acordo com o monitor Mapping Police Violence. A taxa é seis vezes menor do que a do Brasil, e lá há cerca de 130 milhões de habitantes a mais do que aqui.

Rio de Janeiro, com 1.330 mortes, e Bahia, com 1.464, concentram 43% dos casos. Em outras palavras, as polícias de cada estado mataram mais do que todas as polícias dos EUA. Em apenas seis dias (de 28 de julho a 4 de agosto), foram 31 mortes causadas por forças de segurança da Bahia.

Na segunda (7), um menino de 13 anos foi morto na Cidade de Deus, na zona oeste do Rio, durante operação policial. No último dia 23, outra criança, de 10 anos, havia sido morta em ação da PM em Salvador.

Mesmo considerando as mortes por habitantes, Bahia e RJ ficam, respectivamente, em segundo e terceiro lugares, atrás apenas do Amapá, que possui a polícia mais letal em números relativos (16,6 mortes a cada 100 mil pessoas).

Não há solução mágica para diminuir esses índices vexatórios. Especialistas apontam que, sem mecanismos de supervisão e controle, as polícias continuarão a usar abusivamente seu poder discricionário.

Câmeras nas fardas dos agentes podem ajudar. Com elas, São Paulo e Santa Catarina diminuíram as mortes pela polícia entre 2021 e 2022. Mas não se trata de panaceia.

Nos primeiros seis meses deste ano, na gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), o número de mortes causadas pela PM paulista teve alta de 26%, em comparação com o mesmo período de 2022.

Na Bahia, sob governos do PT, os óbitos saltaram de 354 para 1.464 entre 2015 e 2022.

Independentemente da ideologia, os poderes estaduais e federal quase nada têm feito para resolver o problema, que configura clara infração ao Estado de Direito e aos direitos humanos.

É urgente que se estabeleça um pacto na Federação pelo controle da atividade policial. Implementar projetos de segurança pública que respeitem a vida dos cidadãos, com treinamento de agentes e punição para abusos no uso da força, deve ser uma política de Estado.

Déficit zero, só no papel

O Estado de S. Paulo

Honrar precatórios em dia não é boa intenção, mas obrigação de todo governo. Se esse é o objetivo, que se tenha a coragem de fazê-lo da forma correta, revendo o arcabouço e a meta fiscal

A promessa de zerar o déficit primário em 2024 gerou desconfiança desde que foi anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no dia da apresentação do novo arcabouço, no fim do mês de março. Mais do que descrença nas administrações petistas, historicamente conhecidas pelo ímpeto por aumentar gastos e driblar limites, o que realmente pesou na avaliação dos especialistas em contas públicas foi o consistente desequilíbrio fiscal que o País apresenta há mais de dez anos.

O nível crescente de despesas obrigatórias, aliado à compreensível resistência do Legislativo em aumentar a carga tributária, criou um rombo orçamentário estrutural. Por óbvio, ele não seria facilmente revertido, nem mesmo por um governo realmente comprometido com a austeridade. Nas últimas semanas, no entanto, tem ficado mais claro como o governo pretende cumprir essa audaciosa meta fiscal: deturpando-a.

O primeiro indício dessa intenção foi a mensagem modificativa enviada ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) nos últimos dias. Nela o governo pede ao Congresso que autorize o desconto, para fins de apuração da meta fiscal, de um valor de até R$ 5 bilhões em despesas de estatais relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É a materialização de um entendimento que o presidente Lula da Silva manifesta há tantos anos: investimento não é gasto – só para ele, claro.

Com muito boa vontade, seria possível argumentar que R$ 5 bilhões representam pouco no Orçamento. A mais nova manobra, no entanto, é ainda mais indecorosa – na forma, no conteúdo e nos valores potencialmente envolvidos. Como revelou o jornal Folha de S.Paulo, o governo quer recorrer a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reclassificar os precatórios como despesa financeira. Dessa maneira, o pagamento de dívidas da União já reconhecidas pela Justiça ficaria fora dos limites do arcabouço e poderia ser feito sem comprometer a meta fiscal.

A medida distorce os conceitos mais básicos da contabilidade pública. Boa parte dos precatórios diz respeito a vencimentos de funcionários públicos e a benefícios da Previdência Social. Quase sempre, eles têm origem em uma perniciosa e contumaz prática da União, que se recusa a reconhecer esses passivos no momento em que deveria fazê-lo. Quando isso acontece, resta aos cidadãos afetados reivindicálos pela via judicial, uma batalha que dura muitos anos.

Não há dúvida sobre o fato de que os precatórios são despesas primárias. Não se enquadram no conceito de despesas financeiras, que se referem ao pagamento de juros da dívida e ao resgate de títulos públicos. A única razão para classificar os precatórios nessa categoria é impedir que o pagamento deles consuma o espaço de outras despesas e gere mais um gigantesco déficit fiscal.

O problema dos precatórios não é novo ou restrito ao governo atual. Negando a realidade, o então ministro da Economia Paulo Guedes optou por comparar seu comportamento ao de um meteoro. Adiar os pagamentos por quatro anos, por meio de um sublimite, não passou de calote para beneficiar Jair Bolsonaro no ano da eleição.

Não adiantou, mas o legado bolsonarista criou uma bola de neve de quase R$ 200 bilhões a ser quitada em 2027. O valor consumiria todo o espaço das despesas discricionárias e paralisaria a máquina pública, como mostram documentos oficiais elaborados por técnicos do governo. Como se vê, diferentemente dos corpos celestes, essas dívidas têm um comportamento bem previsível.

Para dar fim a esse escândalo, no entanto, o governo Lula quer engendrar outro que daria orgulho aos pais da contabilidade criativa: quitar todo o volume de dívidas represadas sem afetar o resultado fiscal. Ora, honrar os precatórios em dia não é boa intenção, mas obrigação de todo e qualquer governo. Se esse é o objetivo, que se tenha a coragem de fazê-lo como se deve, revendo o arcabouço, o espaço disponível para gastos e a própria meta fiscal. Seria uma demonstração de coerência, transparência e maturidade institucional – e de um compromisso fiscal real, não fantasioso.

Os descaminhos na educação paulista

O Estado de S. Paulo

O sr. Feder pode até se revelar um profissional ‘preparadíssimo’, como disse Tarcísio em sua defesa. Mas sua gestão, até agora, está marcada por confusões, extravagâncias e suspeitas

“Não há nada que resista ao resultado”, escreveu o então candidato Tarcísio de Freitas logo no início de seu programa de governo, documento enviado à Justiça Eleitoral há exatamente um ano. Se o governador de São Paulo ainda acredita no que apôs no papel, à guisa de coerência, tem o dever de substituir o atual secretário estadual de Educação, Renato Feder, e, sobretudo, alterar os rumos da educação pública paulista. Os resultados da pasta não são apenas ruins, como se isso não fosse grave o bastante; estão, na verdade, muito longe das marcas de “modernidade” e “eficiência” que Tarcísio prometeu imprimir em sua gestão.

Desde janeiro, a Secretaria da Educação, com o sr. Feder à frente, tem sido uma usina de polêmicas e problemas que apontam para o retrocesso, prejudicando os cerca de 4 milhões de alunos matriculados na rede estadual. Se “modernidade” há no que tem sido feito pela pasta, ficou no discurso ou em ações estéreis, como essa política extravagante de abolir os livros didáticos das salas de aula a fim de substituílos por slides de PowerPoint. Para quem comanda a maior rede pública de ensino do País, deveria ser claro que a tecnologia, por si só, não educa ninguém.

Digitalizar o material didático não significa modernizar coisa alguma se a ação não fizer parte de um plano geral muito bem construído com vista à formação integral dos alunos, vale dizer, voltada para a formação de cidadãos mais bem preparados para a vida, não para uma prova qualquer. Não há sinais de que esse plano estratégico exista. E o que se assemelha a um plano é muito ruim para um Estado que, a despeito de sua pujança econômica e política, ainda apresenta indicadores educacionais muito aquém de suas possibilidades.

Privar crianças e adolescentes do acesso aos livros é apenas um desses erros recorrentes do governo estadual na seara da Educação, o “pilar de qualquer sociedade” e “um dos principais investimentos para a redução de desigualdades e a geração de oportunidades no longo prazo”, nas palavras do próprio Tarcísio em seu programa de governo.

Recentemente, o governador determinou que os diretores das escolas estaduais assistam a pelo menos duas aulas por semana. A medida vai de encontro às melhores práticas educacionais, pois é óbvio que os professores sentirse-ão vigiados e tolhidos em sua liberdade de cátedra. É estupefaciente que alguém como Tarcísio, tido e havido como um gestor técnico, ignore que há outros métodos muito mais eficientes e menos invasivos de avaliar a qualidade do trabalho do corpo docente.

Há poucos dias, este jornal também revelou que os professores e alunos da rede estadual foram surpreendidos com a instalação de um aplicativo da Secretaria da Educação em seus celulares particulares, sem aviso prévio ou consentimento – o que pode ser considerado uma violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). De acordo com a pasta, tudo não passou de um “erro” durante um “teste” com 20 mil celulares, como se a trapalhada atenuasse a gravidade da invasão.

Para coroar, digamos assim, os descaminhos na educação pública paulista, sobre o sr. Feder ainda recaem suspeitas muito graves de conflito de interesse, ora sob investigação do Ministério Público de São Paulo, envolvendo a assinatura de contratos milionários entre a Multilaser, empresa controlada por uma holding da qual o secretário de Educação é sócio, e o governo do Estado. Este jornal apurou que alguns desses contratos foram assinados em 2023, ou seja, quando o sr. Feder já estava ocupando o cargo público.

O atual secretário de Educação pode até se revelar, mais adiante, um profissional “preparadíssimo” e “estudioso”, como disse Tarcísio em sua defesa. Mas, até o momento, seu currículo, festejado pelo governador, não se traduziu em ações acertadas. Pelo contrário, a pasta que comanda virou foco de preocupação com os rumos de uma das mais cruciais áreas da administração pública. Fosse apenas isso, já seria ruim; quando a honestidade do secretário é colocada em dúvida, o problema se torna muito pior.

O fim de uma aberração

O Estado de S. Paulo

Ao propor o fim do crédito rotativo, BC cumpre seu papel de regulador do mercado financeiro

A extinção do crédito rotativo, anunciada pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, como a alternativa mais viável para solucionar o “grande problema” do cartão de crédito, vai enterrar a jabuticaba mais nociva produzida pelo sistema financeiro nacional. O modelo, desde sempre um grande gerador de endividamento, fez disparar a inadimplência em progressão geométrica à medida que os cartões de crédito se tornaram o instrumento mais comum em compras no comércio.

A decisão final ainda não está tomada. Em sessão no Senado, o presidente do BC informou que ao fim de 90 dias o Conselho Monetário Nacional (CMN), integrado, além dele, pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, chegará a um consenso sobre a proposta dos diretores da autoridade monetária sobre a forma mais eficaz de frear a inadimplência no cartão. Em maio a taxa bateu o recorde de 53% e se mantém ao redor dos 50%. “Não há nada parecido em nenhum lugar do mundo”, disse Campos Neto aos senadores. Também não há no mundo um sistema tão nefasto como este.

Ao atuar no cerne da questão, que é a sistemática adotada, o Banco Central está cumprindo o seu papel de regulador do mercado financeiro, sem interferir na aferição dos juros que cabe a cada instituição. Combate o rotativo em si, um método que obriga o tomador do crédito que não paga toda a parcela devida, apenas uma parte dela, a ingressar num patamar interestelar de juros. Neste caso, os juros médios estão batendo 437% ao ano, mas o BC já identificou cobranças de até 1.000% ao ano. Dívidas obviamente impagáveis.

Houve uma tentativa, em 2017, de brecar o avanço acelerado da inadimplência. Foi quando o CMN estabeleceu o prazo máximo de um mês para permanência no rotativo. A partir daí, o saldo não pago passa a ser considerado outro financiamento, com parcelamento definido. Não fez diferença.

Falta ainda conhecer os detalhes da proposta. Aos senadores, Campos Neto adiantou que a ideia central é que, em vez do rotativo, a dívida vá direto para um parcelamento específico, cuja taxa de juros deve ficar em torno de 9% ao mês. Mas somente a resolução do CMN deixará mais clara a nova metodologia.

Trata-se de uma questão delicada diante da alta dependência do comércio das operações de crédito com cartão, ainda mais porque o varejo está com vendas estagnadas, como mostram os últimos levantamentos do IBGE. Essas pesquisas indicam que, para os produtos que dependem apenas da renda do consumidor, há recuperação; já o que depende de crédito continua fraco. Os parcelamentos muito longos se tornaram comuns no comércio. E são justamente eles que aumentam o risco de crédito. E, como ressaltou Campos Neto, o agente que fixa os juros não é o mesmo que toma o risco, por isso a assimetria do mercado.

O maior acesso a cartões de crédito marca o período de inclusão financeira, o que é positivo para o consumidor e a sociedade em geral. Mas o ideal seria que viesse acompanhado de maior orientação em seu uso. E de métodos menos draconianos, como parece ser o que o busca o BC.

 

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