quarta-feira, 9 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

BC delimita ritmo e alcance do ciclo de redução de juros

Valor Econômico

Não haverá intensificação do ritmo de queda da Selic sem que ocorram “surpresas positivas substanciais”

A ata da reunião do Comitê de Política Monetária que decidiu um impulso inicial mais potente para o ciclo de flexibilização monetária também delimitou seu ritmo e alcance. No plano de voo do Banco Central, não há hoje motivos para se esperar que os ajustes determinados de 0,5 ponto percentual para as próximas reuniões sejam mais intensos. Por outro lado, a política monetária seguirá contracionista até que a inflação atinja a meta, isto é, os juros reais permanecerão algo acima da taxa neutra, de 4,5%, indicando que a taxa Selic pode encontrar seu limite de baixa ao redor de 8%-8,5%, caso não haja mudanças positivas relevantes no cenário prospectivo.

A ata dá mais elementos para qualificar a divergência que resultou em votação apertada entre os diretores (4) que defenderam um corte inaugural de 0,25 ponto percentual e os cinco que, como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, apoiaram um ajuste maior, de 0,5 ponto percentual. Houve consenso entre os dois grupos, no entanto, sobre ter chegado o momento de reduzir a Selic. “O Comitê unanimemente avaliou que a evolução do cenário desde a última reunião permitiu acumular a confiança necessária para iniciar um ciclo gradual de flexibilização monetária”, registra a ata.

As diferenças de avaliação sobre a magnitude do corte de juros decorreram mais do estágio do processo inflacionário no início do ciclo e da coerência em relação às mensagens que o BC transmitiu até há pouco. A ata explicita que tanto cortes de 0,25 ponto como de 0,5 ponto tinham “mérito” e conduziriam à convergência da inflação para a meta.

O grupo mais conservador, que optou por um ajuste menor, permaneceu fiel à mensagem de “cautela e parcimônia” que deu a tônica da orientação do BC e, para eles, não houve “alterações relevantes no cenário ou projeções do Comitê que justificassem uma reavaliação dessa sinalização”. O outro grupo, no qual se perfilaram os dois novos diretores do BC indicados pelo governo Lula - o diretor de Política Monetário, Gabriel Galípolo, e o de Fiscalização, Ailton de Aquino -, argumentou que a política monetária “significativamente” contracionista já permitia o início de cortes em ritmo moderado (0,5 ponto) sem que isso comprometesse a eficácia das doses já ministradas sobre a atividade econômica. A dinâmica recente “mais benigna” da inflação e a reancoragem parcial “rápida” das expectativas de inflação desde a definição das metas de inflação pelo Conselho Monetário Nacional justificariam uma recalibragem da dose de juros. E assim foi feito.

Outro ponto de consenso que determinou o início da redução dos juros foi o de que “um cenário com expectativas de inflação com reancoragem apenas parcial, núcleos de inflação ainda acima da meta, inflação de serviços acima do patamar compatível com a meta para a inflação e atividade econômica resiliente requer uma postura mais conservadora ao longo do ciclo de flexibilização”.

A decisão de um ajuste maior do que o esperado pela maioria dos investidores, diante de um cenário ainda não seguro de desinflação - o IPCA está mais longe da meta de inflação do que esteve nos dois ciclos anteriores de afrouxamento monetário - causou ruídos esperados, que a ata procura dissipar. Não haverá intensificação do ritmo de queda da Selic, que se tornou uma leitura corrente após o corte de 0,5 ponto, a menos que ocorram “surpresas positivas substanciais”, como uma “reancoragem bem mais sólida das expectativas, uma abertura contundente do hiato do produto ou uma dinâmica substancialmente mais benigna do que a esperada da inflação de serviços”.

O Copom discutiu os motivos de a reancoragem ser apenas parcial e entre eles reapareceu a incerteza sobre a dinâmica fiscal, que foi retirada do balanço de riscos, mas permanece no cenário-base do BC, porque os investidores não acreditam que o governo vá cumprir as metas de resultado primário estabelecidas no novo regime fiscal. Outra hipótese foi a de que “o Banco Central poderia tornar-se mais leniente no combate à inflação”, correspondente à percepção de muitos investidores sobre o que ocorrerá com a política monetária com a mudança da composição da diretoria do BC quando a maioria dos membros tiver sido indicada pelo atual governo.

O Copom, então, emitiu novos juízos sobre fatores que poderão influir no processo inflacionário, onde se incluiu até o avanço do crédito direcionado na economia. “O esmorecimento no esforço de reformas estruturais, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre seu custo para a economia”, aponta a ata.

Dúvidas sobre o comportamento da inflação envolvem o hiato do produto, a distância em que se encontra a economia de seu potencial de crescimento. A desaceleração no segundo semestre pode dirimi-las, tornando o cenário muito mais favorável à redução dos juros.

Juiz de garantias traria mais lentidão, redundância e custo

O Globo

Judiciário brasileiro já dispõe de três instâncias para revisar os erros da primeira. Faz sentido criar mais uma?

Está prevista para hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) a retomada da votação sobre a criação do juiz de garantias, magistrado cujo trabalho ficaria restrito à fase de instrução do processo (busca e apreensão, escuta telefônica, interrogatórios etc.). Seria um juiz mais próximo da investigação, enquanto um segundo seria responsável pelo julgamento.

O objetivo da mudança, segundo seus defensores, é tornar o trâmite mais imparcial. Atualmente, um mesmo juiz fica encarregado do inquérito e da sentença, numa dinâmica que os garantistas consideram prejudicial aos réus. O novo modelo procura imitar países europeus e, na superfície, parece mais sensato. Na realidade brasileira, porém, ele criaria redundância, ampliaria um Judiciário já gigantesco, traria despesas estimadas em bilhões e tornaria a Justiça ainda mais lenta.

A criação do juiz de garantias foi aprovada pelo Congresso em 2019, como parte do Pacote Anticrime, sancionado por Jair Bolsonaro. Logo em seguida, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) foram apresentadas no STF contra a implementação. Em 2020, o ministro Luiz Fux, relator das quatro, suspendeu temporariamente a aplicação da lei, sob o argumento de que ela exigia a apresentação de evidências “acima de qualquer dúvida razoável” sobre seus reflexos.

Quando o assunto chegou ao plenário da Corte há seis semanas, Fux votou pela inconstitucionalidade da lei que obrigou todas as comarcas do país a adotar o juiz de garantias. Para ele, a norma presume, sem evidências, a parcialidade dos magistrados no sistema atual, por isso viola o princípio constitucional da proporcionalidade (novas restrições só se justificam se forem proporcionais aos direitos protegidos). O relator também argumentou que a criação de um mecanismo tão intrusivo só poderia ser proposta pelo próprio Judiciário. Ao fim, Fux defendeu que a adoção deve ser opcional. Caso não seja, disse que a norma ferirá “de morte” o direito dos cidadãos a uma duração de processo razoável.

Mesmo antes de Fux terminar seu voto, o ministro Dias Toffoli avisou que pediria mais tempo para analisar a questão, mas prometeu devolver o caso ao plenário em agosto. Com o reinício da votação previsto para hoje — primeiro caso de vulto a contar com a participação do recém-empossado ministro Cristiano Zanin —, espera-se que a decisão saia em breve.

No sistema judicial brasileiro já há três instâncias para rever o trabalho da primeira. A ideia de que injustiças são frequentes porque um mesmo juiz cuida da instrução e do julgamento carece de comprovação empírica. Além de supérflua, a medida custaria caro. Comarcas com um só juiz teriam de ser atendidas por magistrados de outras cidades, incorrendo em gastos e tempo extra. Em questão de meses, certamente surgiria a demanda pela ampliação das vagas para juízes, a categoria mais dispendiosa e privilegiada do funcionalismo brasileiro.

Quem chama a lei dos juízes de garantias de “avanço civilizatório” costuma lembrar os abusos cometidos em julgamentos da Operação Lava-Jato. Esquece-se, porém, de apresentar evidências de que tal comportamento seja corriqueiro. Reformas na Justiça são urgentes, mas no sentido contrário ao apontado pelo juiz de garantias. É necessário torná-la mais ágil e rápida, mais barata e extinguir privilégios que são uma afronta à população.

Sanção de Lula à ozonioterapia expõe a população a risco desnecessário

O Globo

Presidente que criticou Bolsonaro pela gestão temerária da pandemia já tem uma cloroquina para chamar de sua

Contrariando a recomendação de entidades médicas, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da própria ministra da Saúde, Nísia Trindade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que autoriza a ozonioterapia como tratamento de saúde complementar no país. Até então, ela era permitida apenas em procedimentos odontológicos (como tratamento de cáries) ou estéticos (limpeza e assepsia da pele).

Embora terapias com ozônio para tratar doenças que vão de dores crônicas ao câncer estejam na moda e reúnam celebridades nacionais e internacionais entre seus adeptos, não há nenhuma comprovação científica de eficácia e segurança desses procedimentos. Nos Estados Unidos, as autoridades de saúde informam que o ozônio “é um gás tóxico, sem aplicação médica útil conhecida em terapias específicas, complementares ou preventivas”.

Não é por acaso que instituições respeitadas da área médica tenham defendido o veto presidencial ao projeto, aprovado pelo Senado em julho. A Academia Nacional de Medicina (ANM) informou não ter conhecimento de trabalho científico que comprove a eficácia da ozonioterapia em nenhuma circunstância e alertou sobre os riscos à saúde. Posição semelhante foi manifestada pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Federação Nacional dos Médicos. Até o Conselho Federal de Medicina (CFM) — criticado na pandemia pela leniência com a prescrição da cloroquina, a despeito da ineficácia comprovada no combate à Covid-19 — diz em nota que a ozonioterapia é procedimento de “caráter experimental” que deveria ficar restrito ao “ambiente de estudos científicos”.

Não bastassem os riscos de procedimentos experimentais, a liberação da ozonioterapia cria embaraços jurídicos. O CFM proíbe os médicos de usar o tratamento, mas a lei os libera. Para ser usados, os equipamentos de aplicação de ozônio precisam ser aprovados pela Anvisa, que só os autoriza em procedimentos odontológicos e estéticos. Confusão à vista.

Numa democracia, é sempre saudável o debate sobre novas leis. O que preocupa nesse caso é Lula desprezar pareceres de instituições médicas e do próprio Ministério da Saúde sem justificativa nem argumento plausível. A regulação cabe à Anvisa e deve ser feita segundo critérios técnicos, não interesses políticos de parlamentares.

Infelizmente, o Brasil já viu esse filme. Em meio à pandemia mais letal em cem anos, o então presidente Jair Bolsonaro ignorou as recomendações técnicas e preferiu se aconselhar com um gabinete paralelo anticiência, que glorificava a cloroquina e demonizava as vacinas. O final dessa história, com mais de 700 mil mortos, é conhecido. É um contrassenso que o atual governo, que usa o slogan “a Ciência voltou” em anúncios institucionais, aprove uma lei que passa ao largo das evidências científicas e das boas práticas na saúde, chancelando o disse me disse das redes sociais e expondo a população a riscos desnecessários. Lula, que tanto criticou a gestão anterior na saúde, já tem uma cloroquina para chamar de sua.

Mais distância

Folha de S. Paulo

Ministro da Justiça dá sinais de aproximação excessiva com a cúpula da PF

A administração Jair Bolsonaro (PL) não fez questão de esconder o seu desejo de submeter corporações de Estado, em especial as armadas, às vontades idiossincráticas do presidente da República.

Tornou-se didática a esse respeito a reunião ministerial de abril de 2020, gravada em vídeo e disponibilizada ao público por ordem judicial. Nela o chefe do governo confessava, na prosa tosca habitual, a sua disposição de interferir na Polícia Federal, porque "a PF não me dá informações" e ele não podia "ser surpreendido com notícias".

As trocas constantes ao longo do mandato em postos estratégicos na PF e na Polícia Rodoviária Federal e a traumática substituição simultânea dos três comandantes das Forças Armadas mostraram que não se tratava de retórica vazia. O objetivo era desgastar a cartilagem que o profissionalismo interpõe entre o mandonismo político-partidário e o serviço público.

A Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) restaurou padrões de normalidade nessas relações e, até pelo compromisso com o campo democrático firmado na campanha eleitoral, deveria estar atenta aos ruídos que por vezes surgem no Ministério da Justiça.

O titular, Flávio Dino (PSB), no fim de junho afirmou que poderia haver novidades nas investigações da morte da vereadora do Rio Marielle Franco. Semanas depois, a PF prendeu um suspeito do crime, e o próprio ministro da Justiça anunciou que o detido fizera uma delação premiada e projetou novas operações à frente.

Questionado sobre se o ministro havia obtido informação privilegiada de um inquérito presidido com autonomia funcional, o ministério afirmou que Dino dera apenas uma previsão de que haveria novas operações, pois, tarimbado com 33 anos de vivência jurídica, seria pessoa abalizada para fazer essas estimativas técnicas.

O clarividente ministro da Justiça não é a única fonte de atenção acerca de uma aproximação excessiva entre uma autoridade política e uma corporação policial.

O próprio diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, demonstra grande e longeva afinidade com a cúpula petista. Figura frequente nas viagens do presidente da República, entrou numa disputa burocrática com o Gabinete de Segurança Institucional, órgão conduzido por militares, pela primazia de zelar pela segurança do chefe de Estado.

A República viceja quando os protocolos que abrandam o ímpeto dos poderosos são respeitados. Submetido aos caprichos do chefe de turno, o aparato policial se desvirtua, persegue adversários e protege amigos do grupo no poder. Por isso o governante e seus nomeados devem manter uma saudável distância das corporações armadas.

Inócua ou temerária

Folha de S. Paulo

Lei que autoriza ozonioterapia é exemplo de política que ignora racionalidade

lei que autoriza a ozonioterapia como tratamento complementar, aprovada pelo Congresso e sancionada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gera justificadas críticas.

Segundo a Academia Nacional de Medicina, a Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina, não há estudos científicos suficientes que comprovem eficácia e segurança da técnica.

Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e o Ministério da Saúde afirmam que, atualmente, só há permissão de uso em duas áreas: odontologia e estética (assepsia da pele). Novos equipamentos e indicações devem ser submetidos à Anvisa com pesquisas que atestem resultados confiáveis.

Contudo a lei só especifica que o "equipamento de produção de ozônio medicinal" deve estar regularizado pela agência. Para especialistas, isso pode dar margem para que dispositivos já autorizados sejam usados para outros fins, que não odontológico ou estético.

A ozonioterapia consiste na aplicação de uma mistura de oxigênio e ozônio por via endovenosa, retal, intramuscular e outras.

A técnica é permitida no SUS desde 2018, dentro do programa de Práticas Integrativas e Complementares (PICs), que recebe críticas de médicos e pesquisadores por oferecer serviços sem comprovação científica —como aromaterapia, reiki e constelação familiar.

Mas, como informaram o ministério e a Anvisa, o uso não foi além das áreas já normatizadas.

Causa espécie que o Congresso Nacional perca tempo na formulação e aprovação de uma lei sobre tratamento carente de respaldo científico. O Legislativo estimula, assim, a busca por um serviço duvidoso e, no limite, perigoso —a técnica pode queimar mucosas e causar danos vasculares e cerebrais.

Dada a dubiedade da redação do diploma, o resultado pode ser ou inócuo, ao manter as restrições da Anvisa, ou pior, temerário.

Há ainda o risco de judicialização, se pacientes demandarem oferta para outros fins pelo SUS.

Durante a pandemia, o país testemunhou os riscos de tratamentos sem base científica, com tentativas de permitir a prescrição de cloroquina e até mesmo da ozonioterapia para combater o coronavírus. O próprio PICs, do SUS, disponibiliza terapias questionáveis.

Não se concebe mais que o poder público ignore a racionalidade no desenho de suas políticas baseadas em evidências, que precisam buscar eficácia e segurança.

Sem medo das redes sociais

O Estado de S. Paulo

Câmara deve recolocar em pauta a necessária regulação das redes sociais. Assim como não pode ficar refém do lobby das big techs, País não pode titubear ante o lobby da desinformação

É alvissareira, uma demonstração de verdadeira maturidade democrática, a notícia de que a Câmara dos Deputados se prepara para votar, neste início de segundo semestre, a regulação das redes sociais. O plano é votar, em primeiro lugar, o Projeto de Lei (PL) 2370/2019, que trata do pagamento de direitos autorais por conteúdos audiovisuais publicados em plataformas digitais e da remuneração de veículos de comunicação por parte das empresas de tecnologia. Depois, a Câmara se debruçaria sobre um novo texto do PL 2630/2020, o PL das Fake News, a ser apresentado pelo relator, deputado Orlando Silva.

O lobby é parte do jogo democrático. Mas o País – em especial, o Congresso, órgão por excelência da representação popular – não pode ficar refém do lobby das empresas de tecnologia, que desejam impedir todo e qualquer avanço regulatório. Elas estão muito confortáveis com o cenário atual, no qual dispõem de ampla irresponsabilidade sobre o conteúdo publicado e de autorização quase irrestrita, sem exigências de transparência, para interferir na exposição de cada conteúdo.

Todos os países têm notado os efeitos perniciosos da falta de uma regulamentação adequada das redes sociais em muitos campos da vida social, econômica e política. E tentam encontrar caminhos para esse desafio regulatório tão grande e, ao mesmo tempo, tão urgente. O Brasil não é uma exceção.

Assim como não pode ficar refém do lobby das empresas de tecnologia, o País não pode titubear ante o lobby da desinformação, que foi decisivo para impedir a votação do PL 2630/2020 no fim do primeiro semestre. Houve desbragada difusão de notícias falsas sobre o projeto de lei, principalmente a respeito do poder que o Estado teria para interferir nas publicações dos usuários. Com isso, o PL das Fake News, que vinha aperfeiçoar a regulação justamente para assegurar a liberdade de expressão a todos os usuários, passou a ser equivocadamente conhecido como o PL da Censura.

Os detratores do projeto difundiram a ideia de que, uma vez aprovado o texto, o governo Lula teria direito a remover conteúdo das redes sociais. Ora, nenhum dispositivo do PL 2630/2020 confere ao Poder Executivo federal o poder de arbitrar o que pode e o que não pode ser publicado nas redes sociais. Se conferisse tal disparate, o texto seria, por óbvio, inconstitucional.

Para piorar, a tramitação do PL 2630/2020 foi especialmente conturbada no fim do primeiro semestre por força da atuação invasiva do Supremo Tribunal Federal (STF). Medidas liminares do ministro Alexandre de Moraes pretenderam estabelecer o que poderia ser dito sobre o texto em estudo pelo Congresso. Foi uma evidente intromissão inconstitucional do Judiciário na opinião pública. E, como era óbvio que ia acontecer, mais do que assegurarem um ambiente de serenidade e de correção das informações, as decisões de Moraes suscitaram ainda mais dúvidas e receios. Parecia que a tão anunciada censura do PL das Fake News já estava sendo colocada em prática pelo magistrado.

Diante de todo esse cenário, ganha novo destaque a maturidade da Câmara dos Deputados em não desistir da regulação das redes. A possibilidade de dividir o tema, votando por partes, pode facilitar um debate mais sereno e racional da proposta. A tática de fatiar o projeto original tem a finalidade de dar maior transparência ao debate. Com isso, como bem lembrou o presidente da Câmara, Arthur Lira, os integrantes da bancada que defende os interesses financeiros das empresas de tecnologia terão mais dificuldade de se fazer passar por paladinos da liberdade de expressão, pois cada assunto será tratado separadamente.

Este primeiro ano de legislatura, sem eleições, é ocasião propícia para o Congresso enfrentar um tema tão politicamente complicado. Os pilares da regulação das redes sociais em estudo na Câmara são a liberdade de expressão, a transparência e a ampliação da responsabilidade das plataformas. Tudo isso é altamente positivo para os usuários das redes e para o País. Não convém desperdiçar a oportunidade.

Uma necessária resolução moralizadora

O Estado de S. Paulo

A ministra Rosa Weber, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), levará ao plenário do CNJ nos próximos dias uma alvissareira proposta de resolução que visa a regulamentar com mais rigor a participação de magistrados em eventos patrocinados por entidades privadas. Desde 2013, essa disciplina já existe, mas é branda, entre outras razões, por operar em uma zona cinzenta. Esses eventos com a presença de magistrados têm sido corriqueiramente tratados como colóquios acadêmicos, de modo que os juízes se sentem legal e moralmente autorizados a participar. Na prática, porém, muitos se confundem com festins entre lobistas e servidores públicos, onde abundam conflitos de interesse.

Nesse sentido, o CNJ fará muito bem ao País tanto ao aprovar, com desassombro, a proposta de resolução, antecipada pelo portal Metrópoles, como ao detalhar o que caracteriza um evento genuinamente acadêmico e o que não passa de convescote bancado por entidades privadas que têm muitos interesses em jogo circulando pelos gabinetes da magistratura em todas as instâncias do Poder Judiciário, sobretudo nas Cortes Superiores.

O fato de a mais alta autoridade judiciária do País estar pessoalmente engajada na aprovação dessa resolução expõe a dimensão da fissura que esses eventos patrocinados por entidades privadas provocam na aura de imparcialidade que está na essência da atividade judicante. Nunca é demais lembrar que a um magistrado não basta ser imparcial, de resto um atributo comezinho do ofício; é mandatório parecer imparcial, ou a própria ideia de justiça e a confiança dos jurisdicionados na solução mediada de conflitos, dois pilares das sociedades civilizadas, não serão devidamente assimiladas por todos os cidadãos.

A iniciativa da ministra Rosa Weber de regulamentar com mais apuro a participação de juízes em eventos privados coroa sua trajetória na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ às vésperas da aposentadoria compulsória. A medida vem na esteira de outras, de igual teor disciplinador, encampadas pela ministra, o que demonstra uma inabalável disposição de enfrentar, com coragem e espírito republicano, questões espinhosas no âmbito do Poder Judiciário que, exatamente por isso, há muito permaneciam intocadas – seja porque mexiam em temas sensíveis para a sociedade, seja porque tocavam na vaidade e na percepção de poder que parecem mover alguns de seus pares.

Com a tenacidade que lhe é característica, no entanto, a ministra Rosa Weber conseguiu avanços extremamente importantes no sentido de aproximar o Poder Judiciário de uma atuação mais coadunada com o que determina a Constituição. À primeira vista, pode parecer algo elementar, mas decerto não foi fácil para a presidente do STF e do CNJ vencer as resistências que se interpuseram entre ela e seus objetivos.

Um dos legados da ministra, por exemplo, é o resgate da vocação colegiada do Supremo Tribunal Federal pela imposição de limites às decisões monocráticas. Uma reforma regimental, aprovada durante sua gestão, passou a obrigar que decisões liminares dos ministros sobre questões urgentes sejam rapidamente submetidas ao colegiado, via plenário virtual. Outra mudança alvissareira foi a definição do prazo de até 90 dias para a devolução de pedidos de vista. Antes, não havia prazo algum, e qualquer ministro poderia pedir vista e relegar um processo ao esquecimento pelas mais variadas razões.

A resolução para moralizar a presença dos juízes em eventos patrocinados, caso seja aprovada, como este jornal espera que seja, é particularmente bem-vinda no momento em que a confiança dos cidadãos nas instituições republicanas, em particular no STF, tem sido abalada tanto pelos ataques dirigidos pelos inimigos da democracia como, é forçoso registrar, pelos erros que os próprios magistrados cometem ao não se comportarem à altura de suas atribuições constitucionais.

Mais transparência no Copom

O Estado de S. Paulo

Ata mostra que divergências entre diretores do BC não são políticas e afasta leniência no combate à inflação

A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) dirimiu dúvidas sobre as razões que motivaram a redução mais intensa da taxa básica de juros pelo Banco Central (BC). No documento, mais longo que o padrão, o BC explicitou os motivos técnicos que levaram a uma divisão entre os diretores e reafirmou o compromisso do BC de conduzir a inflação de volta à meta.

Havia muita expectativa sobre como a decisão se daria e de que forma seria justificada. Seria, afinal, a primeira reunião do colegiado desde a entrada de dois novos integrantes indicados pelo governo Lula – Gabriel Galípolo, até então secretário executivo do Ministério da Fazenda, e Ailton de Aquino Santos, servidor de carreira do BC. Parte dos agentes acreditava que a nova composição do Copom poderia levar o BC, com o passar do tempo, a ser mais leniente no combate à inflação.

Como já havia informado o comunicado, quatro dos diretores defendiam a queda de 0,50 pp, enquanto outros quatro preferiam uma redução de 0,25 pp. Alvo de ataques contínuos por parte do governo, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, deu o voto definitivo a favor do corte mais agressivo da Selic, para 13,25% ao ano.

Faltava, porém, a divulgação da ata para afastar insinuações sobre a existência de motivações políticas a embasar a decisão. De forma transparente, o documento mostrou que um grupo não considerava haver sinais suficientes de mudanças no cenário e nas projeções para permitir um corte mais agressivo da taxa básica de juros. Outro, no entanto, destacou a dinâmica recente da inflação e a manutenção das metas de inflação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) como fatores que contribuíram para ancorar as expectativas, o que abria espaço para uma queda mais intensa dos juros.

Na ata, o Copom admitiu haver mérito nas duas posições. E, apesar das diferenças de opinião sobre o tamanho do corte, os diretores, de forma consensual, reconheceram que a retomada da ancoragem das expectativas ainda era parcial, uma vez que a atividade econômica mostra resiliência e os núcleos e a inflação de serviços continuam elevados. Assim, ao contrário do que havia ocorrido algumas vezes nos últimos meses, comunicado e ata vieram em tom alinhado, corrigindo erros de comunicação cometidos em ocasiões anteriores.

Por meio da ata, o BC também tentou segurar apostas de um ajuste ainda mais ousado nas próximas reuniões, de 0,75 pp, como parte do mercado passou a cogitar. Essa possibilidade, segundo o documento, dependeria de “surpresas positivas substanciais” e de uma retomada da ancoragem das expectativas “bem mais sólida”. É um cenário que o comitê julga ser pouco provável, uma vez que superar os desafios fiscais e atingir as metas traçadas pelo novo arcabouço será um objetivo, no mínimo, desafiador.

Com a ata, o Banco Central reafirmou sua autonomia de forma transparente e corajosa, deixando claro haver não apenas um compromisso firme de combate à inflação, como também espaço para opiniões divergentes na cúpula da instituição. Que este seja, a partir de agora, o padrão de comunicação do BC.

 

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